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O cérebro por trás da beca: Neuroliderança no Direito

Descubra como a neurociência está transformando a liderança na advocacia - do cérebro à cultura, revelando o poder da mente na gestão de pessoas e resultados.

19/11/2025

Imagine um sócio de escritório diante de um caso complexo, uma equipe cansada e prazos que parecem intransponíveis. Entre reuniões, clientes e audiências, é preciso manter a serenidade, inspirar confiança e tomar decisões acertadas. Nesse instante, não é só o raciocínio jurídico que entra em cena, é o cérebro humano em pleno funcionamento.

Nos últimos anos, a neuroliderança vem ganhando força em diversas áreas do conhecimento e encontra no universo jurídico um terreno fértil. Ela parte de uma constatação simples e poderosa: liderar é, antes de tudo, entender o funcionamento da mente humana - a sua e a dos outros.

Como professora de Neurobusiness e uma das autoras do material de Neuroliderança da FGV, utilizo esse conhecimento constantemente nos treinamentos e programas de desenvolvimento em Organizações Jurídicas, além das mentorias individuais com líderes e sócios. Ver na prática como a neurociência ajuda advogados e gestores a compreenderem suas reações, aprimorarem o diálogo e criarem ambientes mais saudáveis é, sem dúvida, uma das maiores recompensas da minha trajetória.

A ciência confirma o que a experiência mostra todos os dias: liderar com consciência é liderar com base no cérebro. Pesquisadores demonstram que a neuroliderança é hoje um campo científico sólido, que une neurociência, psicologia e comportamento organizacional para explicar como tomamos decisões, gerimos emoções e criamos vínculos de confiança nas equipes.

No ambiente jurídico, essa integração é essencial. Escritórios e departamentos jurídicos são organismos de alta complexidade emocional e cognitiva, onde o estresse, a pressão e a necessidade constante de precisão podem facilmente drenar a energia mental dos times. Entender como o cérebro reage a esses fatores é o primeiro passo para desenvolver uma liderança consciente e sustentável.

O córtex pré-frontal, região responsável pelo julgamento e controle emocional, é o centro de comando da liderança racional. Mas sob forte pressão, o sistema límbico assume o controle e conduz o líder à reatividade. Isso explica por que, em situações de conflito, até os profissionais mais experientes podem perder o equilíbrio e adotar posturas defensivas. É o cérebro tentando se proteger.

A boa notícia é que esse mesmo cérebro pode ser reprogramado. A autogestão emocional, a consciência dos gatilhos internos e a empatia são habilidades que fortalecem as conexões neurais responsáveis pela clareza, escuta e resiliência. Segundo Anna Wziatek-Stasko (2020) compreender os mecanismos cerebrais é uma forma de humanizar a gestão, de transformar autoridade em influência genuína.

Estudos mostram que o engajamento nasce quando o cérebro se sente seguro. Os pesquisadores Zwaan, Viljoen e Aiken (2019) criaram o modelo EngageInMind, que relaciona o papel do líder em ativar redes cerebrais ligadas à confiança, ao propósito e ao pertencimento. Em outras palavras, quanto mais o líder jurídico gera segurança psicológica, mais sua equipe acessa o potencial criativo e estratégico.

Tenho observado isso de forma concreta nos treinamentos e mentorias que aplico em escritórios: quando sócios e coordenadores aprendem a reconhecer padrões cerebrais de reação, os seus e os dos outros, as conversas mudam de tom. Os conflitos diminuem, as decisões se tornam mais colaborativas e o ambiente ganha um clima de autenticidade e foco. O que era tensão se transforma em confiança. É ciência aplicada ao cotidiano da advocacia.

As publicações sobre neuroliderança cresceram significativamente na última década, especialmente em contextos de alta responsabilidade ética. O Direito está, portanto, no centro desse debate. Afinal, quem lida com justiça e comportamento humano precisa compreender também as engrenagens mentais que moldam atitudes, julgamentos e relações. Portanto, em um mundo jurídico cada vez mais competitivo e digital, o papel do líder não é apenas coordenar tarefas, mas regular estados mentais, inspirar confiança e promover significado. A liderança do futuro não será apenas técnica, será neuroconsciente. E quando isso acontece, os resultados são evidentes. Escritórios que investem em desenvolvimento humano, treinamentos neuroinformados e cultura de confiança constroem equipes mais engajadas, clientes mais satisfeitos e marcas institucionais mais fortes. O cérebro, afinal, responde à coerência, à empatia e à clareza.

Tenho visto esse movimento acontecer diante dos meus olhos: sócios que redescobrem o prazer de liderar, advogados que voltam a se conectar com o propósito e times que passam a cooperar com leveza. Tudo começa quando entendemos que, antes de sermos líderes, somos todos cérebros em interação. Como sintetiza o especialista e historiador David Rock, pioneiro do tema de neuroliderança, “entender o cérebro é o primeiro passo para liderar com o coração”. E talvez seja exatamente isso o que o mundo jurídico mais precise agora: menos rigidez e mais consciência; menos controle e mais conexão; menos hierarquia e mais humanidade.

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Fontes consultadas

Guarnier, K., & Chimenti, P. (2023). Advancing in the Neuroleadership Field: A Systematic and Integrative Review. Cad. EBAPE.BR.

Chen, Y., Liu, H., & Lee, M. (2025). Neuroleadership: Is a Miracle or a Mirage? Educational Management Administration & Leadership.

Zwaan, J., Viljoen, H., & Aiken, A. (2019). The Role of Neuroleadership in Work Engagement: EngageInMind Framework. SA Journal of Human Resource Management.

Lafferty, C., & Alford, K. (2010). SAM Advanced Management Journal.

Wziatek-Stasko, A. (2020). Neurolider – Nowy Wymiar w Organizacji. Human Resource Management.

International Journal of Organizational Leadership (2019).

Ísis Fontenele
Consultora, autora e professora. Foi presidente da Comissão de Gestão da OAB/GO (2016-2021) é reconhecida por ter criado o primeiro curso de pós-graduação em gestão para advogados no Brasil.

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