1. Introdução
O processo civil é, por excelência, o instrumento de realização da jurisdição. E a jurisdição, por sua vez, constitui a função estatal destinada a assegurar a efetividade dos direitos e a pacificação dos conflitos sociais.
Conforme ensina Luiz Guilherme Marinoni (2022), a jurisdição deve ser compreendida como atividade voltada à concretização da CF/88, incumbida de garantir a eficácia aos direitos fundamentais, já que a sua principal finalidade é a proteção dos direitos, o que aproxima direito material e direito processual, solapando com a antiga dicotomia que os separavam.
Esse dever constitucional está consagrado no princípio da universalidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF/88), segundo o qual nenhuma lesão ou ameaça a direito pode escapar da apreciação do Poder Judiciário. Tal postulado confere ao cidadão a segurança de que poderá encontrar na jurisdição o meio para a efetividade dos seus direitos, sendo o acesso à justiça não apenas um direito formal, mas sobretudo um direito à tutela jurisdicional adequada.
Em conexão direta com esse postulado, insere-se a garantia do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF/88). Para José Miguel Garcia Medina (2023), o devido processo legal não deve ser entendido apenas em sua dimensão formal - ligada ao cumprimento das regras processuais -, mas, sobretudo, em sua dimensão material, como exigência de que o processo assegure tutela jurisdicional efetiva, racional e proporcional. Em outras palavras, o devido processo legal exige que o processo seja justo, equilibrado e apto a concretizar direitos fundamentais, funcionando como limite ao arbítrio estatal e como instrumento de realização da Constituição.
Assim, a jurisdição assume um papel central no Estado Democrático de Direito, funcionando como contraponto às forças de opressão econômica, social e política que limitam a concretização de direitos. No entanto, o mau uso desse direito - seja por meio da litigância predatória clássica, seja pela litigância predatória inversa - desnatura o processo, transforma o Judiciário em arena de exploração e fragiliza a sua capacidade de cumprir a função constitucional de tutelar direitos, como bem pensou o constituinte.
Diante desse quadro, torna-se urgente analisar como a litigância predatória compromete o princípio da universalidade da jurisdição, ameaça a confiança no sistema judicial e se relaciona com a fragilização da responsabilidade civil, especialmente quando grandes litigantes são sancionados de forma ínfima, tornando o ilícito economicamente vantajoso e perpetuando a litigiosidade, com a consequente sobrecarga do Poder Judiciário.
2. A litigância predatória: Conceito e dimensões
O termo litigância predatória consiste no ajuizamento de ações em massa, reproduzidas em larga escala, de forma fraudulenta, pois sem o conhecimento e autorização dos demandantes, e sem observância das especificidades de cada caso, de modo a transformar o processo em instrumento de negócio ou coerção econômica, prejudicando o exercício da tutela jurisdicional.
Para Fredie Didier Júnior e Leandro Fernandez (2025), esse tipo de conduta representa um desvio da função jurisdicional, convertendo o direito de ação em ferramenta predatória contra a própria integridade do sistema de justiça, já que sobreleva o objetivo espúrio de utilização do processo para gerar prejuízo a parte contrária.
Continuam os autores acima citados ao destacar que a litigância predatória congrega o elemento ilicitude, presente na litigância de má-fé e o elemento volume da litigância de massa, gerando inúmeros prejuízos a atuação do Poder Judiciário, especificamente, em uma das funções essenciais da jurisdição, que é a pacificação social.
Cabe enfatizar que a litigância predatória não é um fenômeno isolado. No Tema 1.198/STJ, o ministro Herman Benjamin destacou a ocorrência da litigância predatória inversa, expressão utilizada para designar a prática dos grandes litigantes que, ao descumprirem decisões judiciais e praticarem ilícitos em série, transferem os custos de sua conduta para o Judiciário, em claro prejuízo a tutela dos direitos.
Bem destacou o eminente ministro que o ponto nodal da questão repousa na atuação ilícita destes grandes litigantes (bancos, operadoras de telefonia, planos de saúde e demais entidades) que estimulam o ajuizamento de demandas, pois continuam a cometer atos ilícitos, como aqueles conhecidos descontos indevidos no benefício previdenciário, nas cobranças abusiva pelas telefonias móveis, na negação ao direito quanto ao custeio de tratamento médico-hospitalar a pacientes pelos planos de saúde, práticas conhecidas e reiteradas, que não sofrem o devido sancionamento pelo Poder Judiciário.
