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Antes do conflito: Como os acordos de sócios evitam disputas e preservam negócios

Antes do conflito é no acordo de sócios que se constrói a preservação do negócio.

25/9/2025

Um dos maiores desafios de qualquer sociedade é lidar com o impasse decisório. No início, quando os sócios estão alinhados pelo entusiasmo do empreendimento, pouco se pensa na possibilidade de divergência. Mas é justamente nesse momento que devem ser negociadas as cláusulas de resolução de impasses no acordo de sócios ou de acionistas, pois depois, em meio ao conflito, a construção de soluções consensuais torna-se praticamente impossível.

Na prática, as chamadas deadlock provisions funcionam como válvulas de escape para situações em que os sócios não conseguem chegar a um consenso sobre determinada matéria estratégica. Existem vários mecanismos possíveis.

O primeiro é a cláusula de voto de qualidade, que confere a um dos sócios ou a um administrador independente o poder de desempatar votações. Esse arranjo é útil em sociedades menores ou familiares, em que há confiança para atribuir a alguém esse papel de árbitro.

Outro instrumento bastante utilizado é a cláusula shotgun ou compra e venda compulsória. Nela, diante do impasse, um sócio oferece comprar a participação do outro por determinado preço, ficando o destinatário da oferta livre para aceitar a venda ou, se preferir, comprar a participação do ofertante pelos mesmos termos. Esse mecanismo evita longas disputas judiciais e obriga os sócios a apresentarem propostas realistas, sob pena de terem que se sujeitar às próprias condições que propuseram.

Há também soluções que envolvem terceiros, como a cláusula de arbitragem de impasse, em que uma decisão específica é submetida a árbitro ou mediador independente, conferindo celeridade e tecnicidade ao processo. Em sociedades com investidores institucionais, não é raro que se preveja a eleição de um conselheiro independente justamente para atuar em deliberações críticas, servindo como voto de minerva.

Além disso, acordos mais sofisticados podem prever a put/call option em caso de deadlock: um dos sócios tem o direito de vender sua participação ao outro (put) ou obrigar o outro a lhe vender (call), de acordo com critérios predefinidos de avaliação. Essa saída ordenada preserva a continuidade da empresa, mesmo que um dos sócios precise se afastar.

A função principal dessas cláusulas é garantir previsibilidade e evitar a paralisação da sociedade em caso de impasse decisório. Em vez de deixar que a divergência se transforme em litígio judicial - muitas vezes com efeitos deletérios à sociedade –, os sócios criam, previamente, caminhos para superá-la, seja pela atribuição de poder de desempate, pela saída de um dos envolvidos ou pela intervenção de um terceiro.

Dessa forma, as cláusulas de resolução de impasses não devem ser vistas como previsão pessimista, mas como instrumento de preservação da sociedade. Além de alinhar os sócios fundadores ou atuais, o acordo também funciona como um verdadeiro “contrato de convivência” para a entrada de novos sócios. Quem ingressa na sociedade precisa aderir às mesmas regras já estabelecidas, garantindo isonomia e continuidade nas práticas de governança. Isso evita que a chegada de um novo investidor ou parceiro traga insegurança quanto à tomada de decisões ou reabra discussões já superadas.

Assim, negociar essas cláusulas logo no início não é um custo, mas um investimento em prevenção: permite que a empresa tenha mecanismos claros para lidar com divergências, evita paralisações e assegura que a atividade empresarial sobreviva aos conflitos naturais da vida societária.

Wagner José Penereiro Armani
Sócio do escritório Bismarchi | Pires Sociedade de Advogados. Doutor em Direito Empresarial pela PUC- SP, mestre em Direito Civil pela UNIMEP, graduado em Direito pela PUC-Campinas. Professor de Direito Comercial na PUC-Campinas e na ESA. Secretário Geral Adjunto da OAB-Campinas. Autor e coautor de diversos livros e artigos jurídicos, possui mais de 20 anos de experiência na área contratual e societária. Sócio da área contratual e societária do escritório Bismarchi | Pires, ele une sólida experiência prática e acadêmica, oferecendo soluções jurídicas de alto nível para os clientes.

Jansonn Mendonça Batista
Coordenador da Área de Societário e Contratos do Bismarchi | Pires. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Itu e atualmente cursando LL.M. em Direito Societário pelo Insper.

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