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Reajustes abusivos: Aumentos que violam o direito à saúde

Decisão recente do TJ/SP reconheceu a abusividade dos reajustes em planos coletivos falsamente empresariais, substituindo-os pelos índices da ANS.

16/10/2025

Uma recente decisão do TJ/SP reacendeu o debate sobre os reajustes aplicados em contratos coletivos de planos de saúde e a chamada falsa coletivização desses instrumentos. O relator, desembargador Alexandre Marcondes, da 1ª Câmara de Direito Privado, concedeu tutela recursal para substituir os aumentos por sinistralidade e VCMH - Variação de Custos Médico-Hospitalares, aplicados entre 2020 e 2024, pelos índices autorizados pela ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar para contratos individuais e familiares.

A decisão destaca um ponto crucial: a ausência de transparência e fundamentação técnica idônea nos reajustes praticados pelas operadoras. No caso, o contrato beneficiava apenas três pessoas de um mesmo núcleo familiar, situação que reforça a tese de “falsa coletivização”, reconhecida tanto pelo Tribunal paulista quanto pelo STJ. Trata-se de uma prática recorrente no mercado, em que planos com aparência de coletivos são firmados por pequenos grupos ou até por pessoas físicas, com o único propósito de escapar da regulação da ANS quanto aos índices máximos de reajuste.

A fragilidade dos “coletivos” e o risco de exclusão

Nos últimos anos, o número de contratos coletivos superou amplamente o de planos individuais, tornando-se a principal modalidade oferecida no país. Entretanto, justamente por não estarem submetidos à limitação de reajuste da ANS, esses contratos vêm sofrendo aumentos exponenciais, muitas vezes superiores a 150% em poucos anos, como no caso julgado.

Esse tipo de majoração pode tornar inviável a permanência do beneficiário, especialmente para quem depende de tratamento contínuo ou possui doenças crônicas. O direito à saúde, protegido constitucionalmente, passa a ser comprometido pela inacessibilidade financeira, convertendo o plano, que deveria garantir segurança, em um fator de exclusão e vulnerabilidade.

A importância da fundamentação técnica e do direito à informação

O CDC impõe às operadoras o dever de informar e justificar tecnicamente os critérios utilizados para os reajustes, o que inclui a variação de custos médico-hospitalares e o índice de sinistralidade. Sem essa transparência, o reajuste é presumidamente abusivo.

A própria decisão do TJ/SP observou que a documentação apresentada pela operadora não constituía prova inequívoca da idoneidade dos aumentos, o que reforçou a necessidade de substituição pelos índices da ANS.

Além disso, a tutela foi considerada reversível e necessária para evitar risco de dano irreparável à saúde dos consumidores, um entendimento em consonância com o art. 300 do CPC, que regula a tutela de urgência.

O que o consumidor pode (e deve) fazer

Diante de reajustes excessivos e sem justificativa técnica clara, é essencial buscar assessoria jurídica especializada antes que o contrato se torne inviável. O advogado poderá requerer judicialmente:

A devolução é possível porque o reajuste ilegal configura enriquecimento sem causa por parte da operadora, em violação ao art. 884 do CC.

Conclusão

A decisão do TJ/SP é emblemática porque reafirma um princípio fundamental: o direito à saúde não pode ser condicionado a práticas contratuais abusivas ou a reajustes desproporcionais.

Enquanto os contratos coletivos continuarem sendo utilizados de forma indevida, disfarçando vínculos empresariais fictícios, o Poder Judiciário seguirá como o principal instrumento de equilíbrio e proteção ao consumidor.

Em um cenário de crescente judicialização da saúde suplementar, a informação e a atuação preventiva são as maiores aliadas do beneficiário. Questionar, antes de desistir do plano, pode significar não apenas preservar o acesso ao tratamento, mas também resguardar a própria dignidade.

Juliana Hasse
Advogada formada há cerca de 21 anos, com MBA em gestão empresarial com ênfase em Saúde - Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado, especializada em Direito Médico e Hospitalar (EPD - Escola Paulista de Direito), especializada em Direito da Saúde e de Dados em Saúde pela Faculdade de Direito de Coimbra, em Portugal, Presidente das Comissões Especiais de Direito Médico e da Saúde da OAB Estadual SP (2019/2024 - recondução ao cargo) e da OAB São José dos Campos (2019/2021).

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