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Produtividade além da agenda cheia: Lições de Adam Grant à advocacia

Por que menos tarefas, mais foco, tempo livre consciente e inteligência artificial podem gerar melhores resultados em escritórios jurídicos.

28/9/2025

A cena é conhecida: advogados exibindo agendas cheias como troféus, sócios orgulhosos de jornadas intermináveis e gestores que acreditam que o sucesso está diretamente ligado ao volume de processos, reuniões e clientes atendidos.

Essa lógica da ocupação constante, apesar de amplamente difundida no meio jurídico, é uma armadilha. Ela transmite a sensação de importância e movimento, mas, na prática, sufoca a capacidade de refletir, priorizar e criar soluções estratégicas

O psicólogo organizacional Adam Grant, professor da Wharton School, tem defendido uma visão contraintuitiva: a melhor forma de ser produtivo não é fazer mais, e sim fazer menos, mas com mais foco. Em um artigo recente publicado na Forbes (2025), Grant enfatiza que produtividade real nasce de espaço mental e tempo livre para reflexão. O excesso de compromissos, ao contrário, não só não multiplica os resultados como os limita drasticamente

Hoje, a própria inteligência artificial expõe a fragilidade dessa lógica. Softwares jurídicos equipados com IA conseguem realizar em segundos atividades que antes demandavam horas de advogados juniores. Isso mostra que “estar ocupado” já não é prova de valor: o que diferencia o profissional é a capacidade de interpretar, decidir e gerar soluções estratégicas que a máquina não entrega.

O respaldo científico: Foco profundo e descanso como motores de desempenho

Cal Newport, professor de ciência da computação, é um dos estudiosos mais respeitados quando o assunto é produtividade cognitiva. Em seu livro Deep Work (“Trabalho focado”, em tradução livre), de 2016, ele defende que a performance mais elevada surge de períodos de concentração profunda e ininterrupta, dedicados a tarefas de alta complexidade. O problema é que, em ambientes de excesso de reuniões, e-mails e tarefas simultâneas, esse foco profundo se torna quase impossível.

Daniel Goleman, conhecido por popularizar o conceito de inteligência emocional, complementa essa visão. Em Focus (“Foco” - 2013), o autor explica que a atenção é um recurso mental escasso e que precisa ser administrado com sabedoria. Se for constantemente fragmentada, a energia cognitiva se esvai, resultando em trabalhos de menor qualidade e em líderes com decisões menos assertivas.

Para gestores de escritórios de advocacia, esse ponto é crítico: a clareza estratégica depende de momentos de reflexão, não de corridas intermináveis entre tarefas.

Há ainda dados objetivos reforçando a tese. Um estudo conduzido pela doutora Sabine Sonnentag, especialista em psicologia organizacional, mostra que trabalhadores que conseguem períodos regulares de descanso têm níveis mais altos de engajamento e menor incidência de burnout (Sonnentag, 2018). Se transpusermos isso para o ambiente jurídico, a mensagem é clara: o descanso não é perda de tempo, é investimento em performance.

Aqui a IA também se conecta: se interrupções e fragmentação mental reduzem performance, o uso de sistemas inteligentes pode justamente blindar o tempo de concentração. Chatbots jurídicos filtram demandas simples de clientes, sistemas de análise preditiva reduzem revisões manuais de jurisprudência, e assistentes virtuais de agenda priorizam automaticamente o que é mais importante. Ou seja, a IA ajuda a criar as condições práticas para que o advogado exerça o “deep work”.

O paradoxo jurídico: Orgulho da sobrecarga, medo da pausa

Na advocacia brasileira, a lógica da produtividade pela quantidade ainda prevalece. Escritórios continuam a medir desempenho por horas faturáveis e número de processos atendidos. Essa métrica, embora prática, cria um incentivo perverso: advogados sobrecarregados, pouco tempo para reflexão e nenhuma margem para inovação.

É comum ouvir os sócios afirmarem que estar sempre ocupado é sinônimo de comprometimento. Essa cultura, no entanto, produz efeitos colaterais graves: desgaste emocional das equipes, dificuldade em reter talentos e um ciclo vicioso em que o escritório cresce em volume, mas não em inteligência estratégica.

A pausa, nesse contexto, é vista com desconfiança. Um advogado que reserva tempo para pensar estrategicamente pode ser erroneamente interpretado como improdutivo. Mas é justamente nessa pausa que surgem as ideias capazes de diferenciar um escritório no mercado.

Essa resistência se repete na relação com a IA: muitos escritórios ainda encaram a automação e a inteligência artificial como ameaças, quando na verdade representam oportunidade de aliviar a sobrecarga. O medo de “perder espaço” para a máquina reflete a mesma mentalidade que rejeita a pausa, uma visão de produtividade baseada em quantidade, não em qualidade.

Quando menos significa mais

Empresas de tecnologia e inovação vêm desafiando há anos a lógica da ocupação constante. A Microsoft Japan reduziu, em 2019, a jornada de trabalho para quatro dias semanais e registrou aumento de 40% na produtividade (BBC, 2019). O experimento mostrou que menos tempo de trabalho, quando combinado com foco intencional, pode gerar mais resultados do que semanas intermináveis de tarefas.

Outro caso interessante é o da startup americana Basecamp, que instituiu jornadas mais curtas durante o verão. O objetivo não era apenas proporcionar qualidade de vida, mas estimular os colaboradores a concentrarem energia nas tarefas realmente relevantes. O resultado foi maior engajamento e entregas de qualidade superior.

