Em julgamento recente, o CARF - Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, no processo 16327.720364/201985, decidiu, por maioria, afastar a exigência de IRPJ - Imposto de Renda Pessoa Jurídica sobre valores pagos a um diretor que, embora ocupasse cargo de administração na empresa, não figurava no quadro societário. O caso, envolvendo a Bradesco AssetManagement S.A. Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários, ganhou destaque por tratar de uma controvérsia recorrente na esfera tributária: a natureza dos pagamentos efetuados a administradores não sócios e sua dedutibilidade para fins de apuração do IRPJ.
O cerne da autuação fiscal residia na alegação de que dois pagamentos semestrais, cada um no valor de aproximadamente R$ 390 mil, teriam natureza de gratificação eventual e, portanto, não poderiam ser considerados despesas operacionais dedutíveis do lucro real da empresa. Para a Receita Federal, como não se tratava de remuneração mensal e contínua, mas sim de pagamentos fora da rotina tradicional, os valores extrapolariam os limites da dedução permitida pelo Regulamento do Imposto de Renda. A fiscalização entendeu que não havia habitualidade, tampouco vinculação direta com os serviços prestados, caracterizando-se, assim, como gratificações sujeitas à adição na base de cálculo do IRPJ.
No entanto, a defesa da empresa sustentou que os pagamentos possuíam natureza eminentemente remuneratória. Ainda que realizados em periodicidade semestral, os valores eram previamente ajustados, fixos e previsíveis, estando contratualmente estipulados de forma clara. Não se tratava, portanto, de qualquer liberalidade, bonificação eventual ou gratificação discricionária, mas sim de parcelas ordinárias, associadas ao desempenho regular do cargo de direção.
O voto vencedor da relatora, conselheira Ana Cláudia Borges de Oliveira, acolheu os argumentos da contribuinte. Para ela, a legislação vigente, em especial o art. 357 do RIR/1999 - Regulamento do Imposto de Renda, autoriza a dedução das remunerações pagas a administradores, inclusive os não sócios, desde que preenchidos certos requisitos: regularidade, habitualidade, fixidez contratual e vinculação aos serviços efetivamente prestados. A relatora destacou que, no caso concreto, os pagamentos estavam claramente inseridos na política remuneratória da empresa, sendo parte integrante da remuneração total pactuada com o diretor. Por isso, não poderiam ser tratados como gratificações eventuais.
A decisão foi tomada por maioria, vencidos dois conselheiros, e firmou o entendimento de que a dedutibilidade de remuneração paga a diretor não depende, necessariamente, de sua condição societária. O que importa, segundo o colegiado, é a natureza jurídica do pagamento: se caracterizado como retribuição contratual, fixa e prevista em instrumento formal, ainda que não mensal, poderá ser dedutível, afastando-se a incidência de IRPJ sobre a parcela em questão.
Esse posicionamento representa relevante precedente para o ambiente corporativo brasileiro, em especial no contexto de grandes empresas que mantêm estruturas administrativas complexas, com executivos externos ao quadro de sócios. A decisão do CARF oferece maior segurança jurídica para a estruturação das políticas de remuneração dos administradores, reforçando a possibilidade de desenhar modelos flexíveis de remuneração variável, diferida ou periódica, sem risco automático de glosa fiscal.
Na prática, o julgamento sinaliza que a fiscalização deve observar não apenas a frequência dos pagamentos, mas sobretudo a existência de contrato, a clareza dos critérios, a vinculação à prestação de serviços e a ausência de discricionariedade nos valores. Trata-se de um avanço importante para a previsibilidade fiscal, pois reconhece a validade de formas alternativas de remuneração, desde que adequadamente formalizadas e justificadas.
Para as empresas, o caso evidencia a importância de estruturar com precisão os contratos de trabalho e administração de seus executivos. É essencial que as condições de pagamento estejam descritas de forma clara e objetiva, com indicação dos valores, periodicidade e critérios de desempenho, quando aplicável. Além disso, os lançamentos contábeis devem refletir a natureza remuneratória das parcelas, evitando improvisações ou classificações ambíguas.
Outro ponto relevante é a necessidade de conservar documentos comprobatórios - como atas de reunião do conselho de administração, contratos de prestação de serviços ou termos de compromisso - que demonstrem a existência da obrigação de pagamento e afastem qualquer aparência de liberalidade. A fiscalização, como se sabe, tende a exigir prova documental robusta da natureza jurídica do desembolso realizado pela empresa.
Do ponto de vista do planejamento tributário, a decisão do CARF pode incentivar empresas a reavaliar seus modelos de remuneração de administradores e diretores. A possibilidade de desenhar sistemas de pagamento por metas, por semestre ou com remuneração diferida, sem o temor automático da glosa fiscal, amplia as alternativas de gestão estratégica de pessoas. Ao mesmo tempo, impõe a responsabilidade de manter um compliance tributário rigoroso, com especial atenção à documentação e à natureza jurídica dos contratos firmados.
Por fim, é importante destacar que, embora represente um precedente relevante, a decisão do CARF não tem efeito vinculante para os demais contribuintes. Cada caso será analisado à luz de suas particularidades. Ainda assim, o julgamento contribui para consolidar uma linha interpretativa mais razoável e aderente à realidade empresarial, reconhecendo que a diversidade de formas de remuneração não pode, por si só, justificar a negação do direito à dedução fiscal.
Em suma, o acórdão do CARF no processo 16327.720364/201985 reafirma a premissa de que a natureza jurídica do pagamento - e não apenas sua forma ou frequência - deve prevalecer na análise da sua dedutibilidade. Para empresários e gestores financeiros, trata-se de um importante alento no cenário de alta complexidade tributária, ao mesmo tempo em que reforça a necessidade de atenção à forma, ao conteúdo e à transparência dos contratos e políticas internas.