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Concessões e PPPs: A chave para o acesso a direitos fundamentais

Este artigo revela como concessões e PPPs são cruciais para a efetivação de direitos fundamentais fazendo uma análise da importância desses instrumentos no cenário atual.

19/9/2025

1 Introdução

O  presente artigo explora a intersecção entre o direito administrativo e o direito constitucional, analisando as concessões e as PPPs - Parcerias Público-Privadas não apenas como ferramentas de gestão econômica, mas como instrumentos jurídicos essenciais para a instrumentalização e efetivação de direitos fundamentais. Em um contexto global de escassez de recursos públicos e crescente demanda por serviços essenciais, a delegação da execução de serviços a terceiros privados surge como uma alternativa para que o Estado possa cumprir seu papel de garantidor dos direitos sociais.

A análise aqui proposta perpassa a mera eficiência técnica e financeira, aprofundando-se na função social e constitucional que esses institutos desempenham. O foco é demonstrar como, ao garantir o acesso a serviços como saneamento, transporte, saúde e educação, as concessões e PPPs contribuem diretamente para a concretização do texto constitucional e para a dignidade da pessoa humana.

2 Desenvolvimento

2.1 O contexto histórico: Do Estado provedor à cooperação

O surgimento das concessões de serviços públicos no Brasil, tal como as conhecemos hoje, está intrinsecamente ligado à evolução do Estado de Bem-Estar Social e às Constituições sociais do século XX. Após a Revolução de 1930, a Constituição de 1934 e, posteriormente, a de 1946, já sinalizavam a ampliação da atuação do Estado em áreas como educação e saúde. No entanto, o ápice dessa tendência veio com a Constituição Federal de 1988, que consolidou um vasto rol de direitos sociais, econômicos e culturais, transformando o Estado de um mero fiscalizador em um promotor ativo de bem-estar social.

Essa nova ordem constitucional impôs ao Estado o dever de prover serviços essenciais de forma universal e contínua. Contudo, as limitações orçamentárias e a ineficiência da gestão pública direta para atender a essa demanda geraram a necessidade de buscar novas soluções. Foi nesse cenário que a lei 8.987/1995, a lei geral de concessões, e posteriormente a lei 11.079/04, que regulamentou as PPPs, ganharam força como mecanismos para suprir essa lacuna. A delegação de serviços públicos, que já existia historicamente, foi modernizada e regulamentada para se tornar uma ferramenta estratégica de política pública.

2.2 Serviços públicos essenciais: A base dos direitos sociais

Para compreender o papel das concessões, é fundamental definir o que são serviços públicos essenciais. Conforme a doutrina de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, "serviço público é toda atividade que a Administração assume como sua para atender a necessidade de toda a coletividade" (DI PIETRO, 2021). A essencialidade de um serviço está na sua capacidade de impactar diretamente a dignidade da pessoa humana e a qualidade de vida.

O fornecimento de água e esgoto é um exemplo clássico. A sua ausência acarreta graves problemas de saúde pública, o que viola o direito à saúde e à dignidade. Da mesma forma, um sistema de transporte público deficiente restringe o direito de ir e vir, o acesso ao trabalho e à educação. Em uma sociedade cada vez mais complexa, a garantia desses serviços não é um luxo, mas um direito fundamental que o Estado tem o dever de assegurar. A concessão, portanto, é a forma pela qual o Estado cumpre essa obrigação de maneira indireta, supervisionando a atuação do parceiro privado.

2.3 Tipos de concessões e sua relevância para a efetivação de direitos

A lei de concessões e a lei de PPPs estabelecem diferentes modalidades contratuais, cada uma com suas particularidades. As principais são:

  1. Concessão Comum (ou simples): Conforme a lei 8.987/1995, é a delegação de serviços públicos em que a remuneração do concessionário é feita majoritariamente pela cobrança de tarifas dos usuários. É a forma mais tradicional, utilizada em setores como abastecimento de água, energia elétrica e pedágios. Por exemplo, a concessão do serviço de saneamento permite que uma empresa privada invista na infraestrutura necessária, expandindo a rede e aprimorando o tratamento, enquanto a tarifa cobrada garante o retorno do investimento. Isso torna o direito ao saneamento uma realidade para mais pessoas.
  2. PPPs - Parceria Público-Privada: Introduzida pela lei 11.079/2004, a PPP se divide em duas subespécies:

