1. Introdução
O SNDC - Sistema Nacional de Defesa do Consumidor surgiu com o advento do CDC (lei 8.078/1990), cuja origem normativa remonta à Constituição Federal de 1988, que, ao estabelecer em seu art. 5º, inciso XXXII, e no art. 170, inciso V, a defesa do consumidor como direito fundamental e princípio da ordem econômica, impôs ao Estado o dever de promover uma política pública sólida de proteção ao cidadão nas relações de consumo.
O CDC concretizou esse mandamento, criando não apenas um catálogo de direitos e deveres, mas também uma verdadeira engenharia institucional de tutela coletiva e preventiva.
A regulamentação do SNDC pelo decreto 2.181/1997 detalhou os mecanismos de coordenação, articulação e execução das ações governamentais no âmbito da defesa do consumidor, prevendo, inclusive, a integração de órgãos públicos federais, estaduais e municipais, além de entidades civis e representantes da sociedade.
Entre os integrantes desse sistema estão a Senacon - Secretaria Nacional do Consumidor, os Procons, Ministérios Públicos, Defensorias Públicas, Delegacias Especializadas, entidades civis e comissões da OAB. O objetivo declarado era unir forças para enfrentar práticas abusivas e desequilíbrios típicos das relações de consumo, sobretudo no cenário de massificação e hipervulnerabilidade do consumidor moderno.
No entanto, mais de trinta anos após sua concepção, o SNDC ainda não opera como um sistema integrado, coordenado e eficiente. O que se presencia na prática é uma realidade institucional fragmentada, marcada pela falta de protocolos de cooperação permanentes, pela ausência de inteligência estratégica compartilhada e por uma escassez de ações conjuntas em nível nacional. Cada órgão atua segundo suas possibilidades, estrutura e limitações legais, muitas vezes de maneira isolada e reativa, o que compromete a efetividade do modelo de proteção previsto em lei.
Essa desarticulação ganha contornos ainda mais graves diante da complexidade do mercado de consumo contemporâneo, marcado por conglomerados econômicos de atuação transnacional, plataformas digitais de abrangência nacional e práticas comerciais que desafiam as fronteiras geográficas tradicionais.
A ausência de uma força-tarefa nacional, multidisciplinar e permanente, capaz de monitorar, fiscalizar e coibir condutas abusivas em larga escala, como a publicidade enganosa de crédito para negativados ou a desinformação em marketplaces, é reflexo direto do descompasso entre o ideal normativo e a prática institucional brasileira.
Este artigo tem como objetivo examinar criticamente as estruturas normativas e práticas do SNDC, demonstrando como a falta de articulação e planejamento coletivo compromete sua missão constitucional.
A partir da análise de dispositivos legais, de exemplos práticos e de omissões reiteradas por parte do poder público, será demonstrado que o sistema, tal como operado, é mais uma ficção administrativa do que uma realidade operacional eficaz. Diante disso, propõe-se um novo modelo de governança integrada, com protagonismo da Senacon e envolvimento efetivo dos demais órgãos, visando assegurar a proteção real do consumidor brasileiro no século XXI.
2. A base jurídica e institucional do SNDC: Potencial normativo não realizado
A Constituição Federal de 1988 elevou a proteção do consumidor à condição de direito fundamental e princípio da ordem econômica. O art. 5º, inciso XXXII, dispõe que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, enquanto o art. 170, inciso V, insere a defesa do consumidor entre os pilares da atividade econômica. Trata-se, portanto, de um mandamento constitucional de dupla dimensão: subjetiva (direito fundamental individual) e objetiva (princípio regulador da atividade estatal e econômica).
Essa opção constitucional obrigou o legislador infraconstitucional a desenvolver um sistema de proteção multifacetado, com ações normativas, institucionais e estruturais que dessem concretude à norma constitucional.
O CDC, promulgado em 1990 como lei 8.078, é fruto direto dessa diretriz constitucional. No art. 105, o legislador instituiu o SNDC, atribuindo-lhe as funções de planejar, elaborar, coordenar e executar a política nacional de proteção ao consumidor. A previsão desse sistema buscava criar uma rede integrada, com competências compartilhadas e ações coordenadas entre os entes públicos e entidades civis envolvidas na tutela do consumidor.
