Matéria publicada pelo Estadão revelou, com base em documentos oficiais e relatos de diplomatas, que o governo de Donald Trump transformou a política externa norte-americana em verdadeiro braço de promoção da indústria de combustíveis fósseis. Não se tratava apenas de defender interesses internos, mas de exercer pressão direta sobre países aliados e em desenvolvimento para ampliar o consumo de petróleo, gás e carvão, mesmo diante da crise climática global (O Estado de S. Paulo, 2025, p. A12).
Segundo a reportagem, os Estados Unidos chegaram a impor tarifas comerciais e barreiras econômicas como forma de constranger governos estrangeiros a abrir seus mercados ao setor fóssil, além de utilizarem a diplomacia para bloquear iniciativas multilaterais de redução de emissões. A matéria também destacou que acordos bilaterais eram frequentemente condicionados à aceitação de cláusulas favoráveis ao petróleo e ao gás, evidenciando uma política externa orientada não pela ciência climática ou pela cooperação internacional, mas pelos interesses imediatos da indústria energética.
Não bastasse, na reunião da ONU realizada em 23/9/25, o presidente dos Estados Unidos afirmou não acreditar no aquecimento global nem no desenvolvimento sustentável. Chegou a declarar que, se o ar em seu país está poluído, é porque teria vindo da China. O grau de alienação revelado por tais palavras é impressionante e não deixa dúvidas quanto ao seu negacionismo ambiental. Ao proferir declarações desse teor no maior palco diplomático do mundo, fragiliza compromissos arduamente construídos, deslegitima a ciência e encoraja outros governos a relativizar responsabilidades ambientais, corroendo os esforços multilaterais de enfrentamento da crise climática.
Esse comportamento representa não apenas a ausência de compromisso ambiental, mas uma verdadeira política de negacionismo ambiental: nega-se a gravidade dos efeitos da emissão de gases de efeito estufa, desconsideram-se os alertas da comunidade científica e sacrifica as condições de vida das presentes e futuras gerações em nome de interesses econômicos imediatos. É um retrocesso e enfraquece a cooperação internacional e mina a possibilidade de mitigação conjunta das mudanças climáticas.
A política implementada pelo governo Trump pode ser compreendida como uma mutação do neoliberalismo clássico. De um lado, observa-se um neoliberalismo regulatório, marcado pela desestruturação de normas internas que limitam a atuação das grandes corporações, sobretudo ambientais e trabalhistas, o que potencializa ganhos imediatos, mas transfere os custos socioambientais à coletividade.
De outro, há um intervencionismo nacionalista, expresso em medidas protecionistas, imposição de tarifas e condicionamento de acordos bilaterais ao fortalecimento da indústria fóssil. Essa conjugação de desregulação interna e unilateralismo externo revela-se duplamente prejudicial: internamente, fragiliza a proteção ambiental e intensifica desigualdades; externamente, enfraquece o multilateralismo e desestabiliza o mercado mundial, ao corroer a previsibilidade e a cooperação internacional.
Como advertem Harvey (2005), Brown (2019) e Streeck (2017), a radicalização neoliberal, quando combinada a políticas autoritárias e nacionalistas, não apenas restringe direitos sociais e ambientais, mas compromete a própria lógica de solidariedade global que sustenta o Estado Democrático de Direito no século XXI.
O compromisso constitucional brasileiro e a vedação ao retrocesso
No Brasil, a situação é distinta, ao menos no plano normativo. A CF/88 estabeleceu, em seu art. 225, que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Esse dispositivo não é mera recomendação política: trata-se de norma de eficácia plena, que vincula tanto o Estado quanto a sociedade civil, impondo limites constitucionais à atuação governamental.
Tal mandamento constitucional deve ser interpretado à luz do princípio do desenvolvimento sustentável. Trata-se da exigência de compatibilizar crescimento econômico e proteção ambiental, de forma a assegurar que as necessidades da geração presente sejam atendidas sem comprometer a possibilidade de as futuras gerações atenderem às suas próprias. A CF/88, ao inserir a defesa do meio ambiente no rol dos direitos fundamentais, antecipou esse compromisso global e vinculou o Brasil a uma agenda de sustentabilidade de longo prazo.
Na reunião da ONU, em 23/9/25, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, reafirmou o compromisso de seu governo com a agenda ambiental e com o desenvolvimento sustentável. Destacou a importância da Amazônia como patrimônio da humanidade e defendeu a cooperação internacional como caminho indispensável para enfrentar a crise climática. Esse posicionamento, em contraponto ao negacionismo do governo norte-americano, evidencia a tensão global: de um lado, lideranças que negam a ciência e desmobilizam esforços multilaterais; de outro, vozes que buscam fortalecer a responsabilidade compartilhada.
Esse compromisso foi reafirmado pelo STF, que em decisões paradigmáticas, como na ADIn 3.540 e na ADPF 708, consolidou a tese da vedação ao retrocesso ambiental, reconhecendo que os avanços normativos de proteção não podem ser reduzidos ou suprimidos. Ao fazê-lo, o STF não apenas assegurou a eficácia plena do art. 225, mas também reforçou a dimensão democrática da proteção ambiental: uma democracia que ignora o futuro é uma democracia enfraquecida.
