1. Introdução
A crise da execução civil é tema recorrente na doutrina processual contemporânea. Como ressalta Daniel Amorim Assumpção Neves, a execução deve ser compreendida como a fase em que o processo alcança a sua finalidade prática: a satisfação concreta do direito do credor. De nada adianta, ensina o autor, reconhecer-se um direito em sentença se, ao final, permanece a máxima do “ganhou, mas não levou”, em que a tutela jurisdicional se esvazia pela ausência de efetividade dos meios executivos e pela frequente alegação de inexistência patrimonial do devedor para solver a dívida.
Os dados do Justiça em Números/CNJ reforçam esse cenário: mais de 50% do acervo nacional é composto por processos de execução, muitos deles frustrados, o que leva a necessidade de uma análise apurada acerca dos meios executivos, sua efetividade na proteção do direito de crédito, bem como seus impactos econômicos no país.
Tendo em vista esse panorama, o Poder Legislativo tem se debruçado sobre projetos de reforma da execução civil, destacando-se a proposta de desjudicialização (PL 6.204/19), que busca transferir aos cartórios parcela dos atos executivos. Esse movimento encontra inspiração em modelos estrangeiros, primordialmente, no modelo português, em que as medidas constritivas foram transferidas ao agente de execução, semelhante ao que aconteceu na França, Bélgica e Luxemburgo.
Acerca da predominância da desjudicialização da execução cível no continente europeu, leciona o conspícuo processualista, Humberto Theodoro Júnior (2024): “Fácil concluir que o direito europeu moderno, se não elimina a judicialidade do cumprimento de sentença, pelo menos reduz profundamente a intervenção judicial na fase de realização da prestação a que o devedor foi condenado. Tal intervenção, quase sempre, se dá nas hipóteses de litígios incidentais surgidos no curso do procedimento executivo”.
É nesse cenário de busca por efetividade e racionalização, inspirada, fundamentalmente, no modelo europeu, que o CNJ vem assumindo protagonismo, sobretudo com a criação de algumas ferramentas inovadoras, como é o caso do SNIPER - Sistema Nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos. Trata-se de ferramenta tecnológica que tem como objetivo reduzir o número de execuções frustradas, por meio da busca patrimonial, mas também restabelecer a confiança no cumprimento das decisões judiciais, elemento essencial para a segurança jurídica, para a atração de investimentos e para o fortalecimento da economia.
2. Evolução histórica da execução civil no Brasil
A evolução da execução civil no Brasil revela um percurso marcado por transformações estruturais, orientadas pela busca da efetividade, da racionalização procedimental e da superação do histórico distanciamento entre o direito reconhecido em juízo e sua realização concreta. Tradicionalmente, o sistema executivo brasileiro conviveu com entraves de ordem formal, excessivo apego ao procedimento e baixa instrumentalidade, o que gerava o conhecido fenômeno da “inefetividade crônica da execução”, denunciado há décadas pela doutrina processual.
2.1. O CPC de 1973: Sistematização, mas ainda insuficiência estrutural
Na feitura do CPC de 1973, com enorme influencia exercida pelo seu principal autor, Alfredo Buzaid, que foi responsável pela inserção de institutos modernos, oriundos do Direito Europeu, o que levou ao ápice da fase cientificista, que garantiu, por sua vez, a autonomia do Direito Processual em relação ao Direito Material, com a suplantação da fase precedente - fase sincretista.
Mormente o déficit democrático, já que constituído no período da ditadura militar brasileira, não há como tergiversar que o CPC de 1973 talvez tenha sido o código mais cientifico entre as codificações nacionais, com a inclusão de institutos que deram uma nova roupagem ao processo civil, marcado, agora, pelo rigor científico, que teve como influência originária o brilhante processualista Italiano, Tulio Enrico Liebman, tendo este influenciado diversos juristas, dentre os quais, José Frederico Marques, Luís Eulálio de Bueno Vidigal, Alfredo Buzaid e Cândido Rangel Dinamarco.
Com o advento do CPC/1973, houve inegável aprimoramento técnico. A execução passou a ser mais sistematizada, calcada, sobremaneira, na especialidade do provimento jurisdicional. Ora, decorrente do rigor científico, não se imaginava a prestação da atividade jurisdicional executiva como uma mera fase, pois primava-se pela especialidade da demanda, primeiro se conhecia - juízo de cognição, depois se executava, com meios e instrumentos próprios.