A composição do SNDC é heterogênea, contemplando órgãos com perfis e competências diversas. Dentre os principais membros do sistema, destacam-se: a Senacon - Secretaria Nacional do Consumidor, órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública responsável pela coordenação da política nacional; os Procons estaduais e municipais, que realizam atendimento direto e aplicam sanções administrativas; o Ministério Público, titular da ação civil pública e fiscal da ordem jurídica; as Defensorias Públicas, que atuam na tutela individual e coletiva de consumidores vulneráveis; delegacias especializadas em crimes contra as relações de consumo; além de entidades civis e comissões da OAB voltadas ao tema.
O decreto 2.181/1997 regulamentou o SNDC, detalhando atribuições, competências e mecanismos de articulação entre seus integrantes. O decreto prevê, por exemplo, a possibilidade de instauração de processos administrativos para apuração de infrações e a cooperação entre os entes do sistema.
O problema, no entanto, reside na lacuna entre a previsão normativa e sua efetiva implementação. Apesar da base legal ser clara, coerente e abrangente, inexiste, na prática, uma estrutura orgânica e funcional que integre, de maneira real e estratégica, os diversos atores do sistema.
Essa dissociação entre norma e realidade revela o que se pode denominar de “falha de institucionalidade”. Embora o SNDC exista formalmente, carece de instrumentos permanentes de governança, inteligência coletiva e coordenação estratégica nacional. Não há, por exemplo, uma plataforma digital unificada de comunicação e fiscalização; tampouco se verificam ações conjuntas regulares entre os membros do sistema, salvo em ocasiões pontuais.
A ausência de protocolos operacionais integrados e de uma instância executiva suprainstitucional acaba transformando o sistema em um conjunto de ilhas autônomas, muitas vezes sobrecarregadas e desarticuladas.
Assim, o SNDC possui todos os elementos legais para funcionar como um verdadeiro sistema: base constitucional, legislação ordinária, regulamentação infralegal e uma rede de órgãos com competências definidas.
O que falta é a efetividade dessa arquitetura institucional. A promessa de proteção articulada e estratégica ainda não se concretizou, revelando uma oportunidade histórica perdida de dar concretude à proteção integral e coletiva do consumidor brasileiro. A crise do SNDC não é normativa; é estrutural, operacional e política.
3. A fragmentação fática: A desarticulação do sistema na prática
Apesar do desenho normativo abrangente e da diversidade de órgãos que compõem o SNDC, o que se observa na prática é um conjunto institucional desarticulado, cujas ações ocorrem de maneira dispersa, descontínua e sem integração funcional.
O sistema que deveria operar como uma rede articulada de proteção age, na realidade, como um arquipélago institucional, em que cada ente atua dentro dos limites de sua competência territorial, estrutural e orçamentária, muitas vezes sem comunicação efetiva com os demais atores. Isso compromete profundamente a capacidade do Estado brasileiro de oferecer respostas rápidas e coordenadas aos abusos sistêmicos que afetam milhões de consumidores.
Os Procons, principais órgãos administrativos de atendimento e fiscalização no plano estadual e municipal, são um exemplo claro dessa desigualdade. Enquanto algumas capitais possuem estruturas robustas, com núcleos técnicos especializados, laboratórios de análise de produtos e autonomia administrativa, a maioria dos municípios sequer possui Procon, ou quando tem, funcionam com número reduzido de servidores, sem poder de fiscalização efetivo.
Essa heterogeneidade gera um descompasso regional inaceitável, criando verdadeiros “vazios de proteção” em áreas carentes e interiorizadas do país. Além disso, não há protocolo nacional que unifique práticas, relatórios e bases de dados entre os Procons.
O Ministério Público, por sua vez, embora detentor de legitimidade para a tutela coletiva, atua com base em sua independência funcional e segundo as diretrizes de cada unidade estadual. A atuação em defesa do consumidor varia amplamente de acordo com o perfil da promotoria local, os recursos disponíveis e as prioridades institucionais. Não raro, ações civis públicas e investigações são instauradas de forma isolada, sem articulação com outros MPs ou com os demais órgãos do SNDC, o que resulta em sobreposição de esforços ou, pior, omissão diante de práticas que exigiriam resposta conjunta e nacional. Falta um repositório compartilhado de boas práticas, jurisprudência e diagnósticos de mercado que potencialize a atuação do Ministério Público em rede.