Como lembram Steven Levitsky e Daniel Ziblatt em Como salvar a democracia, regimes sólidos não se limitam à realização periódica de eleições, mas se sustentam pela preservação de direitos fundamentais e pelo respeito às instituições. O Brasil, ao constitucionalizar o direito ao meio ambiente equilibrado e ao blindá-lo contra retrocessos, reafirma-se como uma democracia robusta e comprometida com o futuro do planeta.
Contudo, o problema é que parcela da sociedade brasileira parece não compreender, ou não valorizar, esse compromisso. Episódios recentes o demonstram: no dia 7 de setembro, durante manifestações na Avenida Paulista, bandeiras dos Estados Unidos foram hasteadas como símbolo de apoio a um projeto político estrangeiro marcado justamente pelo negacionismo ambiental.
Ainda mais grave, parte do próprio Legislativo brasileiro também enunciou apoio ao atual governo norte-americano, chegando mesmo a exibir a bandeira americana em sessão da Câmara dos Deputados. Esse gesto, que deveria causar perplexidade, revela uma perigosa dissonância cívica e institucional: representantes eleitos para guardar e aplicar a CF, em vez disso, alinham-se a uma agenda que afronta diretamente o pacto constitucional brasileiro, notadamente o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado.
Aqui se percebe um elo com reflexões anteriores que desenvolvi em meu livro Reflexões Epistemológicas: a teoria do direito da prática. Nele, sustentei que o grande problema do atual Estado brasileiro é o negacionismo, que intitulei em três dimensões: epistêmico (pela negação do próprio conceito de democracia), histórico (pela rejeição da trajetória histórica que construiu esse conceito) e cultural (pela destruição simbólica dos objetos que integram a memória institucional, como se viu na invasão e depredação do Congresso Nacional).
O que se anuncia agora é o risco de uma quarta dimensão: o negacionismo ambiental. Diante desse avanço, poderíamos falar de um fenômeno ainda mais amplo, que ameaça tanto a democracia quanto a sustentabilidade: um negacionismo epistêmico-histórico-cultural-ambiental. Nele, a negação não recai apenas sobre conceitos abstratos ou sobre símbolos da vida democrática, mas sobre as próprias condições materiais de existência no planeta.
É nesse contexto que o Brasil, prestes a sediar a COP 30, precisa reafirmar com firmeza seu compromisso constitucional e internacional com a defesa do meio ambiente. Mais do que um dever jurídico, trata-se de um imperativo ético, político e civilizatório. A responsabilidade intergeracional, prevista expressamente na CF, exige que não apenas o Estado, mas toda a sociedade brasileira, se mantenha vigilante contra discursos e práticas que promovam retrocessos ambientais.
Ceder a pressões externas ou a movimentos internos que desprezam esse compromisso significaria trair a CF, negar a ciência e comprometer o futuro das próximas gerações.
O desafio, portanto, não é apenas político ou diplomático, mas também cultural, jurídico e ético: resistir ao avanço do negacionismo em todas as suas dimensões, preservando os fundamentos da democracia e garantindo um meio ambiente equilibrado como direito fundamental de todos. Ao fazê-lo, o Brasil não apenas cumpre seu dever constitucional, mas reafirma seu papel de liderança responsável no cenário internacional.
Considerações finais
O percurso analítico desenvolvido permitiu constatar que o negacionismo ambiental não se resume a uma postura retórica, mas configura verdadeira estratégia política e institucional de enfraquecimento da cooperação internacional e de sacrifício das condições materiais de vida em prol de interesses econômicos imediatos.
A política externa do governo norte-americano de Donald Trump revelou de forma paradigmática essa dinâmica, ao transformar a diplomacia em instrumento de promoção da indústria fóssil, em contradição com a ciência climática e com os compromissos multilaterais assumidos pela comunidade internacional.
Em contraste, o Brasil possui arcabouço constitucional robusto, que não apenas reconhece o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado (art. 225 da CF/88), mas o protege contra retrocessos, conforme a jurisprudência do STF. Tal proteção eleva a pauta ambiental ao patamar de cláusula democrática essencial, vinculando-a à própria legitimidade do Estado de Direito e à responsabilidade intergeracional.
Entretanto, a análise também revelou tensões internas preocupantes: manifestações sociais e atitudes parlamentares de alinhamento com pautas estrangeiras negacionistas expõem fragilidades cívicas e institucionais, sinalizando que o problema não é apenas normativo, mas também cultural e político. Nesse sentido, o negacionismo ambiental soma-se às demais dimensões já diagnosticadas, epistêmica, histórica e cultural, compondo um quadro de risco civilizatório que ameaça tanto a democracia quanto a sustentabilidade.
Às vésperas da COP 30, que será sediada no Brasil, impõe-se a reafirmação enfática do compromisso constitucional e internacional do país com a defesa do meio ambiente. Mais do que dever jurídico, trata-se de imperativo ético e político que projeta o papel do Brasil como liderança responsável no enfrentamento da crise climática global.
Contudo, permanece a indagação que deve orientar a reflexão acadêmica e institucional: estará a sociedade brasileira preparada para resistir às múltiplas formas de negacionismo e, ao mesmo tempo, construir uma cultura democrática e sustentável capaz de garantir às futuras gerações um planeta habitável?
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