3. Distinção entre litigância repetitiva e litigância predatória
É fundamental diferenciar a litigância repetitiva da litigância predatória, pois embora ambas estejam relacionadas à multiplicação de demandas, apresentam natureza, finalidades e consequências jurídicas distintas.
A litigância repetitiva decorre de situações legítimas em que inúmeros indivíduos são lesados, seja por uma mesma conduta ou pela reiteração de atos ilícitos - como práticas abusivas de bancos, operadoras de telefonia ou planos de saúde - dando origem a uma pluralidade de demandas com fundamentos semelhantes. Nesses casos, há licitude no exercício do direito de ação, pois cada demanda reflete um direito subjetivo concreto a ser tutelado, bem como há um interesse legítimo na causa, que é a responsabilização destes grandes litigantes, com a devida reparação civil dos lesados.
Vale ressaltar que, o CPC/15 criou mecanismos de racionalização, como o IRDR - Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e o sistema de recursos repetitivos, bem como o sistema de precedentes vinculantes, de modo a assegurar a isonomia, a economia processual e a uniformidade jurisprudencial.
Já a litigância predatória corresponde a um uso abusivo do processo, em que a reprodução massiva de ações se dá sem análise individualizada e com finalidade ilícita ou desvirtuada, transformando o processo em instrumento de negócio ou de assédio judicial, em prejuízo ao devido processo legal e a ampla defesa. Trata-se de conduta que afronta a boa-fé objetiva e a função social do processo, sujeitando-se às sanções por litigância de má-fé (arts. 79 a 81 do CPC/15), além da possibilidade de comunicação ao Ministério Público e à Ordem dos Advogados do Brasil quando houver indícios de atuação profissional irregular.
Como já destacado em linhas anteriores, há na litigância predatória, hoje denominada de litigância abusiva, a junção entre o elemento da ilicitude, prospectado da litigância de má-fé com o volume das demandas de massa, da litigância repetitiva, uma ilícita, outra legítima e protegida pelo ordenamento jurídico.
O professor Lucas Buril de Macêdo (2025) Chama a atenção para a correta definição de litigância predatória e a necessidade de distinção em relação a outros institutos, sob pena de afronta ao devido processo legal, ao acesso à justiça e a universalidade da jurisdição.
Continua o autor acima citado ao destacar, para fins de exemplificação, que o Poder Judiciário do Estado de Pernambuco editou a nota técnica 02/21 que esclarecia a conceituação de litigância predatória confundindo-a com litigância de massa, o que poderia levar a grandes prejuízos aos jurisdicionados com a limitação indevida ao acesso à justiça.
Segundo o teor da nota técnica “cuida-se de espécie de demanda oriunda da prática de ajuizamento de ações produzidas em massa, utilizando-se de petições padronizadas contendo teses genéricas, desprovidas, portanto, das especificidades do caso concreto (...)”.
Assim, destacou o brilhante processualista acerca da necessidade de uma definição correta do termo litigância predatória a fim de evitar a confusão com a litigância de massa, o que acarretaria insegurança jurídica e consequências deletérias ao acesso à justiça, pois “toda litigância predatória é repetitiva, todavia nem toda demanda repetitiva é predatória”.
Enquanto a litigância repetitiva configura um fenômeno legítimo, a litigância predatória representa um desvio ético-processual que compromete a credibilidade do Poder Judiciário. Distinguir os fenômenos é essencial para que a jurisdição reprima os abusos, sem inviabilizar a defesa legítima de direitos em massa, preservando o equilíbrio entre o acesso à justiça e a repressão ao uso predatório do processo. Esse equilíbrio passa, ainda, pela recuperação da função pedagógica da responsabilidade civil, com a fixação adequada do quantum indenizatório por danos morais.
4. O papel do CNJ no combate a litigância predatória
O CNJ, instituído pela EC 45/04, é responsável pelo controle administrativo e financeiro do Poder Judiciário e pela supervisão do cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados, atuando também como formulador de políticas públicas judiciárias de caráter nacional.
