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Apurar, deliberar e pagar: O marco temporal decisivo do PL 1.087/25 sobre dividendos

As alíneas do inciso XII do §1º do art. 16-A do PL 1.087 criam um marco temporal que pode evitar a tributação de dividendos. Este artigo detalha riscos e cuidados na virada de 2025.

19/11/2025

O PL 1.087/25, prestes a ser sancionado pelo presidente da República, inaugurou um dos debates mais sensíveis do Direito Tributário e Societário Contemporâneo: a criação do imposto de renda mínimo para altas rendas - um mecanismo que, na prática, abre a porta para a tributação de dividendos mediante o somatório de todos os rendimentos do sócio ou acionista.

Em meio ao caos regulatório causado pela reforma tributária, um ponto específico se destaca como um divisor de águas para empresários, contadores, advogados e administradores: as alíneas “a”, “b” e “c” do inciso XII do §1º do art. 16-A. São esses dispositivos que dirão quais dividendos escaparão da nova tributação e quais passarão a ser tributados a partir de 2026.

E é justamente aqui que surge o problema: muitos estão tratando apuração, deliberação, distribuição e pagamento como se fossem praticamente a mesma coisa, e isso pode custar muito dinheiro.

O objetivo deste artigo é separar esses conceitos, explicar o que cada etapa significa e mostrar o que estará juridicamente em jogo quando o relógio marcar 31/12/25.

1. O que dizem, na prática, as alíneas do PL 1.087/25

O PL estabelece que ficarão fora da nova tributação os lucros e dividendos (art. 16-A, §1º, inciso XII):

  1. Relativos a resultados apurados até 2025;
  2. Cuja distribuição tenha sido aprovada até 31/12/25 pelo órgão societário competente para deliberar essa matéria;
  3. Desde que o pagamento/crédito/emprego/entrega aconteça em 2026, 2027 ou 2028, conforme o deliberado até 31/12/25.

Simples? Longe disso.

Cada etapa depende da anterior - e nenhuma substitui a outra.

2. Apuração: O lucro pertence à empresa (e não aos sócios)

O ponto de partida é simples: quem aufere lucro é a pessoa jurídica, nunca os sócios. O lucro só existe após a apuração contábil, formalizada na DRE - Demonstração do Resultado do Exercício.

Regras essenciais:

O que a alínea “a” realmente abrange:

2.1 O mito da “antecipação de lucros” - e o risco real

A existência de lucros somente pode ser confirmada mediante a efetiva apuração do resultado. A simples análise do saldo bancário da empresa não é suficiente para caracterizar lucro contábil.

“Distribuir lucro sem apurar” é ilegal e explosivo sob três perspectivas:

2.1.1. Tributação (IN RFB 1.700/17)

Nos termos do art. 238, §4º, inexistindo lucros acumulados ou reservas de lucros em montante suficiente, o valor excedente distribuído - que não se qualifica como lucro - será considerado como base de cálculo para a incidência do imposto de renda exclusivamente na fonte à alíquota de 35%, conforme previsto no art. 61 da lei 8.981/1995.

2.1.2. Responsabilidade societária grave

2.1.3. Risco judicial

Credores da pessoa jurídica podem questionar retiradas indevidas que reduzam o caixa da empresa, comprometam sua capacidade de pagamento e impeçam o cumprimento de suas obrigações sociais.

Portanto, só existe distribuição se houver apuração válida na contabilidade.

3. Deliberação: Deliberar é diferente de registrar

A alínea “b” exige que a deliberação da distribuição - e não o registro da ata - ocorra até 31/12/25.

A deliberação é um ato formal por meio do qual um órgão colegiado, composto pelos sócios ou acionistas, decide sobre matérias previamente definidas na ordem do dia constante do edital de convocação. Essa deliberação deve ser realizada pelo órgão competente, conforme o tipo societário:

A decisão da deliberação precisa estar escriturada em ata, com todas as formalidades legais. Com a deliberação da distribuição de dividendos, deve-se proceder ao reconhecimento contábil, mediante o lançamento a crédito no passivo exigível da empresa, na conta de dividendos a pagar.

No caso de S.A. - sociedades anônimas, a deliberação prevista no PL 1.087 deverá ocorrer por meio de assembleia geral extraordinária ou, se houver previsão expressa no estatuto social, por deliberação da diretoria ou do conselho de administração.

3.1 Convocação - formalidades essenciais:

  1. Salvo disposição contratual em contrário, o edital de convocação deve ser publicado três vezes: uma no Diário Oficial, outra em jornal de grande circulação e a terceira em qualquer um dos dois veículos.
  2. Com 100% dos sócios presentes, dispensa-se convocação por edital.
  1. Fechadas com receita bruta anual de até R$ 78 milhões podem convocar com edital único na Central de Balanços do SPED.
  2. As demais devem observar os arts. 289 e 124 da lei 6.404/76.
  3. Com 100% dos acionistas presentes, a convocação é dispensada.

