"Informações por si só não esclarecem o mundo. Podem até mesmo obscurecê-lo. Além de certo ponto, as informações não são informativas, mas deformativas."
Byung-Chul Han
O mundo vem passando por sucessivos ciclos de mudanças e os seres humanos pensantes são constantemente desafiados por algo novo, arrebatados por ondas de transformações políticas, geopolíticas, sociais, científicas, literárias, artísticas, jurídicas, digitais e tecnológicas.
O horizonte fitado, desejante ou não, é alterado amiúde, mesclando a antítese entre angústias e arautos de esperanças. Há sempre um devir. Mas qual mesmo? Concreto, digital ou holográfico? Há uma crise na narração, segundo Byung-Chul Han:
“A comunicação é cada vez mais controlada de fora para dentro. Ela parece obedecer a um processo automático, maquinal, controlado por algoritmos e do qual não somos conscientes. Estamos entregues à caixa-preta algorítmica. As pessoas estão definhando e se transformando em um conjunto de dados que pode ser controlado e explorado.”1
São tempos para além da modernidade líquida baumaniana2. Há um cerco de redoma hermeticamente fechado e relações esvaziadas pelas redes antissociais, bem como amoldado por algoritmos, fomentando ilusoriamente diálogos e contato humano, por vezes, desumanizado e longe de ser humanista, afetando, por óbvio, o trabalho desempenhado por certos operadores do Direito.
Contudo, resiste o clamor pela utilização da chamada epistemologia conforme a lúcida exposição do ilustre professor e jurista Lênio Streck:
“Não existe intelectual bronzeado (é uma metáfora). Direito é coisa séria. E é um fenômeno complexo. Por isso luto por uma coisa chamada epistemologia, coisa que parece que os facilitadoras do Direito não compreendem. Porque é complexo. E não dá para desenhar. Por isso tenho feito críticas ao uso da inteligência artificial e às fórmulas facilitadores da comunicação jurídica, mais especificamente o visual law e o legal design.”3
Por vezes, o Direito caminha sob a imposição truculenta pela simplificação de textos jurídicos e aceleramento em prol de estatísticas, em detrimento da dignidade da vida da pessoa humana, defendido como baluarte o aparato de plataformas que englobam um conjunto de módulos e funcionalidades que apregoam promover a eficiência administrativa, em síntese, alicerçado por automatismo somado à burocracia.
Ao que tudo indica, a semântica e as interpretações jurídicas encontram-se demasiadamente empobrecidas pela incessante exposição às telas de gadgets. A desconexão é proibida! Livros? Para quem? Não resta tempo para a passagem de páginas de papel, discussões intelectuais, argumentação, controvérsias e questionamentos.
Diante da edificação de um mundo em teimosa recusa à análise tormentosa e crítica, é mais conveniente escolher um inimigo como alvo, impedindo a existência de dissidentes no contexto legal.
A crítica justa, em plena discussão jurídica, pode ser apreendida como ataque pessoal e não o centramento do tema em foco.
Àqueles que ultrapassaram a burocracia proveniente da aristocracia já não caçam ideologias, ingressam e estimulam debates, precipuamente jurídicos. Cassar é ato de déspotas, desejando impingir pecha a algo ou alguém não nomeado que questiona e é posto à margem, não se contêm.
É simplório seguir como parte pertencente a uma manada, em um ritmo imposto por um metrônomo medonho, em prol da imitação, intimidação e do fanatismo cego, acrítico e arrasador, assentindo em ódio ao prejulgar oposição ao viés de confirmação almejado.
Fronteiras foram cruzadas, sem possibilidade de retorno ao modelo analógico. Diante de tantas guerras deflagradas, certamente a ruptura do marco civilizatório foi atingida, ensejando a multiplicação de escravos do automatismo alçados à figura de passageiros chefes e de meros servos longa manus, correndo o risco de, em breve, restarem travestidos por uma nova roupagem encouraçada, a do transumanismo, ditando-a aos pares.
Sem a devida elaboração jurídica e psíquica, possivelmente, restará a existência humana e a construção de subjetividade sob ameaça da imposição de um novo capital, subjugando indivíduos como commodities, construído diuturnamente pela influência do tecnofeudalismo4 e transumanismo5, em justificação acrítica pela simplificação não excluída à exegese jurídica.
Na era digital, olvidam-se a ínsita cautela que deveria ser endereçada ao desenvolvimento da psique e do Direito em prol do conhecimento analítico e assertivo.
Como insculpida pela parábola do filósofo Schopenhauer citada na obra de Freud6, em um dilema, os porcos-espinhos ousam desconvir.
Eis a ilustração da dificuldade das relações humanas, onde a proximidade excessiva pode causar sofrimento devido à vulnerabilidade ("espinhos"), mas o afastamento advém solidão ("frio"). A metáfora sugere a necessidade de encontrar uma distância ideal para equilibrar a intimidade e a dor, permitindo a conexão sem se ferir. Mas se sobreviver à desconexão humana e à conexão digital? Chegar-se-á a uma versão modificada de avatar no metaverso?
Diante da acachapante aceleração imposta pela tecnologia, aos cônscios operadores no âmbito jurídico cabe desviar dos carimbos distópicos imediatistas, digitais e tecnológicos em prol da soberania por singularidade do sujeito e do Direito, senão sobrará o Plunct Plact Zum, não vai a lugar nenhum!
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1 Han, Byung-Chul. A crise da narração. Petrópolis: Vozes, 2024.
2 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zaha. 2007.
3 STRECK, Lênio. Não é porque a tecnologia é superinteligente; você é que é preguiçoso. Conjur, 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jul-08/senso-incomum-nao-tecnologia-superinteligente-voce-preguicoso/. Acesso em 07 de setembro de 2025.
4 Instituto Humanitas Unisinos. Adital. Fonte Maxipixel. O tecnofeudalismo é uma espécie de capitalismo canibal. Entrevista com Cédric Durand. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/616087-o-tecnofeudalismo-e-uma-especie-de-capitalismo-canibal-entrevista-com-cedric-durand. Acesso em 07 de setembro de 2025.
5 CHRISTIE, LINDHOLM e STARR.Entendendo o transhumanismo. Disponível em: https://lausanne.org/pt-br/report/o-que-significa-ser-humano-em-breve/transhumanism. Acesso em 07 de setembro de 2025.
6 FREUD, Sigmund. Psicologia das Massas e Análise do Eu e Outros Textos (1920 -1923). São Paulo: Companhia das Letras, 2011.