Partia-se da premissa que uma atividade especializada poderia produzir melhores resultados, já que existiam características próprias da atividade executiva que as distinguiam da atividade cognitiva, clássica do processo de conhecimento, como vaticina o professor Cândido Rangel Dinamarco.
Todavia, é patente que a execução, instaurada por meio de um processo autônomo, impedia, muitas vezes, a celeridade necessária para a concretização do direito do vencedor, que após ao longo percurso inerente ao processo de conhecimento, tinha que manejar um novo processo, agora, visando a satisfação do direito, já que como bem pontua o insigne processualista, Araken de Assis (2024), maior estudioso da execução civil no Brasil, a atividade executiva é, eminentemente, uma atividade de campo, já que inerente a entrega do bem da vida ao jurisdicionado.
Ao longo da vigência do CPC/1973 foram inseridas diversas alterações legislativas visando o aprimoramento da prestação jurisdicional, com ênfase na sua efetividade, pois processo justo é processo efetivo, pontuava a doutrina especializada. Então, porque não retomar a execução forçada no âmbito do mesmo processo, por meio de uma fase subsequente a fase de conhecimento, foi o que permitiu a lei Federal 11.232 de 2005.
Segundo se prospecta da exposição dos motivos exaradas pelo então ministro da Justiça, Márcio Tomaz Bastos, acerca da lei Federal 11.232 de 2005 “As teorias são importantes, mas não podem transformar-se em embaraço a que se atenda às exigências naturais dos objetivos visados pelo processo, só por apego a tecnicismo formal. A velha tendência de restringir a jurisdição ao processo de conhecimento é hoje ideia do passado, de sorte que a verdade por todos aceita é a de completa e indispensável integração das atividades cognitivas e executivas”.
Como destaca Humberto Theodoro Júnior (2024), visando a superação de alguns entraves, inclusive, a superação do formalismo excessivo, que muitas vezes, obstava a efetividade das medidas executivas, “Em termos práticos o que a nova concepção do cumprimento de sentença objetivou foi simplesmente evitar que o credor, exequente, como fazia no passado, depois de percorrido o árduo processo de conhecimento, e de ter logrado êxito, a duras penas, uma sentença passada em julgado, tivesse que voltar a juízo com a instauração de um novo processo, para obter, de forma prática, o seu direito”.
2.2. O CPC/15 e a consolidação da “execução contemporânea”
O CPC/15 representa o ponto culminante da evolução da execução civil no Brasil. Entre os marcos mais relevantes:
- Unificação procedimental
A distinção entre processo de conhecimento e de execução foi praticamente apagada nos títulos judiciais, consolidando o cumprimento de sentença como fase processual, e não como novo processo.
- Fortalecimento da atipicidade executiva (art. 139, IV)
O CPC/15 consagrou o poder do juiz de determinar medidas executivas atípicas - como suspensão de CNH, bloqueio de cartões, restrição de participação societária -, quebrando paradigmas históricos do sistema, através de uma leitura, as vezes, criticável do art. 139 do diploma processual em vigor.
- Prioridade à tutela efetiva e cooperativa
O modelo cooperativo implementado pelo art. 6º elevou a efetividade da execução à condição de valor constitucional, impondo ao juiz, às partes e a terceiros deveres positivos de colaboração.
- Racionalização das defesas do executado
O CPC retirou o efeito suspensivo automático dos embargos, exigiu garantia do juízo e reduziu margens para incidentes infundados.
- Integração tecnológica e mecanismos de busca patrimonial
A partir de CNJ, BACENJUD, RENAJUD, INFOJUD e posteriormente SNIPER, deu-se um salto qualitativo na localização de ativos.
2.5. A fase tecnológica: Do BacenJud ao SNIPER e à inteligência artificial judicial
Nos últimos anos, a execução brasileira ingressou em uma fase tecnológica-estrutural, marcada por:
- CNIB - Central Nacional de Indisponibilidade de Bens;
- SNIPER - Sistema Nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos.
