Introdução
Nos últimos anos, o mercado imobiliário brasileiro tem testemunhado um crescimento expressivo das modalidades de multipropriedade e time share. Esses regimes oferecem uma forma inovadora de fruição de imóveis, permitindo que diversas pessoas compartilhem a titularidade de um bem, usufruindo-o em períodos específicos, o que reduz os custos de manutenção e aquisição. A multipropriedade, regulamentada pela lei 13.777/18, foi um marco jurídico que trouxe clareza a este modelo, enquanto o time share é regido pela lei 11.771/08 (lei do turismo), que foca principalmente no setor de hospedagem.
Com o aumento da popularidade dessas modalidades, crescem também as complexidades administrativas e a necessidade de governança eficiente. Neste cenário, as associações de multiproprietários surgem como uma força coletiva essencial para garantir que os interesses dos adquirentes sejam adequadamente representados perante as administradoras de condomínios e hotéis. Embora a legislação não preveja expressamente a criação dessas associações, sua existência, baseada na reunião de associados com objetivos em comum, é crucial para a boa gestão e fiscalização dos empreendimentos de multipropriedade.
Neste artigo, exploraremos a atuação dessas associações, analisando sua relevância na defesa dos interesses coletivos, as bases legais da multipropriedade e do time share, os desafios na administração de empreendimentos complexos e as boas práticas para uma gestão eficiente.
Bases legais da multipropriedade e time share
A multipropriedade é regulamentada pela lei 13.777/18, que permite que um imóvel seja dividido entre múltiplos proprietários, com cada um tendo o direito de usar o bem durante períodos específicos ao longo do ano, de acordo com sua fração ideal. A legislação estipula que cada multiproprietário usufrua do imóvel em um intervalo de tempo pré-determinado, proporcional à fração de propriedade, e estabelece que o imóvel permanece indivisível, mesmo que tenha vários proprietários. Dessa forma, a propriedade não pode ser fragmentada fisicamente, e o regime de multipropriedade se mantém íntegro. Além disso, a lei prevê que a convenção de condomínio ou o instrumento de incorporação deve disciplinar as regras de uso, a organização dos períodos de utilização, a administração e a responsabilidade pelas despesas comuns, garantindo uma estrutura clara para a gestão do empreendimento.
Por outro lado, o time share, que está regulamentado pela lei 11.771/08 (lei do turismo), oferece aos consumidores o direito de uso temporário de uma unidade de hospedagem ou imóvel turístico, sem que eles se tornem proprietários de frações do bem. Essa modalidade confere ao usuário um direito de uso por um período específico a cada ano, podendo esse período ser fixo ou flexível, conforme estabelecido no contrato. A lei também exige que os empreendimentos de time share sejam registrados no Ministério do Turismo, garantindo um controle mais rigoroso sobre as atividades dessas empresas e maior proteção ao consumidor.
Esses dois regimes compartilham o conceito de uso compartilhado de um imóvel, mas com diferenças estruturais importantes. Enquanto a multipropriedade oferece propriedade real sobre o bem, o time share apenas confere o direito de uso temporário.
O papel jurídico e prático das associações de multiproprietários
As associações de multiproprietários, apesar de não estarem expressamente previstas na lei 13.777/18, têm um papel fundamental na prática, servindo como uma forma organizada de representação dos interesses dos multiproprietários. Elas surgem como entidades que permitem a união de proprietários com o objetivo de representar seus interesses de forma mais forte e eficaz perante as administradoras dos empreendimentos.
Uma das principais funções das associações de multiproprietários é a representação coletiva. Ao invés de cada multiproprietário ter que agir individualmente para defender seus direitos ou questionar a administração, a associação pode atuar em nome de todos, consolidando uma voz unificada e muito mais poderosa. Outro benefício importante é a capacidade de contratar serviços especializados, como assessoria jurídica ou auditorias contábeis, que seriam extremamente onerosos para um único multiproprietário. Ao dividir esses custos entre todos os associados, serviços que poderiam custar dezenas de milhares de reais tornam-se acessíveis, aumentando a capacidade de fiscalização e controle sobre a gestão do empreendimento.
As associações também têm a função de fiscalizar a atuação das administradoras, garantindo que elas cumpram suas obrigações de maneira transparente e em conformidade com as normas estabelecidas na convenção do condomínio. Além disso, atuam como mediadoras em situações de conflito entre multiproprietários e administradoras, buscando soluções pacíficas e evitando que pequenos problemas se transformem em longos e custosos litígios judiciais.