Embora escritórios de advocacia tenham características próprias, as lições são válidas. O que garante resultados não é a quantidade de horas registradas, mas a forma como a energia cognitiva é aplicada.

Experimentos semelhantes já acontecem no campo jurídico com apoio da IA. Escritórios na Europa e nos EUA têm adotado ferramentas de análise documental com machine learning, reduzindo em até 70% o tempo gasto em due diligence (diligência prévia). Assim como a Microsoft provou que menos horas podem gerar mais resultados, esses escritórios demonstram que delegar tarefas repetitivas à IA potencializa a inteligência humana em vez de substituí-la.

O papel da tecnologia e da inteligência artificial: Liberar tempo para pensar

Nesse cenário, ferramentas de automação jurídica surgem como aliadas poderosas. Os softwares jurídicos desenvolvem um sistema de gestão de tarefas priorizadas que redistribui o foco do advogado. Ao automatizar atividades operacionais, essas plataformas devolvem ao profissional o tempo e a clareza necessários para decisões estratégicas.

A nova onda, entretanto, vai além da automação: a inteligência artificial generativa e preditiva já é capaz de analisar grandes volumes de dados processuais, sugerir argumentos jurídicos, antecipar riscos e até identificar oportunidades de negócio em carteiras de clientes. Em vez de substituir o trabalho humano, a IA funciona como um copiloto, ampliando a capacidade de análise e liberando os advogados para o que realmente importa: estratégia, criatividade e relacionamento com o cliente.

Essa mudança não é apenas tecnológica, é cultural. No lugar de associar produtividade ao acúmulo de tarefas, a lógica passa a ser outra: quanto mais espaço para pensar, melhor a qualidade das entregas. Escritórios que combinam IA e gestão consciente conseguem não apenas reduzir custos e erros, mas também criar um ambiente mais inovador, sustentável e competitivo em um mercado em rápida transformação.

Desconstruindo a cultura do “estar ocupado”

Para que essa mudança se consolide, é necessário enfrentar um obstáculo invisível mas poderoso: a cultura da ocupação como símbolo de status. Por décadas, profissionais de diversas áreas, inclusive do Direito, associaram relevância ao fato de “não ter tempo para nada”. Essa narrativa precisa ser desconstruída.

Jim Collins, em Empresas Feitas para Vencer (2001), já alertava que o verdadeiro sucesso organizacional não vem da atividade incessante, mas da disciplina em escolher o que realmente importa. Aplicar esse princípio à advocacia significa dizer não a reuniões desnecessárias, evitar acumular processos sem critério estratégico e priorizar casos que geram maior impacto para o escritório.

A IA coloca ainda mais pressão sobre a necessidade dessa mudança cultural. Em um ambiente em que tarefas operacionais podem ser automatizadas, o valor do advogado passa a residir no julgamento crítico, na empatia com o cliente e na criatividade estratégica. Permanecer preso à lógica da ocupação é desperdiçar o diferencial humano que a tecnologia não replica.

É uma mudança de mentalidade: a liderança jurídica precisa aprender a valorizar não quem faz mais, mas quem faz melhor. Essa valorização se traduz em retenção de talentos, aumento de inovação e crescimento sustentável.

Produtividade como qualidade, não como quantidade

O debate sobre produtividade precisa ser recolocado no centro da gestão jurídica. Não se trata de romantizar pausas ou defender jornadas reduzidas sem critério, mas de reconhecer que a ocupação constante não é sinônimo de resultado. A produtividade que sustenta crescimento é aquela que equilibra foco, descanso e intencionalidade.

Adam Grant nos lembra que criar espaço na agenda não é preguiça, é estratégia. Cal Newport reforça que o trabalho profundo exige proteção contra interrupções. Daniel Goleman mostra que a atenção plena é um ativo raro e valioso. E casos como o da Microsoft evidenciam que menos pode significar mais.

Nesse novo cenário, a verdadeira métrica de produtividade é a sinergia entre inteligência humana e artificial. Escritórios que aprendem a medir valor não pelo volume de horas, mas pela combinação entre estratégia e tecnologia, saem na frente.

Para escritórios de advocacia, o recado é claro: insistir na lógica do acúmulo é perpetuar um modelo insustentável. O futuro pertence a quem aprender a pensar melhor, e não apenas a fazer mais.

A pausa e a IA como ferramentas de gestão

Em um mercado jurídico cada vez mais competitivo, a capacidade de inovar e se diferenciar não virá da quantidade de processos acumulados, mas da clareza estratégica com que são conduzidos. E essa clareza só é possível quando gestores e advogados têm tempo para refletir, analisar e decidir.

A pausa, portanto, deve ser incorporada à gestão como ferramenta produtiva. Ao lado da inteligência artificial, que libera tempo operacional, e da cultura organizacional, que valoriza foco e intencionalidade, ela pode transformar escritórios em ambientes mais criativos, eficientes e sustentáveis.

Produtividade, afinal, não é estar sempre ocupado. É estar presente, lúcido e estratégico no que realmente importa. E talvez esse seja o maior legado que Adam Grant oferece à advocacia contemporânea.

Eduardo Koetz
Eduardo Koetz é advogado, sócio-fundador da Koetz Advocacia e CEO do software jurídico ADVBOX . Especialista em tecnologia e gestão, ele também se destaca como palestrante em eventos jurídicos.

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