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Gestão de riscos criminais no setor público

Um programa de integridade nesse âmbito deve ser visto não apenas como uma ferramenta de gestão, mas principalmente como um escudo penal estratégico para a própria instituição.

25/11/2025

Não é novidade que o cenário de fraudes e desvios no setor público brasileiro exige uma reavaliação urgente dos mecanismos de prevenção e controle. Casos recentes, como a Operação Capgras na UFRJ, onde o desvio de verbas de pensões Federais financiava o crime organizado, demonstram a fragilidade dos controles internos e a alta sofisticação das condutas criminosas.

Diante disso, é imperativo que a Administração Pública adote uma abordagem de compliance efetiva e robusta.

Todavia, um programa de integridade nesse âmbito deve ser visto não apenas como uma ferramenta de gestão, mas principalmente como um escudo penal estratégico para a própria instituição e, o que é crucial, para seus gestores.

Isso não é sobre enxergar os protocolos de integridade como um caminho para a impunidade, mas, ao invés disto, reconhecer que, no setor público, ilícitos como peculato, corrupção, concussão e fraudes exploram vulnerabilidades sistêmicas na administração da coisa pública, demandando uma estratégia eficaz para mitigar os danos decorrentes de tais práticas criminosas.

Nessa linha, a Operação Capgras é um exemplo alarmante da interconexão entre o crime organizado tradicional e as fraudes administrativas, utilizando o aparato estatal como fonte estável de financiamento indireto, de modo que a ausência ou ineficácia do compliance no setor público cria um ambiente de implemento do risco criminal.

Portanto, sem a devida gestão de riscos, a instituição se torna um alvo fácil, exponenciando o prejuízo. Assim, os recursos desviados na UFRJ, estimados em mais de R$ 22 milhões, ilustram a infiltração das facções criminosas no Estado, elevando o nível de violência e insegurança social.

Pode-se considerar, nesse contexto, que o compliance efetivo, sob o viés criminal, atua em duas frentes cruciais: a primeira, visando a adequada delimitação da responsabilidade da instituição e protegendo, sobretudo, sua imagem, cuja preservação impacta, diretamente, a efetividade da prestação do serviço público.

Nesse sentido, a adoção de controles internos rigorosos, como a checagem cruzada de dados e a auditoria forense em processos de alta complexidade - os quais podem incrementar à exposição ao risco -, dificulta a prática de crimes.

Além disso, a imediata comunicação de ilícitos as autoridades competentes, aliada a colaboração ativa com as investigações evidenciam o papel de vítima ocupado pela instituição, afastando a conivência com o esquema fraudulento.

Outrossim, como segunda frente, tem-se a delimitação da responsabilidade criminal do gestor, função de especial relevância do compliance, sob a ótica individual, diante do forte apelo acusatório de imputar à pessoa física responsável pelo papel de gestão as condutas praticadas pela pessoa jurídica, especialmente em estruturas departamentalizadas, invocando a cegueira deliberada (Willful Blindness).

Isso porque o órgão de acusação, algumas vezes, utiliza-se da argumentação de que o gestor teria lançado mão de expedientes intencionais a fim de impedir que o observador externo constate o seu conhecimento acerca da prática de ilícitos, afastando a sua responsabilidade.

Assim sendo, o gestor público que atua com cuidado objetivo (zelo e diligência), utilizando-se de instrumentos que demonstram o cumprimento de seu dever de vigilância diante dos processos adotados nas rotinas institucionais, demonstra cumprir o seu papel frente as normas punitivas, esvaziando, em larga medida, a invocação de cegueira deliberada.

O compliance no setor público, destarte, não pode ser visto como um custo burocrático, mas sim como um investimento estratégico e uma necessidade institucional para estruturas que lidam com rotinas complexas de gestão, em especial pelo fato de que, diferente da iniciativa privada, o dano à coisa pública afeta a um número indeterminado de pessoas, maculando a imagem institucional e a confiabilidade do cidadão no Estado.

A proteção do erário e a defesa da própria reputação da instituição e de seus gestores dependem da capacidade de identificar, mapear e neutralizar os riscos criminais.

Diante disso, a experiência da Operação Capgras reforça a premissa de que a vigilância ativa é o único antídoto eficaz contra a criminalidade que se infiltra nas estruturas do Estado.

Leonardo Tajaribe Jr.
Advogado Criminalista. Especialista em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM). Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal (UCAM).

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