A complexidade da administração em empreendimentos de multipropriedade
Empreendimentos de multipropriedade, especialmente aqueles localizados em regiões turísticas e com infraestrutura hoteleira, envolvem uma estrutura administrativa complexa. Geralmente, coexistem três diferentes administrações que desempenham papéis específicos e complementares: a administração hoteleira, a administração condominial e a administração do pool de locações.
A administração hoteleira é responsável por todos os serviços de hospitalidade e infraestrutura relacionados ao uso do empreendimento, como recepção, limpeza, serviços de concierge e alimentação. Ela também cuida da manutenção das áreas comuns e das facilidades como piscinas, academias e áreas de lazer, garantindo que todos os espaços estejam adequados para o uso tanto dos multiproprietários quanto de turistas. Além disso, muitas vezes a administração hoteleira organiza eventos e atividades dentro do empreendimento, promovendo uma experiência completa de hospedagem.
A administração condominial, por sua vez, cuida da gestão do condomínio em si, incluindo a organização financeira, a cobrança de taxas condominiais, o pagamento de despesas e a manutenção estrutural do empreendimento, como redes elétricas e hidráulicas. Ela também é responsável por garantir que as regras estabelecidas na convenção do condomínio sejam cumpridas por todos os multiproprietários.
Por fim, a administração do pool de locações gerencia a oferta de unidades para locação por terceiros nos períodos em que os multiproprietários não utilizam suas frações. Essa administração cuida de todo o processo de locação, desde a gestão de reservas até a distribuição das receitas geradas pelas locações entre os multiproprietários que participam do pool.
A coexistência dessas três administrações pode gerar conflitos se não houver uma governança clara e bem estruturada. A falta de transparência nas contas, conflitos de interesse entre as diferentes administrações e problemas de manutenção podem comprometer a qualidade do empreendimento e gerar insatisfação entre os multiproprietários. Por isso, é fundamental que haja uma separação clara de responsabilidades e que cada administração atue de forma coordenada para garantir a boa gestão do empreendimento.
Boas práticas de governança para empreendimentos de multipropriedade
Para evitar conflitos e promover uma gestão eficiente, algumas boas práticas de governança são essenciais em empreendimentos de multipropriedade. A transparência financeira é um dos pilares fundamentais para garantir a confiança dos multiproprietários na administração. Relatórios contábeis detalhados e auditorias regulares são ferramentas indispensáveis para assegurar que os recursos estão sendo aplicados de forma correta e que não há desvios ou irregularidades. Além disso, a prestação de contas precisa ser clara e acessível, permitindo que os multiproprietários acompanhem o uso dos recursos do condomínio.
Outra boa prática essencial é a separação clara de funções entre as administrações. A definição precisa das responsabilidades de cada uma - administração hoteleira, administração condominial e administração do pool de locações - é crucial para evitar sobreposições de tarefas e conflitos de interesse. Cada administração deve se concentrar em suas funções específicas, e suas atividades precisam estar bem delimitadas para garantir que o empreendimento seja gerido de maneira eficiente.
Por fim, a governança participativa deve ser incentivada. Os multiproprietários precisam ter uma voz ativa nas decisões administrativas, participando de assembleias e comitês de fiscalização. Esse envolvimento direto nas decisões garante que os interesses dos proprietários sejam representados e respeitados, promovendo uma gestão mais democrática e transparente.
Conclusão
A atuação das associações de multiproprietários é essencial para a defesa dos interesses coletivos em empreendimentos de multipropriedade e time share. Embora a lei 13.777/18 não preveja expressamente a criação dessas associações, sua existência na prática é indispensável para garantir a organização e a fiscalização das administrações.
A complexidade administrativa desses empreendimentos exige uma governança clara e transparente, onde a separação de funções, a transparência nas contas e a participação ativa dos multiproprietários são fatores determinantes para o sucesso da gestão. Associações de multiproprietários bem estruturadas desempenham um papel vital na promoção da boa governança, representando os interesses dos proprietários e garantindo que o empreendimento seja gerido de maneira eficiente e justa.
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Referências
BRASIL. Lei nº 13.777, de 20 de dezembro de 2018. Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para dispor sobre o regime jurídico da multipropriedade e seu registro.
BRASIL. Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008. Dispõe sobre a Política Nacional de Turismo, define as atribuições do Governo.