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Tema 1.079 do STJ e a modulação dos efeitos: Fragilização da segurança jurídica e da isonomia

A decisão sobre contribuições parafiscais gerou desigualdade entre contribuintes e fragilizou a segurança jurídica.

28/10/2025

O Tema 1.079 do STJ, julgado sob o rito dos repetitivos, tratou da limitação legal das contribuições parafiscais e alterou o entendimento anteriormente consolidado. A decisão trouxe uma modulação de efeitos com parâmetros inéditos, que geram impacto direto sobre o princípio da isonomia. Este estudo analisa os fundamentos dessa modulação e discute suas consequências para a segurança jurídica e a igualdade entre os contribuintes.

Os aspectos que envolvem a tese vinculante resultante do julgamento Representativo de Controvérsia, Tema 1.079/STJ, demonstram a violação à isonomia dos litigantes que decorre da modulação dos efeitos proposta pelo STJ.

O Tema, ainda em julgamento no STJ, travou a discussão sobre a possibilidade de limitar a base de cálculo das contribuições destinadas a terceiros (tais como SESI, SENAI, SESC, SENAC, SENAR, SEST) ao teto de 20 salários-mínimos.

Antes de 1986, a base de cálculo das contribuições sociais (inclusive as contribuições destinadas a terceiros) era limitada a 20 salários-mínimos, conforme previsto no art. 4º da lei 6.950/1981.

Porém, o advento do decreto-lei 2.318/1986, alterou essa regra, retirando essa limitação de 20 salários-mínimos - mas o fez expressamente apenas em relação à contribuição previdenciária da empresa (ou seja, o caput do art. 4º da lei 6.950/1981).

Diante disso, a controvérsia surgiu, pois, o § único do art. 4º, que trata das contribuições para terceiros (como SENAI, SESI, SESC, etc.), não foi expressamente revogado.

Apesar de o entendimento prevalente nos TRFs e no próprio STJ reconhecer a possibilidade de manutenção da limitação da base de cálculo das contribuições parafiscais a 20 salários-mínimos, a mesma Corte Superior, ao apreciar a matéria, agora no âmbito do Tema 1.079 dos recursos repetitivos, firmou tese em sentido contrário.

Na ocasião, a Corte Superior entendeu que o decreto-lei 2.318/1986 revogou integralmente o art. 4º da lei 6.950/1981, abrangendo tanto o caput quanto o parágrafo único, afastando, assim, a aplicação do referido teto às contribuições destinadas a terceiros. A conclusão representa overruling, alterando o quadro jurisprudencial quanto à matéria tratada, Como posto no voto da min. relatora Regina Helena Costa.

Com a modificação do entendimento majoritário, o STJ entendeu pela necessidade da modulação dos efeitos da decisão, como forma de preservação da segurança e estabilidade do cenário judicial, em especial, no âmbito tributário.

A modulação dos efeitos é um instituto processual que tem por finalidade delimitar o impacto das decisões proferidas pelas Cortes Superiores, que alteram o cenário jurisprudencial majoritário. Visa assegurar que os efeitos de uma decisão sejam aplicados de maneira equitativa, evitando que sejam proferidos resultados incalculados ou conflitantes, em decorrência da alteração abrupta da jurisprudência.

Na seara tributária, a modulação dos efeitos funciona como ferramenta de efetivação da isonomia entre os contribuintes, resguardando um tratamento igualitário.

Em que pese a finalidade do instituto seja a preservação da segurança jurídica, os critérios-jurídicos adotados no julgamento do Tema 1.079/STJ, vão de encontro ao princípio da igualdade - preceito constitucional.

De acordo com o voto da min. relatora Regina Helena Costa, acolhido pela maioria em plenário, a modulação dos efeitos foi proposta da seguinte forma: "(...) modular os efeitos do julgado tão-só com relação às empresas que ingressaram com ação judicial e/ou protocolaram pedidos administrativos até a data do início do presente julgamento, obtendo pronunciamento (judicial ou administrativo) favorável, restringindo-se a limitação da base de cálculo, porém, até a publicação do acórdão.

A modulação dos efeitos tutela os contribuintes da alteração imediata de entendimento, desde que tenham distribuído demandas judiciais/administrativas até a data do início do julgamento e tenham obtido provimento favorável. A estes preserva-se a limitação da base de cálculo e o direito a repetir os valores indevidamente recolhidos, até a data de publicação do julgamento.

Há condicionante não apenas temporal, mas subjetiva, relacionada à existência de uma decisão, judicial ou administrativa, favorável.

