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Embargos à execução fiscal e exceção de pré-executividade: Reflexões sobre a denominada “preclusão consumativa”

Decisões recentes do STJ despertam reflexão sobre limites da exceção de pré-executividade em execuções fiscais.

6/10/2025

A 1ª turma do STJ, em julgado de 17 de dezembro de 2024, ao apreciar o REsp 2.130.489/RJ (DJEN 23/12/2024), sob a relatoria do ministro Paulo Sérgio Domingues, decidiu à unanimidade que a improcedência dos embargos à execução fiscal inviabiliza o posterior oferecimento de exceção de pré-executividade, ainda que formulada para matérias cognoscíveis de ofício não suscitadas nem decididas nos anteriores embargos à execução fiscal. O fundamento impeditivo da arguição incidental superveniente pelo executado seria a configuração da denominada “preclusão consumativa”, que, nas palavras do respectivo acórdão, “garante a segurança das relações processuais e previne a criação de obstáculos para a conclusão efetiva do processo de execução”.

Ocorre que, poucos dias antes, a 2ª turma do STJ, ao apreciar o REsp 2.045.492/RJ (DJEN 20/12/2024), sob a relatoria do ministro Teodoro Silva Santos, também à unanimidade decidiu em sentido oposto e reconhecera a admissibilidade da exceção de pré-executividade a posteriori em execução fiscal, “desde que não se trate de reiteração de matérias já decididas em embargos à execução e estejam preenchidos os demais requisitos de cabimento”. O entendimento, portanto, ao contrário da orientação da 1ª turma do STJ, afastou o argumento de preclusão para a arguição incidental de defesas objecionais pelo executado.

O principal elemento para o dissenso jurisprudencial está pautado na interpretação do art. 16, § 2º, da lei 6.830/1980 (LEF - Lei de Execução Fiscal) adotada pela 1ª turma do STJ, que identifica regra especial de um regime preclusivo particular para as defesas na execução fiscal, distinguindo-o do regime geral do CPC. Referido dispositivo legal estabelece o seguinte: “no prazo dos embargos [à execução fiscal], o executado deverá alegar toda matéria útil à defesa, requerer provas e juntar aos autos os documentos e rol de testemunhas, até três, ou, a critério do juiz, até o dobro desse limite”.

Diversamente, a 2ª turma do STJ entende que a subsidiariedade da aplicação legal do CPC às execuções fiscais (art. 1º da LEF) não permite inferir uma distinção entre os respectivos regimes preclusivos.

As presentes reflexões propõem um exame crítico da quaestio iuris.

De início, importante destacar que, do emprego da expressão “preclusão consumativa” mencionada nos julgados cotejados, se deduzem na realidade dois fenômenos distintos: (i) a impossibilidade de formulação de argumentos incidentais posteriores à propositura dos embargos à execução fiscal (e antes de sua apreciação); e (ii) a eficácia preclusiva da coisa julgada formada por ocasião do julgamento dos embargos à execução, nos termos do art. 508 do CPC (“transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido”).

Em relação ao primeiro aspecto, a questão é menos tormentosa. Se o executado, após o ajuizamento de seus embargos à execução fiscal, pretende aditar incidentalmente a matéria de defesa, ainda que opte por uma eventual e imprópria “exceção de pré-executividade”, não se cogita de “preclusão consumativa”. Afinal, sendo possível a cumulação de temas defensivos arguíveis tanto na via incidental quanto em ação própria (como é o caso típico das matérias de ordem pública), o ajuizamento dos embargos à execução fiscal não tem per se o condão de impedir complementação posterior, desde que respeitados os respectivos prazos legais (arts. 329, I e II, e 771 do CPC e arts. 1º e 16 da LEF) e haja compatibilidade lógica entre as pretensões cumuladas. Nesse sentido, bastaria o juiz, em integral observância do contraditório, intimar o executado/embargante para promover a respectiva regularização formal e unificar a matéria defensiva na ação impugnativa.

