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A nova dimensão do risco ocupacional: A inclusão dos fatores psicossociais na NR-1 e suas implicações jurídicas

A NR-1 torna obrigatória a gestão de riscos ocupacionais, incluindo fatores psicossociais, elevando-os a dever de cuidado legal e prevenindo passivos trabalhistas.

19/9/2025

A recente modernização das normas regulamentadoras, com especial destaque para a NR-1, tem sido objeto de intenso debate nos meios corporativos e jurídicos.

Muitos se concentram nas obrigações que, segundo se veicula, entrariam em vigor em um futuro próximo.

Contudo, é imperativo compreender que a principal alteração - a instituição do GRO - Gerenciamento de Riscos Ocupacionais e do PGR - Programa de Gerenciamento de Riscos - já se encontra em plena vigência, demandando uma imediata readequação das práticas de saúde e segurança do trabalho.

O cerne da questão não reside em uma suposta novidade sobre os riscos psicossociais, mas na sua formal e expressa integração à matriz de risco central da empresa. Se antes a preocupação era esparsa ou inferida de outras normas, agora ela se torna um pilar explícito do dever de cuidado do empregador.

O precedente normativo: A conexão com a NR-17

É um equívoco presumir que a preocupação com os aspectos psicossociais no ambiente de trabalho seja uma criação da nova NR-1. O mandamento normativo para tal zelo já se encontrava delineado, de forma inequívoca, na NR-17, que trata da ergonomia.

A referida norma, em seu item 17.1.1, estabelece o objetivo de "adaptar as condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores".

Essa redação transcende a mera análise de mobiliário ou esforço físico, abarcando a chamada ergonomia organizacional. Esta se refere a aspectos como:

Ou seja, a NR-17 sempre demandou uma avaliação que considerasse o impacto da organização do trabalho sobre a saúde mental e o bem-estar do colaborador.

A sobrecarga de metas, a falta de autonomia e a pressão excessiva são exemplos clássicos de inadequações ergonômicas de ordem organizacional, fontes diretas de estresse, ansiedade e burnout.

O que a nova NR-1 efetivamente fez foi retirar essa análise de um campo especializado (ergonomia) e elevá-la à categoria de risco a ser gerenciado de forma sistemática e contínua, ao lado dos riscos físicos, químicos e biológicos.

A consolidação na NR-1: Do precedente à obrigação explícita

A grande virada paradigmática da NR-1 foi a transição de um modelo reativo e fragmentado para uma gestão proativa e integrada, materializada pelo GRO e seu instrumento principal, o PGR.

Conforme o item 1.5.3.1.1, o processo de gerenciamento de riscos ocupacionais deve constituir um PGR, que, por sua vez, deve contemplar ou estar integrado com planos, programas e outros documentos previstos na legislação de segurança e saúde no trabalho.

O ponto fulcral é que o PGR impõe a obrigação de identificar, avaliar e controlar todos os perigos e riscos presentes no ambiente laboral. Ao incluir os fatores ergonômicos e, por conseguinte, os psicossociais, nesta avaliação global, a norma os oficializa como parte integrante do inventário de riscos.

Ignorá-los, a partir de então, não é mais uma falha de gestão, mas um descumprimento normativo direto.

E mais, uma das alterações mais significativas da NR-1, que reforça o caráter preventivo e participativo da gestão de riscos, é a determinação expressa de que a organização deve adotar mecanismos que garantam a efetiva participação dos trabalhadores no processo de gerenciamento de riscos ocupacionais.

Este ponto não é meramente formal, mas um reconhecimento da percepção do empregado como elemento fundamental na identificação e mitigação de perigos, especialmente os de natureza psicossocial, que são muitas vezes sutis e vivenciados individualmente.

A concretização dessas obrigações vai além da mera formalidade legal; ela representa um passo sem o qual a construção de uma cultura de segurança psicológica, onde o trabalhador se sente valorizado, ouvido e seguro para contribuir será inócua.

Do ponto de vista jurídico, a ausência de um gerenciamento adequado desses riscos no PGR fragiliza a defesa da empresa em ações trabalhistas que pleiteiem indenizações por danos morais decorrentes de burnout, estresse crônico ou assédio.

A demonstração do nexo causal entre a patologia e o trabalho torna-se mais fácil para o reclamante quando o empregador sequer reconheceu e tratou o risco em seu documento basilar de segurança.

Mas, de novo, isso não é uma novidade trazida pelas alterações da NR-1,  A CLT (Art. 157) e o CC (Art. 186 e 927) já estabeleciam a responsabilidade do empregador por danos causados a seus empregados, incluindo os de natureza moral, em decorrência de atos ilícitos ou negligência na promoção de um ambiente seguro.

Conclusão

Em suma, a alteração da NR-1 não inventou a roda no que tange aos riscos psicossociais, mas a posicionou no centro do motor do gerenciamento de saúde e segurança.

A norma consolidou e tornou explícita uma obrigação que já emanava de uma interpretação sistemática do ordenamento, especialmente da NR-17 e do próprio dever geral de cuidado (art. 157 da CLT).

As organizações devem, portanto, abandonar a visão compartimentada e adotar uma abordagem holística, na qual a gestão de pessoas e a segurança do trabalho dialoguem permanentemente.

Insta compreender, por fim,  que a NR-1, em sua abordagem dos riscos psicossociais, estabelece uma diretriz para a segurança psicológica do ambiente de trabalho, e não uma mera obrigação de ofertar tratamento clínico individual ao trabalhador.

Trata-se, portanto, de uma responsabilidade preventiva e organizacional, sendo certo que o foco da NR-1 está em criar um ambiente que minimize a necessidade de tal intervenção clínica ao prevenir o adoecimento em sua origem.

O gerenciamento dos riscos psicossociais não é mais uma opção ou um diferencial competitivo, mas um mandamento legal cuja inobservância expõe a empresa a passivos trabalhistas, sanções administrativas e, acima de tudo, a um ambiente de trabalho insalubre e insustentável.

Ana Paula Caodaglio
Founder na Caodaglio & Reis Advogados, Master of Laws (LL.M) em Direito Empresarial (CEU-LAW SCHOLLS), Pós Graduanda na FVG - ESG e Sustentabilidade Corporativa

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