Esta condição representa uma inovação jurisprudencial, não havendo nos julgamentos das Cortes Superiores (em sede de Repercussão Geral ou Representativo de Controvérsia) parâmetros similares, que exijam provimento favorável para fins de enquadramento à ressalva do julgamento vinculante.

De forma dominante, a modulação dos efeitos dos julgamentos do STF e do próprio STJ tem como premissa a demarcação temporal, o que se assevera razoável para resguardar o direito pretendido e direcionar efeitos do entendimento vinculante.

O critério-jurídico utilizado no Tema 1.079/STJ é distinto, condicionando a existência de decisão favorável, o que representa uma inovação significativa em relação ao entendimento praticado pela Suprema Corte, no tocante à instrumentalização da modulação dos efeitos da decisão.

Inobstante a estranheza causada pelo condicionamento da modulação dos efeitos à existência de decisão favorável, deve-se aventar que com a afetação da matéria, houve a determinação de sobrestamento de todos os processos no âmbito nacional.

A determinação de suspensão das demandas foi proferida em Dez/2020, isto é, mais de três anos antes da publicação do acórdão paradigma. Na decisão de afetação da matéria, foi deliberado de forma unânime entre os ministros da 1ª sessão.

Logo, as demandas que foram distribuídas neste interim e aquelas que estavam em curso foram suspensas, o que inviabilizou que fossem proferidas novas decisões.

Há clara e inconteste contradição, vez que se determinou a suspensão das demandas, porém, com a finalização do julgamento, condicionou-se a aplicação da modulação dos efeitos a existência de decisão favorável.

Não há razoabilidade em se condicionar modulação dos efeitos à provimento favorável, quando a própria Corte Superior determinou que todos os processos permanecessem em suspensão até ulterior decisão de mérito.

Aqui, reside a violação ao princípio da isonomia.

Deve-se imaginar o seguinte cenário, duas empresas atuantes no mesmo ramo (não há diferença quanto a patrimônio, rendimento e atividade econômica), distribuem ações de forma quase simultânea.

A empresa “A” protocolou sua demanda na Vara Federal “Y”, teve a ação distribuída e processada, com decisão inaugural em curto lapso de tempo. Foi proferida decisão liminar favorável e, portanto, após a publicação do acórdão paradigma, esta se encontra favorecida pela modulação dos efeitos.

A empresa “B”, por sua vez, protocolou sua demanda na Vara Federal “W” (que tem maior volume de processos), teve a ação distribuída e processada. Entretanto, os autos ficaram conclusos para decisão por maior tempo, o que levou à imediata suspensão dos autos, por força da determinação da Corte Superior.

O processo foi suspenso e, portanto, não houve decisão favorável à empresa. Com o retorno de tramitação, a empresa não foi abarcada pela modulação dos efeitos.

Repita-se, empresas do mesmo ramo e que ajuizaram ação de forma quase que simultânea.

A alteridade nos provimentos e no direito reside em questão subjetiva e não relacionada a diligências administrativas, que estariam ao alcance das partes. O elemento determinante ao resultado neste caso vincula-se a uma questão puramente estrutural do Poder Judiciário, como, o tempo necessário para processamento e saneamento de demandas em cada órgão do Poder Judiciário.

A sistemática de julgamento representativo de controvérsia visa incitar a uniformidade jurisprudencial, evitando decisões contrárias em relação a um mesmo direito.

Neste interim, deve-se elencar o entendimento do doutrinador Daniel Mitideiro, que retrata a finalidade da formação de precedentes: O que se pretende com o precedente é dar unidade à ordem jurídica, estabelecendo qual é o significado da Constituição e da legislação federal em determinado contexto e qual é o seu alcance. Nessa linha, o precedente não resolve diretamente o caso, mas apenas indica qual é a estrada que, diante de uma questão idêntica ou semelhante, leva ao destino assinalado pelo direito.

Cumpre elencar que a afetação da matéria a julgamento repetitivo se deu em razão da controvérsia que se instaurava nos Tribunais e a disparidade de entendimentos, que culminava em decisões conflitantes.

Novamente, depare-se com violação à isonomia ao tratar demandas com data de distribuição distante e realizadas em Tribunais diferentes.

A exemplo, o TRF da 3ª região possuía entendimento dominante quanto ao reconhecimento do direito à limitação da arrecadação ao teto legal. As demandas ali processadas detêm resultados favoráveis, de forma expressiva. Logo, após a publicação do acórdão paradigma, os efeitos foram mantidos as ações ali processadas, nos moldes da modulação dos efeitos.

