Migalhas de Peso

Encerramento irregular e ausência de bens: O risco de se institucionalizar a impunidade empresarial

Debate no STJ destaca que dissoluções opacas e patrimônio esvaziado podem indicar abuso estrutural, exigindo resposta firme para proteger credores e fortalecer a execução.

17/11/2025

O início do julgamento do Tema 1.210 pelo STJ, reacende debate essencial para a segurança jurídica e para a própria credibilidade do crédito no Brasil: a mera inexistência de bens penhoráveis e o encerramento irregular das atividades empresariais são suficientes para justificar a desconsideração da personalidade jurídica?

O STJ foi chamado a uniformizar a jurisprudência, definindo os parâmetros da teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, prevista no art. 50 do CC, e a analisar se é possível presumir o abuso da personalidade sem prova concreta - questão que afeta diretamente a efetividade da tutela executiva no país.

A ministra Nancy Andrighi, ao pedir vista, sinalizou posição a favor do dever de responsabilização patrimonial e combate à inadimplência estratégica. Em sua manifestação, destacou que a conjunção entre encerramento irregular das atividades e inexistência de bens penhoráveis pode ser, sim, suficiente para caracterizar abuso da personalidade jurídica - especialmente quando tais circunstâncias se combinam com o esvaziamento patrimonial deliberado da sociedade.

“Se dissermos que esses dois requisitos não são suficientes, ninguém mais vai pagar conta no Brasil. Basta fechar a empresa, desocupar o imóvel e começar de novo em outro lugar. Não ter bens é muito fácil.” - Ministra Nancy Andrighi.

A advertência é contundente: negar a possibilidade de desconsideração nesses casos é legitimar a impunidade empresarial e transformar a limitação de responsabilidade em um mecanismo de evasão.

A ineficiência estrutural entre obrigação e execução

Como demonstro em pesquisa no mestrado profissional em Direito dos Negócios da FGV Direito SP, o maior gargalo da Justiça brasileira não está na formação do título executivo, mas em sua execução prática.

Mais de 70% das execuções cíveis e empresariais fracassam por ausência de bens localizados - e esse fenômeno não é apenas estatístico: é sintoma de um sistema que estimula o desaparecimento empresarial como tática de defesa.

Quando o Judiciário entende que o encerramento irregular e a inexistência de bens são insuficientes para sequer instaurar o incidente de desconsideração, ele premia a estratégia de dissolução fraudulenta e pune o credor diligente.

A personalidade jurídica, nesse cenário, deixa de ser um instrumento de fomento econômico e passa a ser um álibi para o descumprimento contratual.

Eficiência jurídica como vetor de confiança econômica

A eficiência jurídica, eixo central do meu trabalho, deve ser compreendida como a capacidade do sistema de gerar resultados previsíveis, equilibrados e executáveis.

A liberdade de empreender pressupõe responsabilidade correlata.

Permitir que empresas encerrem suas atividades de forma irregular e deixem credores sem resposta corrói a confiança que sustenta o crédito e encarece o custo do dinheiro no mercado.

A posição da ministra Nancy Andrighi não amplia indevidamente o alcance da desconsideração - ela reequilibra a relação entre autonomia empresarial e responsabilidade patrimonial.

Ao reconhecer que a ausência de bens e o encerramento irregular constituem indícios objetivos de abuso, o STJ não estaria presumindo má-fé: estaria apenas reagindo à realidade empírica do mercado brasileiro, marcada por estruturas empresariais que se dissolvem para recomeçar sob nova razão social.

Reequilibrar o sistema é defender o crédito

A decisão final do Tema 1.210 será determinante para o futuro da recuperação de créditos e da governança empresarial.

Afinal, desconsideração da personalidade jurídica não é sanção moral - é instrumento de eficiência econômica, destinado a restaurar a justiça contratual e coibir o uso indevido da estrutura societária como escudo contra credores.

Em um país onde a inadimplência planejada se tornou estratégia, o verdadeiro risco está na omissão, não na responsabilização.

Mariana Zonenschein
Advogada e fundadora do escritório Zonenschein Advocacia.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Abertura de empresas e a assinatura do contador: Blindagem ou burocracia?

3/12/2025

Como tornar o ambiente digital mais seguro para crianças?

3/12/2025

Recuperações judiciais em alta em 2025: Quando o mercado nos lembra que agir cedo é um ato de sabedoria

3/12/2025

Seguros de danos, responsabilidade civil e o papel das cooperativas no Brasil

3/12/2025

ADPF do aborto - O poder de legislar é exclusivamente do Congresso Nacional

2/12/2025