Introdução
A linha de montagem, um ícone da era industrial, simboliza tanto a eficiência produtiva quanto a mecanização do trabalho humano. Para muitos, ela representa a realidade diária de movimentos repetitivos, pressão por metas e um ritmo de trabalho que, frequentemente, ignora os limites do corpo e da mente. Em setores como o de montadoras de veículos, o zumbido constante das máquinas pode abafar os gritos silenciosos de uma força de trabalho que adoece psicologicamente. A promoção da saúde mental no ambiente de trabalho, portanto, transcende a mera gestão de recursos humanos; ela se torna uma questão de saúde pública, de direitos humanos e de responsabilidade social. Neste contexto, a atuação de sindicatos fortes e a conscientização dos empregadores sobre seu papel na saúde integral de seus colaboradores são fundamentais para a construção de uma sociedade que valoriza a dignidade e o bem-estar acima do lucro desmedido.
O desgaste invisível: Riscos e a função social da empresa
O trabalho em atividades repetitivas, como nas montadoras, expõe os trabalhadores a uma série de riscos que vão além das LER - lesões por esforço repetitivo e dos DORT - distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho. A monotonia, a falta de autonomia, a pressão por produtividade e o controle excessivo criam um terreno fértil para o desenvolvimento de transtornos mentais como ansiedade, depressão e a síndrome de burnout. Um estudo realizado durante a pandemia na indústria automotiva da região das Agulhas Negras, no Brasil, por exemplo, revelou um aumento de 79,93% nos afastamentos por transtornos mentais em comparação com o período pré-pandêmico, evidenciando a vulnerabilidade desses trabalhadores (SOUZA; LIMA, 2022).
Neste cenário, a empresa transcende sua função puramente econômica e assume uma função social de extrema relevância. O trabalho deve ser um propulsor da melhoria das condições de vida e da concretização da dignidade humana, e não um fator de adoecimento. A responsabilidade social corporativa, portanto, não pode se limitar a ações filantrópicas externas; ela deve começar dentro de casa, com o cuidado genuíno com a saúde física e mental de seus colaboradores. Isso inclui não apenas os trabalhadores da linha de frente, mas também os gestores e empresários, que frequentemente estão submetidos a altos níveis de estresse. Uma gestão empresarial saudável é o primeiro passo para um ambiente de trabalho saudável.
É imperativo que as empresas enxerguem o investimento em saúde mental não como um custo, mas como um investimento estratégico. Trabalhadores saudáveis e psicologicamente equilibrados são mais produtivos, engajados e inovadores. A redução do absenteísmo e da rotatividade, a melhoria do clima organizacional e o fortalecimento da imagem da empresa são apenas alguns dos benefícios tangíveis de uma cultura que prioriza o bem-estar.
Sindicatos atuantes e a NR-1: Ferramentas de proteção e luta
Historicamente, os sindicatos têm sido a principal força na luta por melhores condições de trabalho e pela garantia dos direitos dos trabalhadores. No contexto do adoecimento mental, sua atuação se torna ainda mais crucial. Sindicatos fortes e atuantes são essenciais para negociar acordos coletivos que incluam cláusulas de proteção à saúde mental, como pausas para descanso, programas de apoio psicológico e a criação de canais seguros para denúncias de assédio e sobrecarga de trabalho.
A NR-1 do Ministério do Trabalho e Emprego, em sua recente atualização, surge como uma poderosa aliada dos sindicatos e trabalhadores. A NR-1 estabelece as diretrizes para o GRO - Gerenciamento de Riscos Ocupacionais e o PGR - Programa de Gerenciamento de Riscos, que agora devem, obrigatoriamente, incluir a identificação e a avaliação dos riscos psicossociais. Isso significa que fatores como a organização do trabalho, o ritmo imposto, as jornadas exaustivas e as relações interpessoais devem ser consideradas como potenciais fontes de adoecimento e, portanto, gerenciados pelas empresas.
Para os sindicatos, a NR-1 abre novas perspectivas de atuação. A fiscalização do cumprimento do PGR, a participação na identificação dos riscos psicossociais e a cobrança por medidas de prevenção eficazes são ações concretas que podem ser tomadas para combater o adoecimento em sistemas de trabalho repetitivos. A norma fortalece o direito de recusa do trabalhador em situações de grave e iminente risco à sua saúde, o que inclui os riscos de natureza psicológica.
Contudo, a efetividade da NR-1 depende da vigilância e da mobilização sindical. A capacitação dos dirigentes sindicais e dos membros das CIPA - Comissões Internas de Prevenção de Acidentes sobre os riscos psicossociais é fundamental para uma atuação qualificada e propositiva.
Para as empresas, a adequação à NR-1 e a gestão dos riscos psicossociais não devem ser vistas como um fardo, mas como uma oportunidade de aprimorar suas práticas de gestão e de construir um ambiente de trabalho mais seguro e produtivo. Nesse sentido, a estruturação de uma boa assistência jurídica especializada é crucial. Advogados com expertise em direito do trabalho e saúde do trabalhador podem auxiliar as empresas a implementarem programas de compliance, a elaborarem políticas de prevenção ao assédio e a garantirem a conformidade com a legislação, evitando não apenas passivos trabalhistas, mas, principalmente, promovendo um ambiente de trabalho que valoriza a vida.
Considerações finais
A promoção da saúde mental no ambiente de trabalho, especialmente em atividades repetitivas, é um desafio complexo que exige uma abordagem multifacetada e o compromisso de todos os atores sociais. Não se trata de uma questão de "responsabilidade individual" do trabalhador, mas sim de um reflexo das condições e da organização do trabalho. As empresas precisam assumir sua função social, compreendendo que o cuidado com o capital humano é o alicerce para o sucesso sustentável.
Os sindicatos, por sua vez, têm o dever de se fortalecerem e se capacitarem para atuar de forma proativa na defesa da saúde mental de seus representados, utilizando ferramentas como a NR-1 para fiscalizar e exigir a implementação de ambientes de trabalho seguros e saudáveis. A saúde, em sua concepção mais ampla, é um elemento indispensável para a construção de uma sociedade mais justa, digna e com direitos e garantias assegurados para todos. Somente com a união de esforços entre trabalhadores, sindicatos e empresas conscientes de seu papel social, poderemos transformar o ambiente de trabalho em um espaço de realização e dignidade, e não de adoecimento.
_______
Bibliografia
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) – Disposições Gerais e Gerenciamento de Riscos Ocupacionais. Brasília, DF, 2024.
SOUZA, L. G. S.; LIMA, R. A. Saúde Mental no Período Pandêmico: Análise dos Impactos da Pandemia na Indústria Automobilística. In: ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO, 42., 2022, Foz do Iguaçu. Anais... Foz do Iguaçu: ABEPRO, 2022.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Saúde mental no trabalho. Genebra: OMS, 2022.