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Dano moral. Da necessidade de uma nova visão do tema pelos juízes

Discutimos neste artigo a importância do Poder Judiciário alterar radica o entendimento no que diz respeito ao dano moral e passar a majorar os valores indenizatórios.

21/11/2025
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É atribuída ao físico Albert Einstein a seguinte frase: "Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes."

É, basicamente, este o problema do dano moral no Direito brasileiro. Mesmo que saibamos que a indenização deve ter caráter dúplice, isto é, deve reparar o dano sofrido e, ao mesmo tempo, ser de tal monta expressiva que dissuada o agressor de reiterar neste tipo de falta.

A doutrina escrita pelos mais diversos juristas sobre o tema é enorme. Ocorre que, há mais de 20 anos, o Poder Judiciário se deixou paralisar - quando se depara com casos concretos - por um estado de pânico de propiciar uma espécie de enriquecimento sem causa à vítima.

(R$ 26.300,00/R$ 875,00 = 30,05)

Em resumo, infelizmente, com a atual sistemática do nosso Poder Judiciário, salvo raríssimas exceções, ações de reparação de danos ficarão limitadas sempre a profissionais "ruins".

Quando falamos profissionais "ruins", fazemos questão de colocar aspas nesta palavra. Costumamos dizer em nossas aulas que não há advogado bom e advogado ruim. O que existe, é o advogado que tem e o advogado que não tem condições materiais/financeiras para realizar um bom trabalho.

Não adianta queremos nos iludir, profissional algum tem como realizar um bom trabalho numa demanda que lhe pagará R$ 875,00.

Grandes corporações, sabedoras disso, prestam um péssimo serviço aos seus clientes, cientes de que - em grande parte dos casos - faltará fôlego financeiro a esses profissionais e seus clientes para levar uma demanda ao seu fim. Por outra, o valor irrisório de R$ 5000,00 para a indenização, que estabelecemos como média, seja mais ainda derrubada num acordo judicial da ordem de R$ 1.000,00 a R$ 2.000,00.

Não adianta teorizarmos. Lidamos aqui com fatos concretos. Não acreditem neste texto. Façam uma pesquisa, nesta plataforma, sobre o valor médio que tem sido deferido, pelos Tribunais, a título de danos morais.

Há um brocardo jurídico que gostamos de citar e aplica-se perfeitamente ao que aqui falamos: Ao juiz (e também ao jurista) não é dado desconhecer os fatos da vida.

Problema número 1): Indenizações de baixa monta estimulam a hiper judicialização por parte de empresas e da Fazenda Pública, com resultados nefastos para toda a sociedade

Saiu no dia 24/9/25 a notícia/matéria2 expondo que, mesmo com o aumento do volume das conciliações, o volume de processos no Brasil, assustadoramente alto, tem aumentado. Citamos abaixo:

O Poder Judiciário brasileiro homologou mais acordos em 2024 do que no ano anterior, mas o crescimento da conciliação como meio alternativo de resolução de conflitos não foi suficiente para fazer frente ao aumento de litígios e sentenças no país. (...)

(...) Em 2024, o Brasil registrou 4,6 milhões de sentenças homologatórias de acordo, um aumento de 372,7 mil em relação a 2023. Apesar disso, o percentual de casos resolvidos por conciliação caiu de 12,3% para 10,4%.

Trata-se do menor número da série histórica iniciada em 2015. O auge foi registrado em 2016, com 13,6% de acordos.

(E esse raciocínio, como demonstraremos, é errado sob o ponto de vista lógico e jurídico.)

Com isso, no maioria dos casos, indenizações contra empresas abertamente transgressoras/violadoras dos Direitos de seus clientes, são fixadas em valores irrisórios, da ordem de R$ 3.000,00 a R$ 10.000,00. Uma rápida consulta nos principais sites de pesquisa nos mostram, inexoravelmente a veracidade do quanto afirmado.

Aí começam os problemas.

Problema número 2): Qual advogado será estimulado a aceitar demandas desta natureza?

O Direito Moderno vive a era da especialização. Foi-se o tempo do advogado que atendia, em sua banca de advogados, ações falimentares, criminais, previdenciárias, trabalhistas, cíveis e de família.

Hoje a "moda" (por falta de palavra melhor) é termos escritórios que atendem nichos específicos da advocacia e do Direito. Neste sentido, então, o ideal é que tivéssemos escritórios focados em atender especificamente ações de reparações por danos morais, aquilo que nos EUA é chamado de punitive damages.

O nó górdio do nosso sistema, neste aspecto, reside no fato de que indenizações de baixíssimo valor não permitem que um escritório de advocacia sobreviva apenas com esse tipo de demanda.

