O STJ, em julgamento realizado em 7/10/25 (REsp 1.647.368/PE), reafirmou, de forma unânime, o entendimento no sentido de ampliar o alcance da responsabilidade fiscal de empresas e consórcios que contratam com o Poder Público, consolidando uma linha de jurisprudência que reforça os limites e a importância do planejamento tributário.
Nesse sentido, a decisão, proferida pela 2ª turma e relatada pelo ministro Marco Aurélio Bellizze, uniformiza o posicionamento entre os colegiados de direito público, uma vez que a 1ª turma já havia decidido no mesmo sentido meses antes.
No caso, o STJ reformou ao acórdão do TRF-5, que, por sua vez, havia afastado a decisão de Primeiro Grau, retirando do consórcio a responsabilidade pelas obrigações tributárias). Dessa forma, o STJ restabeleceu a cobrança de créditos tributários, afastados por instâncias inferiores, e reconheceu que consórcios empresariais - ainda que desprovidos de personalidade jurídica - podem responder diretamente por dívidas fiscais.
Fica evidenciada uma mudança de paradigma: a substância econômica das operações passou a prevalecer, de forma cada vez mais expressiva, sobre sua forma jurídica, em nome da efetividade da cobrança fiscal e da coerência com os princípios da legalidade e da moralidade tributária.
Entenda a decisão do STJ:
O relator fundamentou sua posição a partir de três dispositivos legais que, em conjunto, reconhecem a possibilidade de responsabilização e representação judicial dos consórcios empresariais, ainda que desprovidos de personalidade jurídica própria.
Inicialmente, mencionou o art. 75, inciso IX, do CPC, que expressamente admite que entes sem personalidade jurídica possam ser representados em juízo, conferindo-lhes, portanto, capacidade processual.
Em complemento, citou o art. 1º, §1º, da lei 12.402/11, que autoriza o consórcio a efetuar retenções tributárias e impõe responsabilidade solidária às empresas consorciadas quando tais obrigações forem assumidas pelo grupo.
A partir desses dispositivos, o relator vinculou o raciocínio ao art. 126 do CTN, segundo o qual pode ser sujeito passivo de obrigação tributária qualquer “unidade econômica ou profissional”, ainda que irregularmente constituída.
Em outras palavras, o dispositivo reconhece que, para fins tributários, o que importa é a existência de uma estrutura que exerça atividade econômica organizada, e não necessariamente a sua regular constituição jurídica. Assim, o cerne da decisão repousa sobre a premissa de que o consórcio, embora não possua personalidade jurídica própria, configura uma unidade econômica apta a contrair obrigações tributárias e a responder por elas, inclusive perante o Poder Judiciário.
A nova fronteira da responsabilidade fiscal:
No caso sob enfoque, o STJ acolheu os argumentos da Fazenda Nacional em recurso especial que questionava a desconsideração de fatos geradores legítimos.
A Procuradoria-Geral sustentou que o tribunal de origem havia violado os arts. 110 e 116 do CTN ao afastar a materialidade tributária de operações com nítido conteúdo econômico.
O STJ reconheceu que não há espaço para presunções de não incidência e que a autonomia do Direito Tributário deve prevalecer frente às categorias do Direito Privado.
O acórdão reafirmou que o tributo incide sobre a realidade econômica - e não sobre a forma contratual escolhida -, restabelecendo a exigibilidade da cobrança e reafirmando a integridade da arrecadação.
Responsabilização ampliada dos consórcios empresariais:
A jurisprudência recente vai além do caso concreto. Em decisão anterior, também de relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze, o STJ reconheceu que os consórcios empresariais possuem “personalidade judiciária” suficiente para figurar no polo passivo de execuções fiscais, com base no art. 126 do CTN, no art. 75, IX, do CPC e no art. 1º, § 1º, da lei 12.402/11.
A interpretação amplia o conceito de sujeito passivo, equiparando a “personalidade judiciária” à capacidade tributária passiva, de modo a permitir a cobrança direta de tributos mesmo contra entes sem personalidade jurídica.
Trata-se de entendimento que, embora busque a eficiência arrecadatória, impõe nova cautela na estruturação de consórcios e operações empresariais - sobretudo nos setores de infraestrutura, engenharia e energia, que tradicionalmente utilizam tais arranjos em contratos públicos.
Impactos nas contratações públicas:
O efeito prático dessas decisões é imediato: empresas e consórcios que pretendem participar de licitações, concessões ou parcerias público-privadas devem redobrar a atenção sobre a coerência entre forma jurídica e substância econômica.
Nos contratos administrativos, a regularidade fiscal é requisito não apenas de habilitação, mas de permanência. A nova jurisprudência indica que a simulação de neutralidade tributária ou o uso de estruturas artificiais poderá ensejar responsabilização solidária, exclusão de certames ou até rescisão contratual.
Essa orientação projeta-se como verdadeiro sinal de alerta ao mercado, exigindo revisão preventiva de planejamentos tributários e instrumentos contratuais.
A ausência de personalidade jurídica do consórcio já não é escudo contra a cobrança direta, e eventuais litígios entre consorciadas deverão ser resolvidos internamente, sob pena de bloqueio de receitas e comprometimento da execução contratual.
Integridade fiscal como diferencial competitivo:
Mais do que um debate sobre técnica tributária, o conjunto das decisões do STJ reflete uma postura institucional de valorização da integridade e da substância nas relações com o Estado.
No contexto da lei 14.133/21, que introduziu parâmetros de governança e compliance nas contratações públicas, a conformidade tributária deixou de ser mera formalidade documental: é hoje elemento estratégico de competitividade e fator de credibilidade empresarial.
Empresas que estruturam operações transparentes, mantêm escrituração contábil consistente e comprovam boa-fé fiscal não apenas reduzem o risco de autuações, mas se posicionam de forma sólida para disputar e manter contratos públicos em ambiente de crescente controle e accountability.
Resumo da ópera:
A substância das operações passou a definir o limite entre o planejamento legítimo e o abuso da forma jurídica.
O STJ reafirma uma mensagem clara: a integridade fiscal é indissociável da licitude econômica.
Para empresas e consórcios que atuam com o Poder Público, o recado é inequívoco: transparência tributária, governança e aderência à finalidade econômica são, mais do que nunca, condições de sobrevivência no mercado público.