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Criptomoedas e lavagem de dinheiro: Riscos para o cidadão comum

As criptomoedas revolucionam o mercado, mas também abrem espaço para golpes e crimes. Descubra os riscos ocultos e como se proteger.

23/9/2025

Nos últimos anos, as criptomoedas deixaram de ser um tema restrito a especialistas em tecnologia para ocupar espaço no cotidiano das pessoas. O bitcoin, em especial, se tornou sinônimo de investimento, reserva de valor e até meio de pagamento em algumas situações. Essa popularização, no entanto, vem acompanhada de riscos relevantes, não apenas do ponto de vista financeiro, mas também jurídico-criminal.

O funcionamento das criptomoedas se dá pela tecnologia do blockchain, uma espécie de livro-razão público e imutável que registra todas as transações realizadas. Esse mecanismo elimina a necessidade de intermediários, como bancos e instituições financeiras, e garante um eficiente grau de segurança tecnológica. Mas, ao mesmo tempo, cria desafios para a fiscalização estatal e para a proteção de usuários.

Três características explicam por que o bitcoin pode ser utilizado em práticas de lavagem de dinheiro: a descentralização, a pseudoanonimidade e a globalidade. A descentralização significa que não há uma autoridade central controlando ou monitorando transações, o que dificulta a identificação de operações suspeitas. Já a pseudoanonimidade se refere ao fato de que, embora todas as transações fiquem registradas publicamente no blockchain, elas aparecem vinculadas apenas a códigos e não ao nome real dos usuários. Isso confere um grau de privacidade que pode ser explorado por criminosos. Por fim, a globalidade permite que valores circulem instantaneamente entre diferentes países, muitas vezes sem barreiras regulatórias.

É nesse contexto que se estruturam as três fases clássicas da lavagem de dinheiro com criptomoedas. Primeiro, a colocação, em que recursos ilícitos são introduzidos no sistema, seja pela compra de bitcoins em espécie, seja pelo recebimento direto em atividades criminosas. Depois, a dissimulação, que envolve a pulverização dos valores em inúmeras carteiras, a utilização de endereços de terceiros e, sobretudo, os chamados mixing services. Esses serviços funcionam como “embaralhadores” de moedas, dificultando o rastreio da origem dos ativos. Por fim, a integração, momento em que o valor retorna ao mercado formal, seja pela aquisição de bens, seja pela troca em moedas nacionais, muitas vezes em países com fiscalização mais branda.

Para o cidadão comum, esses conceitos podem parecer complexo, mas têm impacto direto para quem adquire bitcoins. Um exemplo concreto: imagine alguém que, de boa-fé, adquire bitcoins em uma plataforma pouco confiável. Se parte desses ativos tiver origem criminosa, ele pode ser surpreendido com bloqueios judiciais ou até investigações. Isso ocorre porque, ao contrário do dinheiro em espécie, o Bitcoin carrega consigo todo o histórico de transações. Esse rastro digital, público e imutável, permite que autoridades identifiquem a “contaminação parcial” de um ativo, vinculando apenas a fração ilícita a um crime antecedente.

No Brasil, o tema já é objeto de atenção regulatória. A Receita Federal, por meio da IN 1.888/19, passou a exigir a comunicação de determinadas operações com criptoativos. Mais recentemente, a lei 14.478/22 estabeleceu regras para as empresas que prestam serviços relacionados a ativos virtuais, impondo exigências de transparência, segurança e prevenção à lavagem de dinheiro. Embora importantes, essas normas ainda deixam lacunas, sobretudo quando se trata de transações diretas entre usuários, que escapam do controle das exchanges reguladas.

Outro ponto que merece destaque é o risco associado aos próprios serviços de mixagem. Muitos prometem anonimato absoluto, mas, além de favorecerem atividades ilícitas, frequentemente resultam em golpes contra os próprios usuários, com furtos, desvios ou encerramento repentino das plataformas. Ou seja, o cidadão que busca maior privacidade pode acabar não só perdendo todo o valor investido, como também respondendo a investigações criminais.

Não por acaso, organismos internacionais têm recomendado medidas mais rigorosas de identificação dos usuários, como o chamado KYC - Know Your Customer, a serem implementadas pelas exchanges. A lógica é simples: quanto maior a transparência nas intermediações entre o mundo virtual e o sistema financeiro tradicional, menores os espaços para a criminalidade.

Diante desse cenário, algumas medidas práticas podem evitar dores de cabeça. É fundamental desconfiar de promessas de lucros fáceis e de retornos garantidos, verificar a reputação e a regularidade da plataforma utilizada, evitar serviços de mixagem e sempre guardar comprovantes das operações. Além disso, o investidor precisa estar atento às obrigações fiscais, declarando corretamente seus criptoativos quando exigido.

As criptomoedas representam uma inovação que veio para ficar, mas sua utilização segura depende de informação e cautela. Para quem deseja investir ou utilizar ativos digitais de forma legítima, é imprescindível compreender os riscos jurídicos envolvidos e adotar condutas transparentes.

Mais do que nunca, o conselho é claro: busque informação, cumpra a lei e, em caso de dúvida, procure orientação especializada. Assim, é possível aproveitar as oportunidades trazidas pelas criptomoedas sem se expor a armadilhas financeiras ou a problemas criminais.

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ESTELLITA, Heloisa. Criptomoedas e lavagem de dinheiro. Resenha da obra: GRZYWOTZ, Johanna. Virtuelle Kryptowährungen und Geldwäsche. Berlin: Duncker & Humblot, 2019. Revista Direito GV, São Paulo, v. 16, n. 1, jan./abr. 2020, e1955. DOI: https://doi.org/10.1590/2317-6172201955.

SCHWARTZ, Brenda Rodrigues; BARCELOS, Lucas Carvalho; LEMOS, Jor-dan Tomazelli. A dinâmica das criptomoedas: ausência de fiscalização e o pseudoanonimato no crime de lavagem de dinheiro envolvendo os bitcoins. Revista Jurídica Direito & Realidade, v. 12, p. 62-84, 2024.

Diego Rondon Gracioso
Advogado Criminalista, especialista em Direito Penal e Processo Penal, Pós-Graduado em Direito Penal Econômico - IBCCRIM. Sócio-fundador do escritório Diego Rondon Advocacia.

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