De outro lado, o TRF da 4ª região detinha entendimento quanto à revogação total do limite legal, o que fez com que as demandas ali processadas tivessem, em maioria, decisões contrárias à pretensão. Logo, se ausente decisão favorável, as demandas distribuídas dentro do marco temporal não foram abarcadas pelos efeitos.

Neste ponto, a violação à isonomia reside em elemento subjetivo: o entendimento conjugado por cada julgador, por cada Tribunal. A modulação dos efeitos, ironicamente, ao contrário do que se busca evitar, mantém decisões conflitantes.

Embora protocolada em tempo hábil, o êxito (ainda que apenas quanto aos efeitos da modulação), se relaciona à questão que depende do volume processual de cada órgão julgador, da morosidade do sistema judiciário ou do entendimento particular do Tribunal/Julgadores.

A modulação proposta conflita diretamente com o princípio da isonomia, de modo que, contribuintes/litigantes que estão na mesma condição (econômica, processual, de área de atuação), tenham provimentos diferentes, em uma questão com parecer vinculante.

Se a isonomia é violada, não há segurança jurídica com a tese vinculante, esvaziando a finalidade da modulação dos efeitos pretendida.

Conclui-se que, em que pese a assertiva determinação de modulação dos efeitos do julgado, o critério proposto no julgamento vinculante acabar esvaziar a finalidade do instituto: a preservação da segurança jurídica.

Os moldes adotados pela Corte Superior trazem inovação ao cenário dos precedentes vinculantes, ao estabelecer condicionante não relacionada às questões objetivas, como a distribuição ou a produção de efeitos pra frente, mas condicionamento subjetivo, relacionado à particularidade de cada processo.

O critério adotado - exigir decisão favorável prévia para resguardar o direito - introduziu condicionantes subjetivas e casuísticas, destoando do padrão tradicionalmente utilizado pelas Cortes Superiores, de caráter eminentemente temporal e objetivo.

Ainda que a uniformidade decisória seja preconizada em toda a estrutura do Poder Judiciário, ao ajuizar uma pretensão, submete-se a interpretação normativa de cada julgador. Antes da formação do julgamento que tem caráter vinculante por disposição legal, a temática submetia-se ao entendimento de cada Tribunal, de cada julgador.

Por esta razão, as demandas ostentam não apenas um processamento (relacionado ao sistema judiciário e os procedimentos administrativos, como distribuição, saneamento dos processos), mas um desdobramento distinto em razão do convencimento de cada órgão julgador.

Como corolário, os contribuintes/litigantes tem a premissa constitucional da igualdade violada, estando sujeitos a um tratamento diverso, ainda que em paridade de condições (legais, econômicas, sociais).

Ao estabelecer distinções entre litigantes em condições equivalentes, a decisão não apenas fragiliza o princípio da isonomia, mas também compromete a finalidade precípua da modulação: assegurar previsibilidade, estabilidade e uniformidade ao sistema de precedentes

Inobstante as considerações relacionadas a subjetividade da condicionante invocada, tem-se que no curso do julgamento vinculante, a Corte Superior esbarra em certa contradição. Determina que as demandas estejam suspensas até ulterior julgamento do leading case, para posteriormente, exigir provimento favorável para fins de modulação dos efeitos.

Em razão da determinação de suspensão das demandas, incontáveis processos deixaram de ser analisados de forma sumária. Se a tramitação se encontra suspensa, a pretensão de um provimento favorável (ainda que reversível), encontra-se impossibilitada.

Não há razoabilidade em se condicionar a modulação dos efeitos à obtenção de uma decisão, quando a própria Corte Superior determinou que tais provimentos não fossem praticados.

Acaba por se criar uma dimensão em que demandas com o mesmo objeto, com a mesma pretensão e com semelhança de litigantes tenham consequências diferentes, ainda que a vista de um precedente que tinha por função, vincular e equalizar o direito postulado.

Conclui-se, portanto, que os parâmetros inovadores fixados pelo STJ, ao invés de promoverem segurança jurídica, acabaram por criar disparidades entre contribuintes, reforçando a necessidade de reflexão crítica sobre os limites da atuação jurisdicional no delineamento da modulação dos efeitos e sobre o dever das Cortes Superiores de garantir igualdade material e tratamento uniforme a todos os jurisdicionados.

Nathália Fantinatti
Advogada na área Tributária do escritório Oliveira e Olivi.

Mariana Godoy
Advogada na área Tributária do escritório Oliveira e Olivi.

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