Entre as suas atribuições constitucionais (art. 103-B, §4º, CF), estão: a fiscalização e a correição da atividade judicial, a promoção da transparência e da eficiência administrativa e, mais recentemente, a coordenação de esforços para enfrentar a litigiosidade estrutural e predatória que congestiona o Judiciário.
Nesse contexto, destaca-se a edição da recomendação 127, de 15/3/22, como marco na política judiciária voltada à inibição da litigância predatória. O CNJ orientou os tribunais a identificar e monitorar demandas abusivas, especialmente aquelas caracterizadas pela repetição de teses já rejeitadas, dentre outras medidas.
A evolução institucional do CNJ no enfrentamento da litigância predatória ganhou novo marco com a recomendação 159, de 23/10/24, que atualizou e ampliou as diretrizes da recomendação 127/22.
O ato normativo em comento trouxe um conceito mais abrangente de litigância abusiva, compreendida como gênero do qual a litigância predatória é espécie, abrangendo condutas infundadas, temerárias, artificiais, procrastinatórias, frívolas, fraudulentas ou desnecessariamente fracionadas. A partir dessa conceituação, o CNJ forneceu aos tribunais parâmetros mais claros para distinguir o exercício legítimo do direito de ação da sua utilização distorcida.
A recomendação 159/24 estabeleceu três eixos centrais de atuação:
- e monitoramento: orienta os tribunais a implementar sistemas de inteligência e filtros estatísticos para detectar demandas seriadas abusivas, distribuição massiva por determinados autores ou advogados e padrões de litigância incompatíveis com a boa-fé processual.
- preventivas e repressivas: sugere protocolos de triagem das petições iniciais, diligências para verificar a representação processual adequada, exigência de documentos complementares e possibilidade de aplicação de sanções processuais nos casos de má-fé em massa.
- interinstitucional: recomenda a integração entre Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e OAB, de modo a promover cooperação no combate às práticas abusivas, incluindo a comunicação formal em casos de indícios de captação predatória de clientela ou atuação profissional irregular.
Esse ato reforça a função do CNJ como uma verdadeira “agência de controle do sistema de justiça”, assumindo papel não apenas correcional, mas também estratégico e normativo, capaz de formular políticas públicas judiciais voltadas à eficiência, racionalidade e uniformidade da resposta judicial.
Doutrinariamente, Fredie Didier Júnior e Leandro Fernandez (2025) apontam que o CNJ funciona como verdadeira “agência de controle do sistema de justiça”, atuando para preservar a racionalidade, a integridade e a legitimidade da jurisdição. Nesse sentido, a recomendação 159/24 avança nesta missão de combater a litigância predatória ao estabelecer meios de identificação, que permitem uniformizar a resposta judicial ao abuso e, ao mesmo tempo, proteger o exercício regular da advocacia e o acesso à justiça.
O conselheiro Marcelo Terto e Silva, com esmero técnico, destacou que a recomendação deve ser lida sob a ótica do princípio da universalidade da jurisdição, uma garantia fundamental. Chamou a atenção para a necessidade de cuidado na aplicação da respectiva recomendação pelos tribunais, pois a demonstração da hipossuficiência e do exaurimento da via administrativa devem ser utilizados com cautela, pois podem representar obstáculos indevidos ao exercício do direito de ação, especialmente envolvendo vulneráveis.
Assim, a política nacional do CNJ busca inibir o uso do processo de forma abusiva, mas também responsabilizar litigantes habituais que praticam ilícitos em massa, realçando que o combate à litigância predatória é essencial para a preservação do acesso à justiça efetivo e universal.
Em síntese, a recomendação 159/24 reforça o papel do CNJ como órgão de governança e coordenação do sistema de justiça, atuando preventivamente contra a litigância predatória, em consonância com os princípios do devido processo legal, da eficiência e da universalidade da jurisdição, representando um avanço em relação a recomendação anterior (CNJ recomendação 127/22).