3.2 Quóruns relevantes para apuração intermediária e distribuição de lucros

Para alterar o estatuto social com vistas à previsão de balanço intermediário ou autorizar a declaração de dividendos pela diretoria ou pelo conselho de administração (art. 204 da lei 6.404/76), observam-se os seguintes quóruns:

Instalação da assembleia:

Deliberação:

Maioria absoluta de votos, tanto para aprovar a alteração do estatuto (balanço intermediário e autorização do órgão de administração) quanto para deliberar sobre a distribuição de lucros (art. 129 - maioria absoluta dos votos, ou seja, maioria simples).

Os quóruns aplicáveis são os seguintes:

Instalação da reunião ou assembleia:

Deliberação sobre distribuição de lucros:

Deliberação sobre alteração do contrato social:

Recomenda-se que a ata especifique o valor dos dividendos aprovados, porque isso será a primeira linha de defesa em futuras fiscalizações da RFB.

3.2.1 Previsão contratual de balanço intermediário

A apuração de lucros intermediários, por meio de balanço levantado fora do encerramento do exercício social, deve, preferencialmente, estar prevista no contrato social. Embora alguns profissionais defendam que essa exigência se aplica apenas às sociedades limitadas regidas supletivamente pela lei das sociedades por ações (lei 6.404/76), é recomendável que tal previsão conste expressamente no contrato social, independentemente da regência supletiva. Isso porque, em regra, a apuração de resultados ocorre anualmente, com base no exercício social compreendido entre 1/1 e 31/12. No entanto, nada impede que todos os sócios deliberem, em reunião ou assembleia, pela apuração intermediária dos resultados.

3.3 Deliberar não é registrar!

Embora o inciso XII do §1º do art. 16-A do PL 1.087/25 não exija expressamente o registro da ata, é fortemente recomendável que esta seja arquivada no órgão de registro competente, como, por exemplo, na Junta Comercial. Ainda que o registro não constitua requisito de validade da deliberação, ele é essencial para assegurar a oponibilidade perante terceiros (art. 1º, I, da lei 8.934/94), especialmente em contextos de eventual fiscalização pela Receita Federal.

No universo das sociedades empresárias, o registro dos atos societários é realizado perante as Juntas Comerciais, conforme disciplina a lei 8.934/1994, que trata do registro público de empresas mercantis. Esse registro tem como finalidade conferir publicidade, autenticidade, segurança e eficácia jurídica dos atos jurídicos das sociedades empresárias (art. 1º, I).

3.3.1 Sociedades limitadas: Formalização e registro

No caso das sociedades limitadas, o CC estabelece no art. 1.075 que a assembleia deve ser presidida e secretariada por sócios escolhidos entre os presentes. O §1º determina que seja lavrada ata dos trabalhos e deliberações, assinada pelos membros da mesa e pelos sócios participantes, em número suficiente para validar as decisões. Já o §2º dispõe que cópia autenticada da ata deve ser apresentada à Junta Comercial em até 20 dias após a reunião, para fins de arquivamento e averbação.

Embora o uso de livros sociais seja mais comum em sociedades de maior porte, o registro da ata - mesmo em sociedades limitadas que não possuem livros - é essencial para garantir a eficácia externa das deliberações, especialmente em contextos de fiscalização tributária.

3.3.2 Sociedades anônimas: Obrigatoriedade de registro no caso da assembleia geral ordinária

Nas sociedades anônimas, o registro da ata da assembleia geral ordinária, conforme previsto no art. 132 da lei 6.404/76, é obrigatório e deve ser formalizado junto à Junta Comercial. O art. 134, §5º da lei 6.404/76 determina que a ata da assembleia geral ordinária - que deve ocorrer até quatro meses após o encerramento do exercício social - seja arquivada no registro do comércio e publicada, ou seja, registrada na Junta Comercial.

Logo, pode-se concluir que, havendo deliberação sobre a distribuição de lucros por meio de assembleia geral extraordinária, também se impõe a obrigatoriedade de seu registro na Junta Comercial, a fim de assegurar sua eficácia perante terceiros.

3.3.3 O marco temporal: Deliberação até 31/12/25

Com a tramitação do PL 1.087/25, que introduz a tributação de dividendos a partir de 2026, o momento da deliberação societária torna-se um marco jurídico relevante. A alínea “b” do inciso XII do §1º do art. 16-A do projeto de lei exige que a deliberação sobre dividendos ocorra até 31/12/25. Importante destacar que o texto legal não exige o registro da ata até essa data, mas sim a realização da deliberação.