As Defensorias Públicas enfrentam desafio semelhante. Embora a EC 80/14 tenha determinado sua presença em todas as unidades jurisdicionais do país, a maioria ainda carece de quadros técnicos, estrutura de apoio e especialização na seara consumerista. Muitas Defensorias atuam exclusivamente na esfera individual, sem capacidade técnica ou estrutura para ações coletivas ou interlocução ativa com Procons e Ministério Público. A ausência de núcleos de superendividamento na maior parte das Defensorias demonstra essa fragilidade, justamente em um momento histórico em que o país enfrenta um volume crescente de consumidores em situação de vulnerabilidade econômica e social.
Além disso, as Delegacias de Polícia especializadas no atendimento ao consumidor, previstas como parte integrante do SNDC, são praticamente inexistentes na maioria dos estados. Quando existem, sofrem com escassez de recursos humanos, materiais e tecnológicos, o que inviabiliza a investigação eficaz de práticas comerciais criminosas, como fraudes financeiras, publicidade enganosa em massa ou golpes praticados por empresas-fantasma que atuam pela internet. A inexistência de uma malha policial nacional voltada ao consumidor fragiliza não apenas a repressão penal, mas também o próprio poder dissuasório do Estado perante o mercado.
Essa desarticulação estrutural torna o sistema ineficaz para enfrentar práticas que operam em escala nacional ou transnacional. Sem uma inteligência institucional integrada, as empresas que atuam no comércio eletrônico, nos serviços bancários e nas plataformas digitais exploram esse vácuo regulatório e de fiscalização para promover condutas abusivas com baixíssimo risco de sanção.
A ausência de coordenação nacional impede a construção de precedentes robustos, o ajuizamento de ações coletivas coordenadas, a edição de normas técnicas unificadas e a utilização eficaz de instrumentos modernos como a tutela coletiva de alcance nacional e a litigância estratégica.
4. A propaganda enganosa do crédito fácil: Caso paradigmático de ineficiência do SNDC
Um dos exemplos mais ilustrativos da fragilidade do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor está na completa banalização da oferta de crédito ao arrepio da lei, especialmente no mercado direcionado a consumidores negativados.
Diariamente, propagandas de empresas financeiras - autorizadas pelo Banco Central - anunciam, em rede nacional de televisão, outdoors, aplicativos e plataformas digitais, a concessão de “crédito sem consulta ao SPC/Serasa”, ou ainda, “empréstimo mesmo com nome sujo”. Essa prática, embora amplamente disseminada, é manifestamente ilegal e contraria frontalmente os princípios do CDC e a lei 14.181/21, conhecida como lei do superendividamento.
O art. 54-C, II, do CDC, com redação conferida pela lei 14.181/21, veda expressamente a oferta ou celebração de contrato de crédito sem a prévia avaliação da situação financeira do consumidor, especialmente quanto ao risco de superendividamento.
A norma visa impedir práticas predatórias que colocam o consumidor em ciclo permanente de endividamento e vulnerabilidade. Ao permitir a oferta de crédito sem consulta aos cadastros de inadimplentes, as instituições financeiras burlam essa exigência legal e colocam em risco a própria função social do crédito, transformando-o em instrumento de exclusão social e miséria financeira.
O que agrava o cenário é a completa ausência de resposta coordenada dos órgãos que integram o SNDC. Embora a ilegalidade dessas ofertas seja evidente, inexiste uma força-tarefa nacional voltada à fiscalização dessas práticas. Não há, por exemplo, um núcleo permanente de monitoramento de publicidade comercial nos principais meios de comunicação, tampouco se verifica atuação preventiva e repressiva da Senacon ou dos Procons em face das empresas que reiteradamente desrespeitam a lei.
Em muitas situações, quando há autuação, ela é isolada, localizada e com sanção irrisória, sem efeito pedagógico ou repercussão nacional.
Além da inércia administrativa, há omissão no âmbito do Ministério Público e das Defensorias, que poderiam judicializar de forma articulada essas condutas, por meio de ações civis públicas e ações coletivas, inclusive com pedidos de retirada de campanhas publicitárias, imposição de multas coercitivas e responsabilização civil por danos sociais.
A ausência de uma estrutura de inteligência que integre esses órgãos, com base em relatórios técnicos, pareceres de impacto e dados empíricos sobre a exposição dos consumidores à propaganda enganosa, inviabiliza a adoção de estratégias coletivas e eficazes. Não há priorização, tampouco plano nacional de enfrentamento da publicidade predatória de crédito.