5. Impactos da litigância predatória na advocacia e a necessidade de preservação das prerrogativas profissionais
O enfrentamento da litigância predatória não pode desconsiderar seus reflexos sobre a advocacia, função constitucionalmente indispensável à administração da justiça (art. 133, CF/88). O debate ganhou relevo com o julgamento do Tema 1.198/STJ, em que se reconheceu, por iniciativa do ministro Herman Benjamin, a existência não apenas da litigância predatória clássica, mas também da litigância predatória inversa, praticada por grandes empresas que descumprem sistematicamente normas e decisões judiciais, compelindo milhares de consumidores a recorrer ao Judiciário, como já esposado em linhas anteriores.
Esse reconhecimento é relevante para a advocacia, pois evita que se difunda uma narrativa reducionista que atribui à atuação de advogados a origem exclusiva da litigiosidade de massa. Pelo contrário, muitas vezes é a própria advocacia, sobretudo de pequeno e médio porte, que viabiliza o acesso à justiça dos cidadãos, vítimas de práticas abusivas de empresas de grande porte, que utilizam o seu poderio econômico para fraudar e cometer todo tipo de ilícito contra vulneráveis.
Contudo, o risco de criminalização da advocacia é evidente. O combate à litigância predatória, se aplicado de forma genérica e sem critérios claros, pode gerar:
- jurídica, ao confundir demandas repetitivas legítimas com práticas abusivas;
- indevida da classe profissional, mediante comunicações automáticas à OAB ou ao Ministério Público, sem a devida individualização da conduta;
- social da profissão, fortalecendo a ideia de que advogados “fabricam ações”, quando, em realidade, exercem função essencial de tutela de direitos.
Por isso, é indispensável assegurar que as recomendações do CNJ e as decisões judiciais não afrontem o direito de petição (art. 5º, XXXIV, CF/88), o acesso universal à jurisdição (art. 5º, XXXV, CF/88) e as prerrogativas da advocacia previstas no Estatuto da OAB (lei 8.906/1994). A litigância abusiva, da qual é espécie a litigância predatória, deve ser entendida como exceção, sujeita a comprovação inequívoca, e não como presunção contra advogados que atuam em causas de massa, na defesa dos vulneráveis.
O papel da OAB, enquanto instituição de classe, e do próprio Judiciário é fundamental para manter o equilíbrio entre repressão ao abuso e proteção das prerrogativas profissionais. A advocacia não pode ser vista como causa da crise de litigiosidade, mas como instrumento de efetivação da cidadania e defesa dos direitos fundamentais.
Nesse sentido, a preservação da boa-fé objetiva, a clara distinção entre litigância repetitiva, que é legítima e litigância predatória, constitui medida indispensável para assegurar que o combate ao abuso não se converta em limitação indevida ao exercício profissional da advocacia.
6. Responsabilidade civil: Funções e fragilização
A litigância predatória, em suas duas vertentes, encontra raiz no modo como a responsabilidade civil vem sendo aplicada pelo Poder Judiciário, primordialmente pelo esvaziamento da função pedagógica, com a aplicação de indenizações ínfimas em relação aos atos ilícitos comumente perpetrados pelos grandes litigantes.
Com o objetivo de coibir a chamada “indústria do dano moral”, o Poder Judiciário tem deixado de lado uma das funções essenciais da responsabilidade civil, que é a função pedagógica, que tem como desiderato desestimular a prática do ilícito, primordialmente, nos setores bancários, de telefonia móvel e planos de saúde.
Ao discorrer sobre as funções da responsabilidade civil, Pontua Felipe Peixoto Braga Netto (2024) que o dano moral não possui apenas a função compensatória, mas a função punitivo-pedagógica como fator de desestímulo à prática do ato ilícito, que deve observar a proporcionalidade em sua fixação.
Dessa forma, é essencial a preservação da função punitivo-pedagógica da responsabilidade civil como instrumento de desestimulo a prática de atos ilícitos pelos grandes litigantes, que, ao realizarem uma análise econômico-financeira do processo, decidem continuar a praticar atos ilícitos, tendo em vista a sua vantajosidade.
6.1 Funções da responsabilidade civil
A responsabilidade civil, conforme a doutrina clássica e moderna, cumpre duas funções essenciais:
- reparatória ou compensatória - recompor o patrimônio lesado ou compensar o dano experimentado pela vítima.
- preventiva ou pedagógica - desestimular condutas ilícitas, orientando comportamentos sociais e empresariais.
