Em 2024, a Deloitte publicou os resultados da pesquisa State of AI in the Enterprise, que revelou um dado inquietante: 72% das empresas no mundo já adotaram inteligência artificial em seus processos. Esse percentual representa mais que uma tendência, é um marco de transformação estrutural na forma de gerir negócios, tomar decisões e atender clientes.
No entanto, enquanto setores como finanças, marketing e recursos humanos lideram essa corrida tecnológica, o setor jurídico segue lento, preso a práticas e modelos de trabalho do século passado. Essa discrepância expõe um risco grave: o Direito pode se tornar obsoleto se não acelerar sua transformação digital.
O risco da obsolescência jurídica
Não é exagero afirmar que estamos diante de uma encruzilhada histórica.
O Direito sempre foi percebido como área de estabilidade e continuidade, mas essa tradição, que em outros momentos representou força, agora pode ser justamente a fraqueza que condenará muitos escritórios de advocacia à irrelevância.
A lógica é simples: se a maior parte da economia global já opera com inteligência artificial como força de produtividade e inovação, os advogados que não se atualizarem perderão espaço, clientes e competitividade.
A advocacia do futuro será digital ou será marginal.
A curva de adoção tecnológica nos mostra que a inércia nunca foi premiada. Da Revolução Industrial à era da informação, passando pela digitalização dos anos 1990, quem resistiu em excesso às mudanças acabou superado. Agora, os números não deixam margem para dúvida: de acordo com a Gartner, a inteligência artificial pode reduzir em até 40% os custos operacionais em setores administrativos.
Se isso já se verifica em áreas como finanças e RH, que lidam com documentos, dados e processos burocráticos, é evidente que também se aplica ao Direito, cujo dia a dia é marcado por atividades repetitivas e previsíveis.
O impacto concreto da IA na advocacia
Vale destacar que não se trata mais de discutir se gostamos ou não da inteligência artificial, o debate não é ideológico. Trata-se de uma questão de sobrevivência empresarial e institucional.
Escritórios e departamentos jurídicos que resistirem a essa realidade correm o risco de se tornar peças de museu, enquanto aqueles que abraçarem a transformação digital conquistarão protagonismo, relevância e competitividade em um mercado que não perdoa lentidão.
Mas afinal, como a Inteligência Artificial já está impactando o setor jurídico? Os exemplos são inúmeros e concretos. Hoje, a IA é utilizada para automatizar tarefas repetitivas, como leitura de contratos, classificação de documentos e preenchimento de petições padronizadas. Além disso, também é aplicada em análises preditivas, oferecendo suporte às decisões ao estimar tempo médio de julgamento, identificar chances de êxito em determinadas teses ou sugerir estratégias processuais.
No atendimento ao cliente, chatbots jurídicos já conseguem filtrar demandas, fornecer informações iniciais e aumentar exponencialmente a capacidade de atendimento, sem a necessidade de ampliar os custos fixos. Existem também plataformas que permitem gestão e métricas em tempo real, monitorando prazos, produtividade, desempenho da equipe e cumprimento de indicadores como SLA jurídico e OKRs.
Por que o Direito resiste tanto?
Se a inteligência artificial já demonstra utilidades tão evidentes, por que o Direito insiste em ficar para trás? Algumas razões ajudam a explicar essa lentidão.
A primeira delas é a cultura tradicionalista: o setor jurídico valoriza estabilidade e previsibilidade, o que gera resistência natural à mudança.
A segunda é a formação profissional que não inclui conteúdos de gestão ou tecnologia, deixando advogados despreparados para compreender o impacto da inteligência artificial. Soma-se a isso a regulação restritiva, especialmente as normas éticas da OAB sobre publicidade e inovação, que criam barreiras adicionais.
Por fim, existe um modelo mental ainda muito presente na advocacia: que a prática é essencialmente intuitiva, artesanal, centrada no talento individual. Essa visão desconsidera que boa parte da rotina jurídica é administrativa e repetitiva, exatamente o tipo de atividade que pode ser automatizada com eficiência.
