Na noite da última quarta-feira, 1/10/2025, a Câmara dos Deputados aprovou o PL 1.078/25 que modifica substancialmente as regras do IR - Imposto de Renda no Brasil, elevando a faixa de isenção para contribuintes com rendimentos mensais de até R$ 5 mil. Trata-se de uma mudança que impacta diretamente cerca de 15,5 milhões de brasileiros, proporcionando maior liberdade financeira para consumo e investimento pessoal.
Em suma, os principais pontos do PL 1.085 são
- Isenção do Imposto de Renda para rendas mensais de até R$ 5 mil: A proposta isenta do Imposto de Renda as pessoas físicas com rendimentos mensais de até R$ 5 mil, beneficiando diretamente cerca de 15 milhões de brasileiros.
- Desconto progressivo para rendas entre R$ 5 mil e R$ 7.350 mensais: Para contribuintes com rendimentos mensais entre R$ 5 mil e R$ 7.350, será aplicado um desconto progressivo no Imposto de Renda, reduzindo a carga tributária para essa faixa de renda.
- Instituição de tributação mínima para rendas elevadas: A proposta cria uma alíquota mínima de 10% para pessoas físicas com rendimentos tributáveis anuais superiores a R$ 600 mil, visando aumentar a contribuição dos super-ricos e equilibrar a arrecadação.
- Ampliação das deduções na Declaração de Ajuste Anual: O projeto amplia as deduções permitidas na Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda, incluindo despesas com educação, saúde e investimentos em títulos do agronegócio e no setor imobiliário.
- Aplicação do desconto também sobre o 13º salário: O desconto proposto será aplicado inclusive sobre o 13º salário, que tem tributação exclusiva na fonte, beneficiando os trabalhadores de forma adicional.
No entanto, como toda medida fiscal, a decisão tem múltiplas camadas de análise. Por um lado, há o evidente alívio para a população de baixa e média renda. Por outro, existem implicações econômicas para empreendedores, investidores e para a competitividade do país em médio e longo prazo. Este artigo busca explorar de forma detalhada essas vertentes, oferecendo uma análise abrangente que abrange aspectos econômicos, sociais e políticos, além de incluir perspectivas de especialistas do setor tributário.
Panorama atual do imposto de renda no Brasil
O Imposto de Renda é uma das principais fontes de arrecadação da União e tem papel central na política fiscal brasileira. Tradicionalmente, o IR é progressivo, ou seja, aqueles que ganham mais devem contribuir com uma porcentagem maior de sua renda. Apesar disso, a faixa de isenção historicamente permaneceu limitada, restringindo o alívio fiscal a uma parcela relativamente pequena da população.
Para se ter uma ideia, até pouco tempo atrás, a faixa de isenção era de aproximadamente R$ 1.903,98 por mês, ou R$ 22.847,76 ao ano. Com a aprovação da nova lei, essa faixa sobe para R$ 5 mil mensais, o que representa um aumento significativo e coloca milhões de contribuintes fora do pagamento do imposto sobre o salário.
Comparando internacionalmente, o Brasil ainda apresenta uma carga tributária relativamente alta sobre rendimentos de capital e empresas, enquanto a tributação sobre trabalhadores de baixa e média renda tende a ser menor, sobretudo em economias de países da América Latina. Esse novo ajuste busca corrigir distorções históricas e oferecer maior justiça fiscal, mas não sem criar desafios para o equilíbrio das contas públicas.
Benefícios diretos da ampliação da isenção
A medida de isenção do IR para quem recebe até R$ 5 mil mensais representa um alívio imediato para 15,5 milhões de brasileiros, permitindo que essas pessoas tenham maior renda disponível para consumo, educação, saúde e lazer. Estudos de economia comportamental indicam que aumentos na renda líquida tendem a estimular o consumo local, o que impacta positivamente o comércio e setores de serviços, gerando um efeito multiplicador na economia.
Por exemplo, trabalhadores que antes contribuíam com 7,5% de seus salários ao IR agora poderão utilizar esse valor para despesas essenciais ou investimentos pessoais, fortalecendo a demanda interna. Para famílias com orçamento apertado, mesmo pequenas economias podem significar acesso a alimentação de melhor qualidade, educação complementar ou a possibilidade de guardar recursos para emergências. Aém disso, a medida contribui para a redução de desigualdade social, pois retira uma carga proporcionalmente maior de pessoas de menor renda, enquanto os rendimentos mais elevados continuam sendo tributados progressivamente. Nesse sentido, a política pode ser considerada um passo em direção a maior equidade fiscal no país.