Em relação ao segundo aspecto, que analisa a incidência de eventual eficácia preclusiva, a situação é mais complexa, a exemplo do dissenso que enseja o presente estudo. Ainda que haja preclusão temporal para o aditamento dos embargos à execução ou que já exista respectiva decisão de mérito transitada em julgado, o feito executivo fiscal admite a incidentalidade da defesa anteriormente não arguida nem decidida. Afinal, o art. 16, § 2º, da LEF estabelece a concentração de temas próprios da ação de embargos, e não do rito executivo em si. Entendimento contrário negaria tanto a autonomia dos embargos à execução quanto violaria a ampla defesa do executado na própria execução.

Afinal, os embargos do executado constituem demanda ou “ação” (embora dependente da execução) que, nessa qualidade, instaura relação jurídica processual autônoma, como identifica tradicionalmente a doutrina processual (cf. LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Embargos à Execução. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 131-2).

A rigidez preclusiva é calibrada pela necessidade de resguardar a integridade da prática dos atos processuais, autorizada a veiculação de questões dentro dos prazos legais justamente porque, caso não sejam concentradamente (no momento processual adequado) articuladas (regra da eventualidade), implicarão determinadas consequências na respectiva demanda (“ação”).

No entanto, fenômeno distinto da rigidez preclusiva que informa a regra da eventualidade, os influxos da coisa julgada relacionados à denominada eficácia preclusiva (art. 508 do CPC) restringem-se à ação de embargos à execução fiscal, e não todo e qualquer tema arguível na execução. Ampliar essa eficácia sobre o feito executivo significaria cercear a ampla defesa do executado, o que, a par de não conter previsão legal, viola a Constituição Federal (art. 5º, LV).

A eficácia preclusiva da coisa julgada, consoante informa a própria literalidade da lei, impede a dedução de “todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido” (art. 508 do CPC). Esse “pedido” singulariza, evidentemente, a pretensão deduzida em sede de embargos à execução fiscal, não outras pretensões dedutíveis em matéria objecional na execução propriamente dita. Conforme mencionado, a preclusão constitui técnica que dinamiza o procedimento e, sendo elemento dinâmico, estabelece um impedimento consequencial para a prática de atos associados a ônus processuais, cujas causas devem ser eficientes às finalidades ordenatória e estabilizadora do processo. Contudo, a preclusão não pode ser invocada sob argumentos contrassistêmicos às garantias constitucionais do processo.

Os limites para a admissão a posteriori da defesa incidental devem ser, portanto (e apenas), aqueles que qualificam o próprio interesse processual do executado no processo executivo. Não despropositadamente, aliás, abalizada doutrina propõe a adoção da expressão “objeção” à execução (cf. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Exceção de pré-executividade: uma denominação infeliz. In Temas de direito processual. 7. série. p. 119-21. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 119). Afinal, a denominada “exceção de pré-executividade” (rectius, objeção) constitui expediente processual, em prol do direito de ampla defesa do executado, para veicular todas as defesas fundadas nos requisitos do processo autônomo executivo (ou cumprimento de sentença, se for o caso) que o juiz deva conhecer de ofício, a qualquer tempo (arts. 485, § 3º, 771, e 803, parágrafo único, do CPC), sem dilação probatória e sem o sobrestamento dos atos satisfativos. A propósito, o CPC estabelece que “todas as questões relativas à validade do procedimento de cumprimento da sentença e dos atos executivos subsequentes poderão ser arguidas pelo executado nos próprios autos e nestes serão decididas pelo juiz” (arts. 518 e 771 do CPC).

Afinal, o incidente que excepciona in statu assertionis a própria executividade constitui autêntica “objeção” porque, a rigor, não corresponde a uma exceção em sentido estrito porque independe de alegação da parte (cognoscível ex officio), embora tenha a faculdade de formulá-la. Logo, o julgamento dos embargos à execução fiscal não desautoriza a arguição a posteriori de exceção de pré-executividade (rectius, objeção no feito executivo), desde que, evidentemente, o tema defensivo seja admissível na via incidental e ainda não tenha sido decidido.

Decerto, por ocasião de futura composição do dissenso interno, v.g. em julgamento de embargos de divergência, o STJ tornará a examinar detidamente a questão.

João Pereira Monteiro Neto
Doutor e mestre em direito processual pela Faculdade de Direito da USP. Membro efetivo do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Advogado. Sócio do Torreão Braz Advogados.

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