Essa evolução permitiu ao Poder Judiciário abandonar o modelo passivo e cartorial e adotar postura proativa, investigativa e integrada, ampliando o grau de efetividade e conferindo maior segurança jurídica ao crédito.
Em arremate, como bem exorta Humberto Theodoro Júnior, em termos práticos o que a nova concepção do cumprimento de sentença objetivou foi simplesmente evitar que o credor, exequente, como fazia no passado, depois de percorrido o árduo processo de conhecimento, e de ter logrado êxito, a duras penas, uma sentença passada em julgado, tivesse que voltar a juízo com a instauração de um novo processo.
3. A crise da execução civil e a busca por efetividade
A doutrina processual contemporânea - notadamente Renata Vieira Cortez, Flávia Pereira Ribeiro, Flávia Hill, Marcelo Abelha Rodrigues, Araken de Assis e Humberto Theodoro Júnior, entre outros, tem apontado que o principal gargalo do Poder Judiciário está na fase executiva, onde as decisões definitivas esbarram na incapacidade de localização dos bens do devedor.
Inclusive, é o que se colima ao analisar os dados do anuário justiça em números do CNJ. Mais da metade dos processos parados são decorrentes da fase executiva ou do processo autônomo de execução, como já destacado em linhas pretéritas.
A grande questão, ou porque não dizer o ponto nodal, figura no âmbito da discussão se a solução passa pela transferência dos atos executivos do Poder Judiciário para a seara extrajudicial, por meio do agente de execução, como prevê o PL 6.204/19, que tramita no Senado Federal, influenciado, sobremaneira, pelo Direito português.
Ora, segundo Marcelo Abelha Rodrigues (2024), em sua obra magnífica sobre execução civil, reduzir a efetividade da tutela executiva a ineficiência das medidas tomadas no âmbito judicial, seria reduzir a complexidade dos fatores que levam a frustração dos atos executivos, pois, o que mais parece, é que tal frustração é decorrente de uma crise patrimonial, e não da medida executiva em si.
Corrobora para este entendimento, Araken de Assis, que dispensa qualquer tipo de apresentação, é a maior autoridade do tema no país, ao discorrer que a execução civil esbarra em dois grandes entraves: a limitação do direito material, já que para a efetividade dos atos executivos é essencial a existência de patrimônio disponível ou penhorável, o segundo, a questão de ordem econômica, pois não existe patrimônio, ou seja, não há capacidade do devedor-executado pagar a dívida.
Neste cenário, pode se destacar alguns fatores estruturais como empecilho a efetividade da tutela executiva:
- Dispersão de informações patrimoniais;
- Limitações de ordem material;
- Mecanismos fraudulentos de ocultação de patrimônio;
- Lentidão no cumprimento de ordens de bloqueio e penhora;
- Ausência de interoperabilidade entre bancos de dados.
Assim, para tentar, pelo menos, superar alguns destes entraves, sobressai a utilização de ferramentas tecnológicas para garantir a efetividade dos atos executivos, bem como a proteção adequada do direito de crédito, garantindo a credibilidade econômica do país.
4. O papel do CNJ na modernização da execução civil
O CNJ, por meio do Programa Justiça 4.0, assumiu protagonismo ao criar o SNIPER - Sistema Nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos. Sua finalidade é superar justamente o ponto mais crítico da execução: a localização célere, integrada e inteligente do patrimônio do devedor.
Entre as funções institucionais exercidas pelo CNJ estão a coordenação das políticas judiciárias e o aprimoramento da eficiência do sistema de justiça (art. 103-B, CF). O SNIPER concretiza essa missão ao promover:
- Integração entre bases públicas e privadas;
- Racionalização de procedimentos;
- Redução de burocracia na expedição de ofícios;
- Uso de inteligência de dados e visualização em grafos.
Assim, o CNJ torna-se agente de modernização e eficiência, alinhado aos princípios da duração razoável do processo e da efetividade da tutela jurisdicional, por isto, como bem pontuam Fredie Didier Júnior e Leandro Fernandez (2025), o CNJ, hoje, age como uma “agência de controle” do sistema de justiça.