Basta analisarmos: qual o valor médio de uma condenação por dano moral no Direito brasileiro. Com muito boa vontade, podemos falar em R$ 5.000,00. Pois bem, deste valor temos aí uma sucumbência (considerando eventuais honorários recursais) de 15% (1) da ordem de R$ 750,00. Como regra, um contrato de honorários prevê o pagamento de uma taxa de sucesso de 20% sobre o valor da condenação, o que daria a este - hipotético - Advogado o montante de R$ 1.000,00. R$ 1.750,00; considerando que a taxa de sucesso deste profissional seja de 50% de suas demandas, o mesmo ganhará, por processo, R$ 875,00 (oitocentos e setenta e cinco reais).

Mas, calma, calma que piora. Imaginemos então que nosso advogado especializado em ações de danos morais, pague entre aluguel, condomínio e IPTU do seu escritório a importância de R$ 1.000,00. Temos aí uma despesa anual, apenas com este item, da ordem de R$ 12.000,00. Ele também almoça, pressupomos. Façamos uma média diária de R$ 40,00 por refeição. Em cinquenta semanas úteis anuais, nosso profissional gastará R$ 10.000,00. Obviamente que ele também precisa assinar algum serviço de recortes de publicações, o que podemos acrescer a esta conta, mais R$ 1000,00 ao ano.

É certo que nosso colega, se ainda não desistiu do seu sonho de ser um Harvey Specter brasileiro, precisa atualizar-se minimamente. Digamos que entre livros e cursos ele gaste, anualmente, R$ 1.500,00. Claro que nosso profissional também precisa pagar a anuidade da OAB, em torno de R$ 1000,00. Por fim, ele precisará de um plano de internet mais telefonia celular, cujo custo mensal gravita em torno de R$ 150,00 por mês, o que nos dá R$ 1.800,00/ano.

Assim, temos que ele gastará, anualmente, apenas e tão-somente para manter seu escritório a importância de R$ 26.300,00 (vinte e seis mil e trezentos reais). Convenhamos, ninguém trabalha exclusivamente para pagar as despesas do seu escritório. O nome disso é pagar para trabalhar.

Pois bem, concordamos que o advogado do nosso exemplo ganha o valor médio de R$ 875,00 por ação em que trabalhe. Assim, numa divisão simples, temos que ele precisaria fazer 30 ações por ano apenas para manter seu escritório, presumindo que ele more no mesmo e não tome, sequer, café-da-manhã no seu dia a dia.

Problema número 3): Indenizações de baixa monta estimulam a hiper judicialização por parte de empresas e da Fazenda Pública, com resultados nefastos para toda a sociedade

Com efeito, este dado em nada nos surpreende. Por qual motivo um banco faria um acordo, cumpriria uma obrigação, melhoraria a prestação de seus serviços, se é mais barato (consequentemente, mais lucrativo) desrespeitar a lei, seus clientes e o próprio Poder Judiciário.

Ford Pinto. 50 anos do lead case

Tivemos, na década de 70 do século XX o Ford Pinto case, nos EUA. Já falamos sobre este caso, que é um marco na análise econômica do Direito. Em resumo, a Ford lançou um veículo compacto3, com baixíssima qualidade de construção, que resultou em diversas explosões, que ceifou/causou danos gravíssimos a diversos de seus condutores/passageiros.

Lee Iacocca, então CEO da Ford, assinou um parecer, que mais tarde se tornaria público (resultando num dos maiores escândalos corporativos de todos os tempos) orientando a montadora a não fazer qualquer tipo de acordo, visto que a projeção do somatório das [prováveis] ações judiciais custaria menos, aos cofres da empresa, que a realização do recall nos veículos produzidos.

Mais uma vez: se no país das indenizações milionárias uma grande corporação agiu desta forma (e estamos falando de um caso apenas, poderíamos falar também do Chevrolet Corvair, que teve um caso análogo, que gerou um livro do advogado Ralph Nader: Unsafe at any speed4), o que podemos esperar do Brasil, onde a imensa maioria das indenizações orbita a casa dos US$ 1000,00 a US$ 2.000,00? Para uma indenização a título de danos morais, no Direito brasileiro, chegar à casa dos US$ 20.000,00 a US$ 40.000,00 algo gravíssimo, como a morte de alguém, tem que ter acontecido.

Mais uma vez, repetimos:

Ao juiz, e ao jurista, não é dado desconhecer os fatos da vida.

Problema número 4: Bancos, e outras grandes corporações, judicializam tudo, o que entope o Poder Judiciário de trabalho, que seria desnecessário

Foi notícia, também em novembro de 2022, de que os bancos estariam na mira das seções de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo5.