- saudoso e culto Caio Mário da Silva Pereira (2022), um dos maiores civilistas do século XX, defendia que a indenização por dano moral trazia um duplo caráter, não só compensar, mas também punir, sendo a conjugação da punição ao ofensor pela lesão ao bem jurídico tutelado com a garantia de compensação ao lesado.
Sérgio Cavalieri Filho, a responsabilidade civil deve ser compreendida como “instrumento de tutela da dignidade da pessoa humana e de contenção do ilícito, assumindo dimensão pedagógica e social”.
O saudoso ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior, em votos paradigmáticos no STJ, advertia que a indenização não pode ser simbólica, pois “não basta recompor, é preciso prevenir e desestimular o ilícito, sob pena de perpetuá-lo”.
6.2 A fragilização judicial e a litigância predatória
Um dos fatores centrais da litigância predatória é a fragilização da responsabilidade civil pelo Poder Judiciário. Ao fixar indenizações de valor ínfimo contra grandes empresas, ainda que reincidentes em práticas ilícitas, o Judiciário enfraquece a função pedagógica da responsabilidade civil e estimula a continuação de ilícitos em grande escala.
Ora, na medida que fragiliza-se a responsabilidade civil, ao extinguir a função pedagógica na fixação do dano moral, estimula-se a reiteração de práticas ilícitas, já que é mais vantajoso continuar a cometer ilícitos, como é o caso de descontos indevidos pelos bancos nos benefícios previdenciários, as cobranças abusivas pelas telefonias móveis, a negativa de atendimento as solicitações do consumidor no custeio médico-hospitalar pelos planos de saúde, atos já conhecidos pela sociedade brasileira, do que suspender tais práticas.
Essas práticas geram um círculo vicioso:
- empresas adotam condutas ilícitas padronizadas (cobranças indevidas, negativas de cobertura, descumprimento de ordens judiciais);
- vítimas são obrigadas a ajuizar milhares de ações individuais, alimentando a litigância predatória inversa;
- condenações, quando fixadas em valores simbólicos, tornam o ilícito economicamente vantajoso, gerando novo ciclo de violações.
Nesse cenário, a responsabilidade civil perde sua força de prevenção e se converte em mero custo de conformidade, incorporado à planilha de despesas corporativas, haja vista que não há uma punição adequada a inibir a prática dos ilícitos comumente perpetrados pelos grandes litigantes, que sempre escapam de uma punição adequada.
7. Conclusão
A litigância predatória, seja em sua forma clássica (ajuizamento massivo de ações padronizadas e fraudulentas), seja em sua forma inversa (descumprimento sistemático da lei por grandes litigantes), representa grave ameaça à função social do processo e à efetividade da jurisdição.
O CNJ, ao assumir o papel de verdadeira “agência de controle do sistema de justiça”, desempenha função crucial na formulação de políticas públicas de enfrentamento à litigância predatória, especialmente por meio das recomendações 127/22 e 159/24. O STJ, por sua vez, ao reconhecer a litigância predatória inversa no Tema 1.198, ampliou o alcance da discussão, responsabilizando também os grandes atores institucionais que fomentam a judicialização em massa, com a reiteração de condutas lesivas e perniciosas.
É necessário ressaltar a importância vital de preservar as prerrogativas da advocacia, sobretudo diante do risco de um processo de criminalização indevida da profissão, quando se tenta vinculá-la, de forma genérica, à prática da litigância predatória. Tal postura compromete não apenas a função constitucional do advogado como sujeito indispensável à administração da justiça (art. 133, CF/88), mas também o próprio exercício da cidadania.
O ponto nodal, contudo, está na responsabilidade civil. Enquanto ela continuar sendo aplicada de modo tímido, com indenizações ínfimas e incapazes de exercer a função pedagógica, o ilícito seguirá como estratégia de negócio, e o Judiciário permanecerá sobrecarregado por milhares de demandas.
É preciso resgatar a lição do saudoso e emérito ministro do STJ, Ruy Rosado de Aguiar Júnior, segundo a qual a responsabilidade civil deve reparar, prevenir e desestimular.
Só assim será possível conter a litigância predatória, restituindo ao processo sua função essencial: a tutela efetiva dos direitos e a pacificação social.
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