5. O SNIPER e seus avanços: Um salto na efetividade executiva
O SNIPER é considerado a maior inovação tecnológica da execução civil nas últimas décadas, pois garante a integração de informações necessárias para uma maior busca patrimonial, garantido uma maior probabilidade de efetividade da medida executiva.
5.1. Centralização e integração de dados
O sistema reúne informações de:
- CPF/CNPJ;
- Vínculos societários;
- Movimentações financeiras (SisbaJud);
- Veículos (Renajud);
- Matrículas imobiliárias via SERP;
- Dados previdenciários e fiscais;
- Precatórios e RPVs;
- Registros públicos e bases administrativas.
A centralização elimina a necessidade de dezenas de ofícios fragmentados, o que propicia uma maior agilidade na busca patrimonial do devedor.
5.2. Inteligência artificial e visualização em grafos
Permite identificar:
- Ocultação patrimonial;
- Empresas coligadas ou de fachada;
- Interpostas pessoas (“laranjas”);
- Redes de vínculos que não seriam perceptíveis apenas pela leitura documental.
5.3. Agilidade e prevenção à fraude
O sistema aumenta a taxa de recuperação de crédito e permite agir rapidamente para:
- Registrar averbação premonitória (art. 828 do CPC);
- Bloquear ativos;
- Identificar transferências suspeitas.
Tal efetividade reforça a confiança do credor e desestimula o calote estratégico.
6. Limites, riscos e desafios do SNIPER
Apesar de suas virtudes, o SNIPER não está isento de desafios.
6.1. Privacidade e proteção de dados
A concentração de informações sensíveis exige observância rígida:
- Da LGPD;
- Do sigilo bancário e fiscal (art. 5º, X e XII, CF);
- Da proporcionalidade nas decisões judiciais.
6.2. Risco de falsos positivos
Homonímias, vínculos societários formais ou dados desatualizados podem gerar constrições injustas.
6.3. Garantias processuais
O uso do sistema deve observar contraditório mínimo, motivação adequada e controles de auditoria, evitando assimetria de defesa.
6.4. Dependência tecnológica
A eficácia do sistema depende da atualização constante das bases integradas e da confiabilidade das fontes originais.
7. A importância da proteção ao direito de crédito para os indicadores econômicos e para a confiança do mercado
A proteção ao direito de crédito não é apenas uma preocupação jurídica individual do credor; trata-se de um elemento estruturante da ordem econômica, com repercussões diretas sobre o funcionamento do mercado, a circulação de riquezas e o próprio desenvolvimento do país. Em um Estado Constitucional comprometido com a livre iniciativa (art. 170, caput, CF), a previsibilidade de que obrigações serão cumpridas - seja espontaneamente, seja mediante execução forçada - é condição essencial para a estabilidade das relações econômicas.
Nesta esteira, leciona o professor Marcelo Abelha Rodrigues (2024) que a palavra crédito denota confiança, credibilidade e segurança de que as obrigações jurídicas serão cumpridas, tanto que, quando se fala em contrato, vem a mente a ideia de obrigatoriedade quanto ao cumprimento das obrigações pactuadas, decorrentes do princípio da força obrigatória, com a máxima de que “o contrato faz lei entre as partes”.
No plano macroeconômico, a eficiência da execução civil impacta diretamente diversos indicadores essenciais, como é o caso do Risco Brasil, que é um indicador econômico que mede a confiança dos investidores na capacidade do país honrar os seus compromissos financeiros. Este reflete o risco de se investir no Brasil, sendo, talvez, o principal instrumento para a aferição, por parte de investidores estrangeiros, para aplicar recursos no país.
A execução civil pode influenciar em alguns índices econômicos, que impactam diretamente na vida dos brasileiros, senão vejamos:
- A taxa de juros, que incorpora o risco de recuperação de crédito nas operações bancárias;
- O spread bancário, influenciado pelo grau de incerteza quanto à satisfação de débitos;
- O custo de capital, que aumenta quando investidores percebem fragilidade no cumprimento de obrigações;
- A taxa de IED - investimento estrangeiro direto, sensível à previsibilidade jurídica.