Esse quadro de impunidade e permissividade revela uma triste realidade: o mercado de crédito age como se estivesse acima da lei. E age assim porque sabe que o sistema que deveria contê-lo é desarticulado, sem estratégia e sem força.
O caso do “crédito para negativado” é apenas o sintoma mais visível de um sistema de consumo doente, onde a proteção legal existe, mas a proteção prática inexiste. E enquanto os órgãos públicos não forem capazes de operar de forma sistêmica e inteligente, o consumidor continuará sendo a parte mais fraca não só da relação de consumo, mas também da estrutura institucional que deveria protegê-lo.
5. O papel que a Senacon deveria exercer: Estratégia e coordenação
A Senacon, órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública, foi criada pelo decreto 7.738, de 28/5/12 e consolidada como órgão central do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.
Sua atribuição é clara: formular, planejar, coordenar e executar a Política Nacional de Relações de Consumo. Em termos normativos, a Senacon exerce papel de liderança estratégica no SNDC, devendo atuar como articuladora de ações, coordenadora de programas integrados e catalisadora de soluções coletivas. Contudo, essa posição de protagonismo raramente se concretiza de forma plena na prática institucional brasileira.
A estrutura atual da Senacon é insuficiente para o tamanho da missão que lhe foi atribuída. O número reduzido de servidores, o orçamento limitado e a ausência de autonomia funcional comprometem sua capacidade de atuação proativa.
Em vez de liderar um sistema nacionalmente articulado, a Senacon encontra-se acuada entre demandas pontuais, pressões políticas e limitações operacionais. A ausência de uma divisão interna voltada exclusivamente para inteligência institucional - com monitoramento de práticas abusivas, mapeamento de padrões de consumo e formulação de diretrizes técnicas - revela um vácuo estratégico que impede a antecipação de riscos e a coordenação de respostas em tempo real.
É urgente repensar o papel da Senacon dentro do SNDC, não apenas por meio de reformas legislativas que lhe deem mais poder de articulação, mas principalmente por meio da reestruturação institucional e funcional de seu corpo técnico. A criação de um núcleo permanente de coordenação interinstitucional, com representação de todos os entes do sistema, permitiria estabelecer protocolos conjuntos, padronizar atuações, emitir diretrizes nacionais vinculantes e gerar respostas coordenadas em situações críticas. A atuação em rede não pode depender apenas da boa vontade das instituições locais - precisa ser institucionalizada e sistematizada.
Por fim, é imprescindível reconhecer que a Senacon não pode ser um órgão meramente burocrático, voltado à publicação de relatórios anuais e respostas administrativas protocolares. Ela deve se transformar em um verdadeiro centro nacional de inteligência de consumo, capaz de prevenir, identificar e reprimir abusos massificados. Para isso, deve contar com instrumentos de fiscalização digital, parcerias com agências reguladoras e acesso direto a dados estratégicos sobre o mercado. Sua missão não é apenas proteger o consumidor, mas garantir a integridade do próprio mercado de consumo brasileiro. E isso só será possível com protagonismo, estrutura e autoridade.
6. A proposta: Criação de um CNIFDC - Centro Nacional Integrado de Fiscalização de Direitos do Consumidor
Diante da constatação de que o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor opera de forma fragmentada, sem estratégias integradas e sem inteligência institucional, impõe-se a necessidade de uma proposta estrutural: a criação de um CNIFDC.
Trata-se de uma proposta concreta, que visa dotar o SNDC de uma instância permanente e tecnicamente qualificada para articular, planejar e executar ações coletivas, de abrangência nacional, envolvendo os principais órgãos que compõem o sistema.
Esse centro teria natureza técnica e interinstitucional, funcionando sob a coordenação da Senacon, mas com participação formal e deliberativa de representantes do Ministério Público, Defensorias Públicas, Procons, Delegacias Especializadas e, eventualmente, das agências reguladoras, dependendo das temáticas.
O objetivo seria superar a atuação isolada desses entes e instituir um verdadeiro ambiente de governança cooperativa. O CNIFDC poderia operar por eixos temáticos (como crédito, saúde, telecomunicações, comércio eletrônico), com grupos de trabalho permanentes e apoio de equipes de monitoramento digital, análise jurídica e peritos em relações de consumo.