Compensação fiscal: Onde o governo busca recursos
Para que a medida seja financeiramente viável, o governo precisa compensar a redução de arrecadação proveniente da faixa de isenção. A principal estratégia adotada é a elevação da carga tributária sobre capital e empreendedores, incluindo lucros, dividendos e possíveis ajustes em impostos sobre patrimônio.
Essa compensação, embora necessária para manter o equilíbrio fiscal, traz desafios importantes. Tributos mais altos sobre investimentos e empreendedores podem reduzir a competitividade, desestimular novos negócios e limitar a capacidade de investimento de empresas que já enfrentam custos elevados e burocracia complexa.
A literatura econômica demonstra que ambientes fiscais excessivamente onerosos para o capital podem gerar migração de investimentos para países com tributação mais atrativa. Países como Chile e México, por exemplo, equilibraram políticas de alívio fiscal para trabalhadores com regimes de incentivos para empresas inovadoras (as conhecidas startups) e investidores, buscando estimular tanto o consumo interno quanto o investimento produtivo.
Perspectiva dos especialistas
Em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, o presidente do Tax Group, Luis Wulff, comentou sobre os impactos da decisão do IR. Segundo ele, os principais pontos de atenção incluem (i) Custos para investidores, eis que tributos mais altos podem reduzir o retorno esperado sobre investimentos financeiros e produtivos; (ii) risco para novos empreendedores, pois com o aumento de encargos sobre capital pode dificultar a abertura de empresas e reduzir a atratividade de setores inovadores; e, (iii) competitividade internacional, haja vista que ao operar em um país com carga tributária elevada em relação aos concorrentes pode tornar o Brasil menos competitivo, afetando a capacidade de atração de investimentos estrangeiros.
Esses pontos reforçam a necessidade de um equilíbrio cuidadoso entre alívio fiscal para a população de baixa renda e manutenção de um ambiente econômico saudável para empresas e investidores.
Impactos de longo prazo na economia
Embora a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda ofereça alívio imediato para milhões de brasileiros, é essencial analisar os impactos de médio e longo prazo sobre a economia. A redução da carga tributária sobre trabalhadores de baixa e média renda tende a aumentar o consumo interno, mas a compensação dessa perda de arrecadação por meio de impostos mais altos sobre capital e empreendedores pode gerar efeitos contrários sobre investimento, inovação e geração de empregos.
Um dos pontos centrais da discussão é a relação entre tributação e crescimento econômico. Estudos internacionais demonstram que ambientes com elevada carga tributária sobre o capital tendem a reduzir o fluxo de investimentos produtivos, afetando setores estratégicos da economia. Por exemplo, um estudo do Banco Mundial (World Bank Development Economics, 2022) evidenciou que países que equilibraram políticas de isenção para trabalhadores de baixa renda com regimes de incentivo ao investimento privado conseguiram combinar estímulo ao consumo com crescimento sustentável.
No contexto brasileiro, a medida pode criar um compromisso ou equilíbrio delicado (trade-off no jargão do mercado) entre justiça fiscal e competitividade econômica. Se, por um lado, mais pessoas terão maior renda líquida para consumo, por outro, empresas poderão enfrentar aumento nos custos de operação, e investidores podem buscar alternativas fora do país. Isso exige uma gestão fiscal estratégica e planejamento cuidadoso para evitar que o estímulo ao consumo seja compensado por retração de investimentos privados.
Estimativas de impacto econômico
Segundo economistas consultados pela Agência Brasil, a medida pode resultar em um aumento do poder de compra das famílias de baixa renda, contribuindo para a redução do endividamento e estimulando o consumo interno. Gilberto Braga, professor do Ibmec, destaca que "qualquer alteração de tributação que disponibilize mais renda para a população é refletida na melhoria do poder de compra"1.
Por outro lado, a compensação dessa redução de arrecadação por meio da elevação da tributação sobre rendimentos mais altos e dividendos pode ter efeitos adversos. Especialistas alertam para o risco de desestímulo ao investimento e à inovação, essenciais para o crescimento econômico sustentável.