2.4 Concessões e a instrumentalização dos direitos fundamentais

A concessão de um serviço público não é apenas uma transferência de responsabilidade; é a instrumentalização de um direito. A esse respeito, a doutrina de Carlos Ari Sundfeld destaca que o contrato administrativo, incluindo a concessão, é um ato de gestão que deve sempre servir ao interesse público (SUNDFELD, 2002).

A lei de concessões e a lei de PPPs estabelecem diferentes modalidades contratuais, cada uma com suas particularidades, permitindo que o Estado escolha o modelo mais adequado para cada situação. Em vez de o Estado investir pesadamente em infraestrutura de saneamento (uma obra que pode levar décadas), a concessão permite que o setor privado, com maior agilidade e capacidade de investimento, realize a obra. O resultado é a antecipação da universalização do serviço, que, de outra forma, demoraria a ser alcançada. O direito fundamental à saúde, diretamente ligado ao saneamento, é assim instrumentalizado e efetivado de forma mais rápida.

2.5 Estudos de caso e evidências empíricas

A efetividade das concessões e PPPs na instrumentalização de direitos pode ser ilustrada por casos concretos no Brasil:

Esses exemplos práticos evidenciam como a delegação de serviços, quando bem-sucedida, acelera a entrega de benefícios essenciais à população.

2.6 Análise crítica: Riscos e desafios das concessões

Apesar de seu potencial, as concessões e PPPs não estão isentas de riscos. É fundamental uma análise crítica para garantir o equilíbrio e a proteção do interesse público.

  1. Risco de precarização do serviço: A busca pelo lucro pode levar o parceiro privado a reduzir a qualidade do serviço ou negligenciar investimentos em manutenção, comprometendo a efetividade do direito que se busca garantir.
  2. Acessibilidade e tarifa: A remuneração do concessionário, que muitas vezes ocorre via tarifa paga pelo usuário, pode tornar o serviço inacessível para as camadas mais vulneráveis da população, criando uma barreira econômica que viola o princípio de universalidade.
  3. Fiscalização deficiente: O Estado deve manter um papel regulador e fiscalizador forte. A ausência de mecanismos de controle rigorosos pode levar a desvios contratuais e prejuízos ao erário público e ao cidadão.

A superação desses desafios exige um planejamento robusto, contratos claros e uma atuação regulatória vigilante por parte do poder público.

3 Conclusão

As concessões e Parcerias Público-Privadas, longe de serem meros instrumentos de mercado, são ferramentas jurídicas e administrativas que o Estado pode e deve utilizar para cumprir sua função primordial de garantir os direitos fundamentais. O contrato de concessão, visto por essa perspectiva, é um instrumento de política pública, um meio pelo qual as promessas constitucionais são traduzidas em serviços concretos e acessíveis.

O sucesso de uma concessão não deve ser medido apenas pela sua rentabilidade, mas, sobretudo, pela sua capacidade de levar água tratada, transporte eficiente e acesso a hospitais de qualidade, transformando a promessa constitucional de dignidade em uma realidade cotidiana para os cidadãos. A efetivação dos direitos fundamentais, portanto, passa, em grande medida, pela capacidade do Estado de utilizar de forma estratégica e responsável a parceria com o setor privado.

________

Referências

BRASIL. Congresso Nacional. Lei n. 11.079, de 29 de dezembro de 2004. Diário Oficial da União.

BRASIL. Congresso Nacional. Lei n. 8.987, de 12 de fevereiro de 2005. Diário Oficial da União.

Brasil. Constituição. República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF. Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 16 set. 2025.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella . Direito Administrativo. 34 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.

SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2002.

João Marcos Ferreira de Souza
Palestrante e advogado com vasta experiência em cargos no setor público, é pós-graduando em Direito Regulatório, de Infraestrutura, Governança e Direito Eleitoral e pós-graduado em Direito Público.

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