Entre as atribuições do centro estariam:
- Monitorar continuamente o mercado de consumo e identificar práticas abusivas ou ilícitas em escala nacional;
- Reunir provas técnicas e dados empíricos para subsidiar medidas administrativas, civis e penais;
- Articular ações conjuntas entre Procons, Ministérios Públicos e Defensorias Públicas, inclusive com protocolos de atuação unificada e ajuizamento simultâneo de ações civis públicas;
- Aplicar sanções administrativas por meio da Senacon, com alcance nacional, com base em relatórios conjuntos;
- Produzir relatórios públicos periódicos com rankings de irregularidades e empresas reincidentes, reforçando o poder dissuasório da fiscalização.
A implantação do CNIFDC exigiria apenas reorganização institucional e cooperação federativa, sem necessidade de grandes reformas legislativas. O modelo já possui precedentes em outros setores do Estado brasileiro, como os comitês interinstitucionais de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, que funcionam de maneira articulada, com base em cooperação técnica e intercâmbio de informações. A lógica é simples: onde há conduta sistêmica lesiva a direitos fundamentais, é preciso atuação sistêmica do Estado.
A criação de um centro como o CNIFDC sinalizaria um novo patamar de maturidade institucional na defesa do consumidor no Brasil. Ele permitiria responder com agilidade e inteligência a condutas reiteradas que hoje passam impunes, como a violação generalizada de normas sobre crédito, o descumprimento de ofertas em marketplaces e as práticas discriminatórias no fornecimento de bens e serviços.
A estruturação do SNDC precisa deixar de ser simbólica para se tornar funcional, e isso exige um mecanismo permanente, estratégico e articulador. O CNIFDC seria a engrenagem que falta para que o sistema, de fato, funcione como sistema.
7. Conclusão: Um sistema sem estratégia não protege ninguém
O Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, idealizado como rede coordenada e integrada de proteção, permanece, após mais de três décadas de existência, como uma promessa não cumprida.
Sua arquitetura normativa é sólida, com respaldo constitucional e regulamentação clara, mas sua execução prática é marcada por desarticulação, falta de planejamento estratégico e ausência de coordenação entre os entes que o integram.
Em vez de operar como um sistema, o SNDC funciona como um conjunto desconexo de instituições que, embora bem-intencionadas, agem de forma isolada, limitadas por questões territoriais, estruturais e políticas.
O cenário de impunidade frente a práticas abusivas massificadas - especialmente no setor financeiro e no comércio eletrônico - é reflexo direto dessa disfunção sistêmica. O consumidor, que deveria estar no centro da proteção do Estado, vê-se cada vez mais exposto a ofertas enganosas, contratos lesivos, publicidade ilegal e falta de resposta institucional.
A ineficácia do SNDC não é apenas uma questão administrativa; é uma violação cotidiana do direito fundamental à proteção nas relações de consumo, comprometendo a dignidade da pessoa humana e o equilíbrio das relações econômicas.
A Senacon, enquanto órgão central do sistema, carece de estrutura, protagonismo e instrumentos jurídicos para exercer plenamente sua função coordenadora. Sua atuação precisa ser fortalecida com recursos, pessoal qualificado, acesso a dados estratégicos e poder de articulação vinculativa. Mas, mais do que isso, é necessário criar um mecanismo técnico e institucional que permita a ação coordenada dos entes federativos e dos órgãos do sistema: o CNIFDC se apresenta como essa resposta institucional necessária, viável e urgente.
Não basta ampliar a legislação consumerista ou aprovar novas leis protetivas. O ordenamento jurídico brasileiro já oferece ferramentas suficientes para a defesa do consumidor. O que falta é governança, integração e inteligência coletiva.
Um sistema que não se articula, que não compartilha dados, que não planeja ações integradas, será sempre reativo, frágil e ineficaz diante de práticas econômicas sofisticadas e abusivas. A ausência de coordenação transforma a promessa constitucional de proteção ao consumidor em mera formalidade legislativa.
A reconstrução do SNDC exige coragem institucional e vontade política. Não se trata de reinventar o sistema, mas de operacionalizá-lo com profissionalismo, articulação e foco em resultados concretos. A criação de uma instância permanente de coordenação nacional não é apenas recomendável - é imprescindível.
Caso contrário, seguiremos assistindo a um modelo que, embora bonito no papel, falha todos os dias na missão de proteger quem mais precisa: o consumidor vulnerável diante de um mercado cada vez mais agressivo, digitalizado e assimétrico.