Considerações sociais e políticas
Além do impacto econômico direto, a medida possui relevância significativa no campo social. A redução do IR para contribuintes com rendimentos até R$ 5 mil é uma política de redistribuição de renda, que busca diminuir desigualdades históricas. Em um país com elevada disparidade social, políticas fiscais voltadas para a redução da carga tributária sobre a população de baixa renda têm efeito direto na melhoria da qualidade de vida, acesso à educação e saúde, e no aumento da mobilidade social.
Politicamente, a medida tende a ser bem recebida pela população de menor renda, mas pode enfrentar críticas de setores empresariais e de investidores, que podem perceber a compensação fiscal como onerosa e impactante na competitividade. É importante destacar que qualquer política tributária deve equilibrar eficiência econômica com equidade social.
Além disso, políticas fiscais desse tipo influenciam o debate político sobre justiça tributária. Enquanto alguns defendem que os mais ricos devem suportar a maior parte da carga, outros argumentam que sobrecarregar o capital pode desestimular empreendedorismo e inovação, prejudicando o crescimento econômico sustentável.
Cenários alternativos e recomendações
Diante da dualidade entre alívio fiscal para trabalhadores e pressão sobre investidores, é essencial avaliar cenários alternativos e estratégias de mitigação. Algumas recomendações incluem (i) uma progressividade equilibrada com a criação de faixas de tributação adicionais sobre rendimentos médios e altos de forma gradual, evitando saltos abruptos que possam prejudicar a previsibilidade do ambiente de negócios; (ii) incentivos para investimento e inovação, mantendo regimes especiais para empresas em fase de arranque, pesquisa e desenvolvimento, garantindo que o aumento da carga sobre capital não inviabilize novos negócios ou projetos estratégicos; (iii) planejamento tributário eficiente em que empresas e investidores podem utilizar ferramentas de conformidade e planejamento fiscal legal para mitigar impactos, sem comprometer a arrecadação ou a competitividade; (iv) monitoramento contínuo em que o governo deve acompanhar de perto os efeitos da medida, ajustando a legislação conforme indicadores de consumo, investimentos e crescimento econômico.
Essas medidas buscam criar um equilíbrio entre justiça social e estímulo à economia, permitindo que o benefício aos contribuintes de baixa renda não seja compensado por retração nos investimentos ou diminuição da competitividade nacional.
Planejamento tributário e conformidade
Empresas e investidores devem adotar práticas de planejamento tributário eficientes, utilizando ferramentas de compliance e antecipando os impactos das mudanças legislativas. A antecipação estratégica pode mitigar riscos e aproveitar oportunidades no novo cenário fiscal.
Conclusão
Infelizmente, a alternativa encontrada pelo Brasil para manter o equilíbrio fiscal tem sido o aumento da tributação, especialmente sobre setores produtivos, o que torna o país menos competitivo e dificulta o crescimento das empresas. Na minha visão, o governo poderia alcançar um equilíbrio fiscal mais sustentável incentivando a instalação de novas empresas ou apoiando o desenvolvimento de empresas emergentes, sobretudo no setor de tecnologia, que agregam valor à economia e estimulam a inovação.
Um ponto central para o aumento sustentável da arrecadação é justamente o fomento à produção de bens com maior valor agregado, em vez de depender quase exclusivamente da exportação de produtos básicos (commodities). Ao transformar matérias-primas em produtos industrializados ou tecnologicamente avançados, o país amplia sua base de arrecadação sem sobrecarregar trabalhadores ou empresários. Além disso, a produção de bens com valor agregado gera empregos qualificados, fortalece cadeias produtivas locais e promove um ciclo virtuoso de crescimento econômico, tornando o Brasil mais competitivo internacionalmente e capaz de investir em inovação e desenvolvimento sustentável.
A ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda para rendimentos de até R$ 5 mil mensais representa um avanço na busca por maior justiça fiscal e redução da desigualdade social. No entanto, a compensação dessa medida por meio da elevação da tributação sobre rendimentos mais altos e dividendos levanta questões sobre o equilíbrio entre estímulo ao consumo e incentivo ao investimento.
O desafio para o Brasil será encontrar um modelo tributário que promova o bem-estar social sem comprometer o crescimento econômico sustentável. A implementação cuidadosa de políticas fiscais, aliada a um planejamento estratégico por parte de empresas e investidores, será crucial para alcançar esse equilíbrio.
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1 https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2025-10/economistas-e-setor-produtivo-veem-avanco-na-isencao-de-ir?utm_source=chatgpt.com