Nesse contexto, surge a dúvida: o registro pode ser feito em janeiro de 2026? A resposta é sim, desde que observadas as regras do art. 36 da lei 8.934/1994, que estabelece:

“Os documentos referidos no inciso II do art. 32 deverão ser apresentados a arquivamento na junta, dentro de 30 (trinta) dias contados de sua assinatura, a cuja data retroagirão os efeitos do arquivamento; fora desse prazo, o arquivamento só terá eficácia a partir do despacho que o conceder.”

Ou seja, se o registro for feito dentro de 30 dias da assinatura da ata, os efeitos jurídicos retroagem à data da deliberação, o que preserva a eficácia perante terceiros, inclusive para fins tributários.

3.3.4 Atenção às assinaturas eletrônicas e sistemas digitais de juntas comerciais

Com o avanço das Juntas Comerciais com os processos digitais e o uso de assinaturas eletrônicas, é necessário cautela. Embora o tema não esteja regulamentado nas instruções normativas do DREI - Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração, há orientações no Ofício Circular SEI 621/24/MEMP que trata data dos efeitos em processos digitais.

Cada Junta Comercial adota sistemas distintos, e a data da assinatura no sistema pode não coincidir com a data da deliberação. Assim, deliberar até 31/12/25 e registrar a ata apenas em janeiro, sem observar os requisitos normativos e dos sistemas, pode comprometer a eficácia retroativa do ato constante na chancela do ato societário, gerando insegurança jurídica e risco tributário.

3.3.5 Recomendações práticas

Caso a ata não seja registrada ainda em 2025, recomenda-se:

Esse cuidado formal pode ser determinante para assegurar que os dividendos deliberados até 31/12/25 permaneçam fora do alcance da nova tributação prevista para 2026, além de oferecer maior segurança jurídica em eventuais fiscalizações futuras por parte da Receita Federal.

4. Pagamento: A parte mais polêmica da alínea “c”

A alínea “c” permite que o pagamento/crédito/entrega ocorra até 2028.

Para LTDAs, isso é simples, exceto para àquelas regidas supletivamente pela 6.404/76. Para S.A.s, é um campo minado.

O choque normativo:

O art. 205, §3º, da lei 6.404/76 diz que:

O pagamento dos dividendos deve ser realizado em até 60 dias a partir da data da declaração. A assembleia pode deliberar prazo diferente, desde que o pagamento ocorra ainda dentro do mesmo exercício social.

O PL 1.087/25, no entanto, autoriza pagamentos até 2028.

Temos, portanto:

A tendência interpretativa é considerar que, para fins tributários, o PL prevalecerá.

Mas haverá risco de:

De qualquer forma, estando 100% dos acionistas presentes e tendo aprovado a deliberação, a probabilidade de anulação ou de qualquer questionamento futuro é baixa, salvo em caso de judicialização por parte de credor de acionista que busque cobrar dívida particular, especialmente se o acionista não possuir liquidez.

5. Conclusão

Quem entender a lógica das alíneas “a”, “b” e “c” salvará milhões em impostos - quem não entender, pagará!

O PL 1.087/25 não apenas cria o imposto de renda mínimo para altas rendas. Ele também cria uma corrida contra o tempo, onde:

Confundir esses conceitos pode resultar em:

Mas, para quem fizer tudo corretamente, o PL 1.087 abre uma janela inédita de planejamento societário e tributário, permitindo organizar lucros acumulados, distribuir dividendos de forma segura e blindar os sócios da futura tributação das altas rendas.

O empresário que ignorar o tema vai pagar mais imposto. Os advogados e contadores que se anteciparem às mudanças serão referência no planejamento societário e tributário.

Porque, no fim, a diferença entre pagar imposto e preservar patrimônio está justamente entre “apurar, deliberar, distribuir e pagar” - nessa ordem, e dentro do prazo.

Observação final

É importante destacar que, no momento da leitura deste artigo, pode ter ocorrido veto presidencial a trechos do PL 1.087/25 - inclusive à própria alínea “c” ou até ao inciso XII em sua integralidade.

Portanto, o projeto pode já ter sido sancionado com ajustes de última hora ou até sancionado exatamente na forma aprovada pelo Senado Federal.

Por isso, recomenda-se sempre consultar a versão final e oficial da lei, após sua publicação, antes de aplicar qualquer interpretação prática ou construir estratégias societárias e tributárias com base nos dispositivos analisados.

Diego Luiz Amorim
Formado em Direito, Contábeis e Administração, com pós em Societário e Empresarial e MBA em Gestão Pública. Diretor na JUCESC, professor e assessor nas áreas societária, contábil e tributária.

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