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Sócio, empresa e viabilidade econômica: Necessária identificação para a adequada preservação

TJ/SP confirma que credores podem penhorar quotas de sócios, reforçando autonomia patrimonial e preservação da atividade empresarial.

5/11/2025

Recentemente o TJ/SP reafirmou o entendimento sobre a possibilidade de o credor penhorar participação societária de devedor sócio em sociedade empresária em recuperação judicial, reforçando a distinção do patrimônio do sócio e da sociedade.

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. Decisão que determinou a penhora de quotas sociais de titularidade da parte executada. CABIMENTO: A penhora em questão é admitida em razão do disposto no art. 835, IX do CPC. Inexistência de impedimento legal para a penhora dos bens (art. 833 do CPC). Medida que independe da recuperação judicial da pessoa jurídica vinculada às referidas quotas. Decisão mantida. RECURSO DESPROVIDO.” (TJSP; Agravo de Instrumento 2265723-74.2025.8.26.0000; Relator (a): Israel Góes dos Anjos; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Privado; Foro de Birigui - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 28/10/2025; Data de Registro: 31/10/2025)

Mais do que confirmar a autonomia patrimonial da sociedade em relação ao sócio, a declaração da possibilidade de penhorar essa participação societária implica também reconhecer a possibilidade de a sociedade empresária continuar exercendo sua atividade empresarial independentemente dos sócios que integram sua sociedade, como também já foi antes reconhecido por aquele mesmo Tribunal:

“Com efeito, não há que confundir o patrimônio pessoal do sócio, constituído em parte pelas ações de emissão da recuperanda, que são objeto da adjudicação sub judice, com o patrimônio da pessoa jurídica em recuperação judicial, dada a autonomia patrimonial existente, corolário da alocação do risco empresarial. [...]

No mais, não há que se falar em violação ao princípio da preservação da empresa, haja vista que as alterações não implicarão na paralisação das atividades e embora o voto do credor agravado contrário ao plano tenha sido declarado abusivo, certo é quena condição de sócio, presume-se seu interesse na manutenção da atividade, cujo fiscalização será feita pelos credores e pelo AJ, de modo que eventuais atos ruinosos poderão ser objeto de discussão durante o prazo de fiscalização, sem prejuízo da aplicação de outras sanções pela prática de atos incompatíveis com o interesse da sociedade por parte do adjudicatário.” (trecho do acórdão em TJSP; Agravo de Instrumento 2214861-07.2022.8.26.0000; Relator (a): AZUMA NISHI; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Ribeirão Preto - 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 20/09/2023; Data de Registro: 21/09/2023)

A possibilidade de modificação do quadro societário/acionário de uma sociedade em recuperação judicial pode até mesmo contribuir com a preservação da empresa e o atingimento de sua função social, beneficiando credores, pois, a depender das circunstâncias em que a crise se instalou, pode viabilizar a inclusão de um agente econômico mais preparado para assumir a condução daquela atividade empresarial combalida, implementando uma gestão mais profissional e capaz de estabelecer mais diálogos com os credores, retirando qualquer subjetivismos e pessoalidades, conferindo a oportunidade à empresa de um turnaround menos traumático.

A importância desses precedentes se dá também por reforçar que o princípio da preservação da empresa deve se focar na garantia da preservação da atividade empresarial, que é desenvolvida pela sociedade empresária, não pelo sócio.

A viabilidade econômica de uma atividade empresarial deve estar atrelada à própria eficiência e competitividade da sociedade empresária no seu mercado, podendo ser a figura do sócio um fator relevante para esse sucesso, mas não se limitando a ele, sob pena de eventualmente a credibilidade da recuperação da atividade empresarial vincular-se a subjetivismos e liberalidades fora do controle dos credores, tornando ineficaz o próprio processo de recuperação.

Da mesma forma, como a preservação da empresa se dá para preservar empresas economicamente eficientes e viáveis, a identificação de sua inviabilidade, seja pela razão que for, com sua consequente falência, não pode ser obstada pela figura de seus sócios, por mais que haja a vinculação das figuras destes naquela, não se justificando impedir o rápido desfazimento da sociedade para evitar a imputação dos efeitos da falência aos sócios.

Em verdade, a rápida liquidação de ativos e o pagamento do maior número de créditos e/ou credores serve muito mais à função social da empresa do que a manutenção artificial de uma sociedade empresária que não é capaz de desenvolver sua atividade empresarial satisfatoriamente. Protelar a decretação/convolação da falência de uma empresa inviável corrói sua capacidade de liquidação e diminui as possibilidade de quaisquer credores, concursais ou extraconcursais, receber algum valor. O mesmo ocorre com os trabalhadores.

Liquidar com celeridade os bens da sociedade empresária inviável permite que estes bens possam retornar ao mercado para serem explorados por outros agentes econômicos mais eficientes, diminuindo os prejuízos do próprio setor econômico, que se torna apto a absorver aquela mão-de-obra dispensada, tratando-se a transferência de todo o acervo patrimonial para uma nova sociedade uma das formas de garantia da função social daquela atividade.

Concluindo, o respeito a autonomia dos sócios e sociedades e a rápida identificação da (in)viabilidade econômica da atividade, com ou sem a participação dos sócios originais, é fator determinante para a preservação da empresa, que pode se dar por um turnaround, por uma recuperação (judicial ou extrajudicial) ou mesmo pela falência.

Lucas Peron
Advogado da Mazzotini Advogados Associados.

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