Não é novidade que o cenário de fraudes e desvios no setor público brasileiro exige uma reavaliação urgente dos mecanismos de prevenção e controle. Casos recentes, como a Operação Capgras na UFRJ, onde o desvio de verbas de pensões Federais financiava o crime organizado, demonstram a fragilidade dos controles internos e a alta sofisticação das condutas criminosas.
Diante disso, é imperativo que a Administração Pública adote uma abordagem de compliance efetiva e robusta.
Todavia, um programa de integridade nesse âmbito deve ser visto não apenas como uma ferramenta de gestão, mas principalmente como um escudo penal estratégico para a própria instituição e, o que é crucial, para seus gestores.
Isso não é sobre enxergar os protocolos de integridade como um caminho para a impunidade, mas, ao invés disto, reconhecer que, no setor público, ilícitos como peculato, corrupção, concussão e fraudes exploram vulnerabilidades sistêmicas na administração da coisa pública, demandando uma estratégia eficaz para mitigar os danos decorrentes de tais práticas criminosas.
Nessa linha, a Operação Capgras é um exemplo alarmante da interconexão entre o crime organizado tradicional e as fraudes administrativas, utilizando o aparato estatal como fonte estável de financiamento indireto, de modo que a ausência ou ineficácia do compliance no setor público cria um ambiente de implemento do risco criminal.
Portanto, sem a devida gestão de riscos, a instituição se torna um alvo fácil, exponenciando o prejuízo. Assim, os recursos desviados na UFRJ, estimados em mais de R$ 22 milhões, ilustram a infiltração das facções criminosas no Estado, elevando o nível de violência e insegurança social.
Pode-se considerar, nesse contexto, que o compliance efetivo, sob o viés criminal, atua em duas frentes cruciais: a primeira, visando a adequada delimitação da responsabilidade da instituição e protegendo, sobretudo, sua imagem, cuja preservação impacta, diretamente, a efetividade da prestação do serviço público.
Nesse sentido, a adoção de controles internos rigorosos, como a checagem cruzada de dados e a auditoria forense em processos de alta complexidade - os quais podem incrementar à exposição ao risco -, dificulta a prática de crimes.
Além disso, a imediata comunicação de ilícitos as autoridades competentes, aliada a colaboração ativa com as investigações evidenciam o papel de vítima ocupado pela instituição, afastando a conivência com o esquema fraudulento.
Outrossim, como segunda frente, tem-se a delimitação da responsabilidade criminal do gestor, função de especial relevância do compliance, sob a ótica individual, diante do forte apelo acusatório de imputar à pessoa física responsável pelo papel de gestão as condutas praticadas pela pessoa jurídica, especialmente em estruturas departamentalizadas, invocando a cegueira deliberada (Willful Blindness).
Isso porque o órgão de acusação, algumas vezes, utiliza-se da argumentação de que o gestor teria lançado mão de expedientes intencionais a fim de impedir que o observador externo constate o seu conhecimento acerca da prática de ilícitos, afastando a sua responsabilidade.
Assim sendo, o gestor público que atua com cuidado objetivo (zelo e diligência), utilizando-se de instrumentos que demonstram o cumprimento de seu dever de vigilância diante dos processos adotados nas rotinas institucionais, demonstra cumprir o seu papel frente as normas punitivas, esvaziando, em larga medida, a invocação de cegueira deliberada.
O compliance no setor público, destarte, não pode ser visto como um custo burocrático, mas sim como um investimento estratégico e uma necessidade institucional para estruturas que lidam com rotinas complexas de gestão, em especial pelo fato de que, diferente da iniciativa privada, o dano à coisa pública afeta a um número indeterminado de pessoas, maculando a imagem institucional e a confiabilidade do cidadão no Estado.
A proteção do erário e a defesa da própria reputação da instituição e de seus gestores dependem da capacidade de identificar, mapear e neutralizar os riscos criminais.
Diante disso, a experiência da Operação Capgras reforça a premissa de que a vigilância ativa é o único antídoto eficaz contra a criminalidade que se infiltra nas estruturas do Estado.