Ameaça ou oportunidade
Entretanto, nenhuma dessas justificativas resiste ao exame da realidade,o mundo não vai parar para esperar o setor jurídico.
A tecnologia avança independentemente da disposição da advocacia em acompanhá-la. Isso significa que o momento de decidir é agora: encarar a inteligência artificial como ameaça ou como oportunidade.
É importante enfatizar que a IA não vai substituir advogados em sua essência.
O que ela fará é eliminar os modelos ultrapassados de advocacia, baseados em tarefas manuais, pouco transparentes e de custo elevado. Esses serão naturalmente substituídos por soluções mais ágeis, acessíveis e confiáveis.
Por outro lado, advogados e escritórios que abraçarem a transformação digital conseguirão escalar sua atuação, oferecer previsibilidade a clientes e agregar valor estratégico em níveis que seriam impensáveis sem tecnologia.
O redesenho do modelo de negócios jurídico
Diante desse cenário, a inteligência artificial deve ser compreendida como uma alavanca de diferenciação competitiva. Ao liberar o advogado de rotinas repetitivas e administrativas, ela abre espaço para o que realmente faz diferença: o raciocínio crítico, a interpretação, a construção de teses inovadoras e o aconselhamento jurídico estratégico.
O impacto não se restringe às ferramentas, ele exige um redesenho do modelo de negócios jurídico.
Escritórios que incorporam inteligência artificial passam a medir desempenho com base em dados, e não em percepções subjetivas. São capazes de escalar atendimento sem aumentar proporcionalmente seus custos fixos, entregam previsibilidade aos clientes e trabalham com indicadores claros de governança, como SLA e OKR
Essa mudança estrutural também abre espaço para novos modelos de precificação, contratos de consultoria preventiva e serviços contínuos, reduzindo a dependência de litígios e aumentando o valor agregado da advocacia.
Tradição e inovação não são opostos
Se olharmos para os clássicos da administração, veremos que não há novidade na necessidade de adaptação. Peter Drucker já alertava que a maior ameaça em tempos de mudança não é a mudança em si, mas insistir em agir com a lógica do passado.
Por outro lado, Jim Collins, em suas análises sobre empresas duradouras, apontava que a disciplina organizacional é o diferencial entre as medianas e as vencedoras.
Aplicando essas ideias ao Direito, a conclusão é clara: não basta ter conhecimento técnico, é preciso adotar uma mentalidade exponencial, orientada por dados e apoiada na Inteligência Artificial.
Para os que desejam iniciar essa jornada, alguns caminhos práticos são evidentes.
O primeiro é mapear processos internos, identificando tarefas repetitivas que consomem energia desnecessária. Em seguida, adotar métricas de gestão, como produtividade, prazos médios e satisfação do cliente, para ganhar clareza sobre o desempenho.
A partir daí, é possível implementar ferramentas de automação gradualmente, começando por rotinas administrativas e evoluindo para análises preditivas. Capacitação também é essencial: advogados precisam compreender conceitos básicos de tecnologia e gestão de dados para interagir de forma produtiva com as ferramentas. Por fim, toda transformação deve estar alinhada ao cliente, pois é o valor percebido por ele que justifica o investimento.
O tempo da espera acabou
Diante desse cenário, a conclusão é inevitável: com 72% das empresas no mundo já utilizando inteligência artificial, não há mais espaço para a advocacia adiar sua transformação digital. A ameaça não está distante, ela é imediata.
Os escritórios e departamentos que resistirem se tornarão obsoletos, enquanto aqueles que se adaptarem colherão frutos de eficiência, escalabilidade e inovação.
O futuro da advocacia não será definido apenas pela técnica jurídica, mas pela capacidade de integrar inteligência artificial de maneira ética, estratégica e produtiva. Nesse processo, plataformas demonstram que tradição e inovação não são antagônicas, mas complementares.
O recado é simples: o mundo já adotou a inteligência artificial. O Direito pode até continuar esperando, mas o tempo da espera está acabando.