Introdução: Além da burocracia
Se alguém não contrataria um funcionário sem checar suas referências, por que uma empresa deveria fechar contratos sem investigar quem está do outro lado? Essa é a essência da due diligence. Mais que burocracia, é um filtro ético e jurídico, capaz de revelar riscos ocultos e blindar a reputação corporativa.
Origem e consolidação do instituto
O termo ganhou corpo nos Estados Unidos, especialmente após o Securities Act de 1933, que impôs às instituições financeiras a obrigação de verificar informações prestadas pelas companhias. Desde então, a due diligence evoluiu de auditoria prévia para um verdadeiro paradigma de governança.
No Brasil, doutrinadores como Modesto Carvalhosa veem a prática como mecanismo de transparência negocial, enquanto Pierpaolo Bottini a associa à prevenção penal-econômica. Marcelo Zenkner, por sua vez, destaca seu papel dentro dos programas de integridade pública e privada.
Tipologias de due diligence
O instituto não se restringe a um campo único. Entre os mais usuais:
- Jurídica: Análise de contratos, litígios e riscos regulatórios.
- Financeira: Avaliação da saúde econômico-financeira.
- Trabalhista: Identificação de passivos e encargos sociais.
- Ambiental: Riscos de responsabilidade ambiental.
- De integridade: Prevenção à corrupção, fraude e lavagem de dinheiro.
Compliance e governança: Quando a diligência vira blindagem
A lei anticorrupção (12.846/13) e o decreto 11.129/22 estruturam no Brasil a exigência de diligência prévia em relações negociais, inclusive para a Administração Pública. Mais que exigência normativa, a due diligence é um mecanismo de blindagem reputacional.
Ignorá-la significa não apenas descumprir regras, mas comprometer a licença social para operar sob um conceito cada vez mais relevante em tempos de ESG, e principalmente, hiperexposição midiática.
Prevenção de ilícitos na contratação de terceiros
Terceiros são, muitas vezes, a porta de entrada de escândalos corporativos. A responsabilização objetiva prevista na lei 12.846/13 abrange atos praticados por fornecedores e parceiros. Por isso, a consulta a bancos como CEIS, CNEP e SICAF tornou-se prática obrigatória, assim como listas internacionais da ONU e da OFAC.
Aqui, a due diligence não é luxo, mas estratégia de sobrevivência.
Execução de contratos: Não basta começar bem
A experiência mostra que os riscos não terminam na assinatura. É durante a execução que ocorrem desvios, fraudes e condutas lesivas. Por isso, surgem as cláusulas de integridade, que permitem auditorias, rescisão e penalidades específicas.
Esse movimento é inspirado em marcos internacionais como o Foreign Corrupt Practices Act (EUA) e o UK Bribery Act (Reino Unido), que reforçam a necessidade de monitoramento contínuo.
O colaborador como gestor de riscos
O perfil do colaborador (seja empregado, técnico, consultor ou advogado) contemporâneo mudou. Ele não é mais mero reprodutor de normas, mas gestor de riscos jurídicos e reputacionais. Emitir parecer, revisar contrato ou atuar em contencioso exige a capacidade de mapear vulnerabilidades invisíveis e antecipar irregularidades.
Assim, a due diligence deixa de ser um ato formal e se transforma em postura ética e estratégica no ambiente corporativo.
Considerações finais: Ética da diligência
A due diligence se consolida como eixo de um compliance 360º: um ciclo que envolve prevenção, monitoramento e resposta.
Mais que técnica, representa uma ética aplicada e o compromisso de agir com transparência, responsabilidade e visão crítica. Negligenciar essa prática é abrir mão não só de segurança jurídica, mas também da confiança do mercado e da sociedade.
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1. https://www.law.cornell.edu/wex/securities_act_of_1933
2. https://periodicos.newsciencepubl.com/arace/article/view/8275
3. https://revistaeletronica.pge.rj.gov.br/index.php/pge/article/download/326/266
4.https://conaci.org.br/noticias/programas-de-integridade-protegem-a-reputacao-das-empresas-afirmam-especialistas-em-webinar-da-cge/
5. Planalto.gov.br: Lei 12.846/2013; Decreto 11.129/2022.
6. https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/10218520.pdf
7. https://www.legislation.gov.uk/ukpga/2010/23/pdfs/ukpgaen_20100023_en.pdf