Em economias complexas, a confiança depende da percepção de que contratos serão cumpridos. Quando o sistema judicial falha em dar efetividade à execução, empresas, investidores e instituições financeiras incorporam esse risco às suas decisões, criando um ambiente mais caro e menos competitivo. Assim, a ineficiência na recuperação de ativos acaba sendo convertida em:
- Juros mais altos;
- Crédito mais restrito e seletivo;
- Aumento da inadimplência estratégica;
- Retração de investimentos produtivos;
- Insegurança generalizada nas relações negociais.
Por outro lado, um sistema robusto de proteção ao crédito gera um ciclo virtuoso: reduz o risco, barateia o crédito, aumenta a oferta de financiamentos e estimula a atividade econômica. A literatura econômica demonstra que países com elevadas taxas de recuperação de crédito apresentam ambientes de negócios mais dinâmicos, com níveis maiores de inovação, empreendedorismo e concorrência saudável.
Nesse sentido, a modernização da execução civil - especialmente com o uso de ferramentas como o SNIPER - desempenha papel fundamental ao conferir maior eficiência ao Estado na localização de bens e na satisfação de créditos reconhecidos judicialmente. Ao dificultar a ocultação patrimonial e reduzir execuções frustradas, o sistema fortalece a confiança do mercado e contribui para o equilíbrio macroeconômico.
A proteção do crédito, portanto, não pode ser vista apenas como interesse privado do credor, mas como instrumento de política pública, indispensável para a redução do risco Brasil, para o fortalecimento das instituições e para a promoção de um ambiente econômico mais estável, competitivo e atraente para investimentos nacionais e internacionais.
8. Conclusão
A análise empreendida permite concluir que a execução civil brasileira atravessa um dos momentos mais significativos de sua história. O percurso normativo - que vai do formalismo rígido do CPC de 1973 ao modelo cooperativo e tecnológico do CPC/15 - revela uma clara linha evolutiva: superar a distância histórica entre o direito declarado e o direito efetivamente realizado. A persistência do fenômeno do “ganhou, mas não levou” deixou de ser apenas uma deficiência técnica para se converter em um problema institucional, social e econômico.
Nesse cenário de transformação, o CNJ assume papel decisivo como agente de racionalização e modernização do sistema de justiça. A criação do SNIPER - Sistema Nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos representa ruptura paradigmática com o modelo fragmentado e reativo de buscas patrimoniais, inaugurando uma lógica integrada, inteligente e orientada por dados. Pela primeira vez, o magistrado dispõe de uma ferramenta capaz de revelar, de forma articulada, o panorama patrimonial do devedor, conferindo maior efetividade às medidas executivas e reduzindo drasticamente a margem para a ocultação de bens.
Os reflexos dessa mudança são profundos. Uma execução civil eficiente fortalece o direito de crédito, incrementa a confiança no sistema jurídico e repercute diretamente sobre indicadores econômicos essenciais, como risco Brasil, taxa de juros, spread bancário e atração de investimentos estrangeiros. Em outras palavras, a efetividade da tutela executiva deixou de ser um problema restrito ao processo civil e passou a constituir fator de estabilidade macroeconômica e competitividade nacional. Um país cuja execução civil é ineficaz transmite ao mercado a mensagem de que o cumprimento das obrigações é uma hipótese incerta; um país cuja execução civil funciona reafirma que contratos são cumpridos e decisões judiciais, respeitadas.
O avanço tecnológico, porém, exige prudência. A eficiência proporcionada pelo SNIPER deve conviver harmonicamente com os direitos fundamentais do devedor, com a proteção de dados pessoais, com o sigilo financeiro e com as exigências do devido processo legal. O equilíbrio entre firmeza executiva e respeito às garantias constitucionais é condição indispensável para a legitimidade desse novo modelo.
Em síntese, a modernização da execução civil, impulsionada pelo SNIPER e pelas políticas judiciárias do CNJ, inaugura uma nova fase da tutela executiva no Brasil. O desafio que se apresenta não é apenas técnico, mas cultural e institucional: transformar essas inovações em práticas estáveis, responsáveis e alinhadas aos valores constitucionais. Se bem implementado, este modelo permitirá que o processo executivo finalmente cumpra sua vocação essencial - entregar ao credor o bem da vida reconhecido em juízo - e contribuirá decisivamente para o fortalecimento da segurança jurídica, da ordem econômica e do próprio Estado Democrático de Direito.
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