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O crescimento do seguro de M&A no Brasil

O seguro R&W em M&A protege compradores e vendedores contra passivos ocultos, facilitando negociações e reduzindo litígios pós-fechamento.

24/9/2025

O “seguro de M&A”, mais particularmente o “seguro de declarações e garantias” (R&W - representations and warranties insurance), há bastante tempo já é um mecanismo de garantia usual em operações de fusões e aquisições (M&A) nos Estados Unidos e Europa, mas apenas mais recentemente as seguradoras passaram a dedicar mais atenção ao mercado brasileiro. Na América Latina, países como Chile, Peru e Colômbia, largaram na nossa frente. No Brasil o seguro R&W ainda não deslanchou, muito por conta das peculiaridades das estruturas contratuais aqui utilizadas, além de aspectos culturais e da inconstância da jurisprudência.

Um dos principais desafios é o fato de que o seguro R&W cobre contingências ocultas, mas não as conhecidas, que em muitas transações no Brasil não são “precificadas” e continuam sob responsabilidade do vendedor. Outro aspecto a ser considerado é que diante do (ainda) reduzido número de seguradoras que oferecem esse produto localmente, pode ser preciso recorrer a uma seguradora estrangeira que atue nesse mercado. Embora isso não seja um entrave, pode ser necessário nesse caso observar os procedimentos da SUSEP para contratação de seguro no exterior para cobertura de riscos locais, o que inclui cotar com pelo menos cinco seguradoras no Brasil.

Apesar desse quadro, o seguro de R&W vem ganhando tração no Brasil. O interesse pelo mercado brasileiro é crescente e cada vez mais seguradoras vêm lançando apólices adaptadas ao nosso ordenamento, algumas, inclusive, para emissão local. Também as corretoras vêm montando times especializados. De outra parte, certas declarações e garantias que, em tempos passados, dificilmente teriam cobertura, como as de questões tributárias e trabalhistas, já não sofrem mais tantas exclusões. Os prêmios das apólices também vêm caindo: embora variem bastante em cada caso, conforme o ramo de atividades e a organização da empresa, já há notícia de prêmios na casa de 2% do limite indenizável, o que não fica distante de mercados mais desenvolvidos. A precificação também varia conforme a política de cada seguradora para a jurisdição, já que as apólices para riscos no Brasil, dada a baixa oferta local, ainda costumam ser colocadas com seguradoras estrangeiras, especialmente em operações cross border, em que a contratação no exterior é facilitada.

O seguro R&W oferece substanciais vantagens a compradores e vendedores. O vendedor obtém virtual exoneração de responsabilidade pelos passivos ocultos da sociedade-alvo (clean exit): a seguradora renuncia ao regresso contra o vendedor e dispensa contragarantias. Dependendo da operação, viabiliza-se o recebimento integral do preço no fechamento, sem necessidade de manter parcelas retidas com o comprador (holdbacks) ou em contas escrow. Fundos de private equity, por exemplo, podem encerrar o veículo e distribuir mais cedo os recursos da venda aos cotistas, melhorando a taxa de retorno. O vendedor também pode se sentir mais confortável para prestar declarações mais extensas, focando seus esforços negociais em outros aspectos do contrato.

Já o comprador consegue melhorar a oferta com o clean exit, obtendo vantagem competitiva frente a outros possíveis interessados no ativo. O risco de solvência do vendedor também resta eliminado e, em caso de múltiplos vendedores, não há necessidade de “correr atrás” de vários réus. Acrescente-se que o comprador pode negociar limites de indenização maiores na apólice R&W do que os escrows ou holdbacks normalmente negociados. Prazos de indenização mais dilatados do que aqueles que constam do contrato de aquisição também podem ser negociados com a seguradora. A transferência da responsabilidade a uma seguradora, empresa especializada e em melhor posição para assumir riscos, também pode remover obstáculos durante a negociação, como, por exemplo, viabilizar uma declaração e garantia da qual o comprador não abre mão e que o vendedor, na falta do seguro, não se sentiria confortável para prestar.

Uma outra vantagem do seguro R&W fica evidente nas vendas por meio de processo competitivo. O emprego do seguro R&W pelos ofertantes aumenta a comparabilidade entre as ofertas, já que a responsabilidade do vendedor resta virtualmente afastada, permitindo que a comparação se concentre nos outros termos das ofertas. A dúvida sobre se a oferta de um preço maior compensa um mecanismo de responsabilidade mais rígido perde, assim, significância.

A cobertura da apólice replica, em geral, as declarações e garantias e os demais elementos do contrato de aquisição. Quem figura como segurado é o próprio comprador. Ele é quem aciona a seguradora, tornando desnecessária a participação do vendedor no processo de regulação do sinistro. Com isso, evitam-se litígios pós-fechamento com o vendedor (que muitas vezes permanece atuando na administração da empresa vendida). Alternativamente, pode-se fazer a chamada apólice do vendedor, embora cada vez mais em desuso, porque o comprador precisa acionar o vendedor para que este, como segurado, notifique a seguradora.

Há ainda importantes desafios para a ampla disseminação do seguro R&W no mercado brasileiro.  Mesmo assim, o seguro R&W pode ser uma ferramenta interessante e deve caminhar para sua consolidação no Brasil. É uma movimentação de mercado importante, para a qual os players do setor e os envolvidos nas operações de M&A devem ficar atentos.

Giacomo Grezzana
Advogado do BMA Advogados nas áreas de Solução de Conflitos e Seguros.

Henrique Vargas Beloch
Sócio do BMA Advogados nas áreas de Societário/M&A e Seguros.

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