Citamos entrecho da matéria:

De fato, os bancos estão na mira em São Paulo. Eles perdem a briga, mas caem atirando. “As instituições financeiras recorrem, invariavelmente, seja à delegação do recurso especial ou extraordinário, seja ao agravo interno. Um determinado tema liberou, de uma única vez, 50 mil processos e 80% a 90% deles viraram agravos internos. Vamos arredondar: os 50 mil viram cerca de 100 mil recursos. É um serviço insano, interminável”, diz Beretta da Silveira.

Se para os bancos a conduta é, financeiramente, boa, mormente por vivermos num país onde o sistema bancário é extremamente cartelizado, o mesmo não podemos dizer para o Poder Judiciário.

Da mesma forma que o advogado do exemplo anterior não tem como trabalhar de forma decente com valores irrisórios de honorários, é inviável pensarmos que o Poder Judiciário, com seus 16.000 magistrados, possa bem atender a sociedade tendo que lidar com centenas de milhares, quiçá alguns milhões de ações que simplesmente não precisariam existir.

E aqui temos um grave problema. Essas ações que não deveriam existir criam um gargalo de produção em nosso sistema de Justiça. Magistrados que poderiam estar alocados em áreas mais sensíveis à sociedade, como crimes financeiros e lavagem de dinheiro, combate à corrupção, combate ao crime organizado, dentre outros, são obrigados a julgar ações de danos morais por falhas nos sistemas de um banco X que já deveria ter sido corrigida.

Quantos crimes poderiam ser julgados se tivéssemos mais juízes alocados nas varas criminais, o que é impossível porque o Poder Judiciário tem que alocar uma quantidade enorme de Magistrados para julgar demandas que não deveriam existir, apenas e tão-somente porque empresas insistem em judicializar toda a e qualquer dívida que possuem.

Conclusão geral deste ensaio

O que podemos concluir, deste texto, é que aplicação efetiva do dano moral no Direito Brasileiro (e não estamos falando de exageros, não estamos falando de indenizações de milhões de reais, mas, por exemplo, que as indenizações sejam quadruplicadas ou quintuplicadas em relação aos standards atuais) teria o condão de fazer reduzir o número de demandas, o que seria útil, não apenas ao nosso sistema de Justiça, mas à sociedade e economia como um todo.

No limite, estabelecer-se-ia um círculo virtuoso onde até mesmo os bancos, os maiores litigantes do Direito Privado brasileiro, ganhariam, posto que um Judiciário mais focado no que realmente é importante à sociedade é um Judiciário mais ágil, algo que atrai o investidor e aumenta a circulação de recursos/dinheiro na economia, o que faria com que o sistema bancário lucrasse, ainda mais.

Este é um problema urgente. Não podemos mais tergiversar. Como dissemos acima:

Não podemos [nos dar ao luxo de] desconhecer os fatos da vida!

____________________________

(1) Esqueçam do parágrafo 8o-A do artigo 85 do Código de Processo Civil. Ele tem sido, na imensa maioria dos casos, solenemente ignorado por nossas Cortes de Justiça. Grosso modo, o parágrafo 8o-A do artigo 85 da Lei 13.105/2.015, estabelece que a sucumbência deve ser fixada ou com base na Tabela da OAB, ou em percentual sobre o valor da causa, devendo o magistrado aplicar, ao caso, o valor que for maior em favor do Advogado.

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

(...)

§ 8º-A. Na hipótese do § 8º deste artigo, para fins de fixação equitativa de honorários sucumbenciais, o juiz deverá observar os valores recomendados pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil a título de honorários advocatícios ou o limite mínimo de 10% (dez por cento) estabelecido no § 2º deste artigo, aplicando-se o que for maior. (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)

(2) LEGAL, Conciliar é. Conciliação cresce no país, mas ainda não consegue amenizar judicialização. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-set-24/conciliacao-cresce-no-pais-mas-ainda-nao-consegue-amenizar-jud...

(3) Este veículo, criado para fazer frente aos carros japoneses, deveria seguir o padrão 1000 X 1000, isto é, custar até US$ 1000,00 (em valores da época) e pesar até 1.000 quilogramas.

(4) NADER, Ralph. Unsafe at any speed (Inseguro em qualquer velocidade).

(5) JUSTIÇA, Anuário da. Bancos estão na mira da presidência da Seção de Direito Privado do TJ-SP. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-nov-11/bancos-mira-secao-direito-privado-tj-sp/

Autor

Paulo Antonio Papini Advogado em São Paulo. Mestre em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa. Pós-graduado em Processo Civil. Especialista em Direito Imobiliário. Professor. www.paulopapini.com.br

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