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Reflexões sociais sobre o Tema 300 do TST e o sentido do direito coletivo do trabalho

O Tema 300 discute até onde a negociação coletiva pode flexibilizar o controle de jornada de empregados externos, confrontando limites legais e garantias constitucionais.

28/11/2025

O TST irá apreciar, em breve, o teor de seu Tema 300, que almeja estabelecer os limites dos acordos e das convenções coletivos para regular o controle ou o descontrole de jornada de trabalho de empregados externos.

Nesse sentido, a presente análise técnica e comparativa utiliza por base indissociável a legislação ordinária representada pela CLT, a CF/88, os tratados e convenções internacionais e os princípios fundamentais do Direito do Trabalho, especialmente aqueles representantes dos direitos humanos laborais. 

Ao apreciar o teor do processo TST IncJulgRREmbRep - 0011672-65.2022.5.15.0042, em 28/8/25, a ministra relatora Dora Maria da Costa, no pleno do TST, afetou sob Tema 300: 

“Diante da tese de repercussão geral (Tema 1046) fixada pelo STF de que “São constitucionais os acordos  e  as  convenções  coletivos  que,  ao  considerarem  a  adequação  setorial  negociada,  pactuam limitações  ou  afastamentos  de  direitos  trabalhistas  independentemente  da  explicitação  especificada  desvantagens  compensatórias,  desde  que  respeitados  os  direitos  absolutamente  indisponíveis”; da decisão proferida pelo Tribunal Pleno do STF, nos autos do RE-1476596 de que “o eventual descumprimento de cláusula  de  norma  coletiva  não  é,  de  todo  modo,  fundamento  para  sua  invalidade”; e do disposto no inciso XXVI do art. 7° da CF de que é direito dos trabalhadores o “reconhecimento  das  convenções  e acordos  coletivos  de  trabalho”; a) é válida norma coletiva que exclui a obrigação do empregador descontrolar a jornada dos trabalhadores que laboraram externamente para os fins do disposto no art. 62,  I,  da  CLT? b)  a  possibilidade  de  controle  indireto  da  jornada  laborada  afasta  a  incidência  da norma coletiva e do art. 62, I, da CLT?

O ponto central reside na análise da compatibilidade da validade da negociação coletiva para restringir direitos basilares da relação de emprego, especificamente, de trabalhadores tipificados no inciso I do art. 62 da CLT, atinente ao controle da jornada de trabalho, a flexibilização de seus limites e, consequentemente, a respectiva remuneração, diante dos princípios e garantias fundamentais sociais dos trabalhadores constantes na CF/88 e nos direitos humanos laborais decorrentes de normas internacionais vigentes no país.

Ressalta-se, portanto, que, no presente Tema 300, a análise da interpretação restringe-se sobre validade de norma coletiva para flexibilizar o registro da jornada de trabalho para trabalhadores externos, excepcionalmente, tipificados no inciso I do art. 62 da CLT.

Na formulação das questões, é necessária uma crítica: há insustentável inserção de dilemas não autorizados pela legislação para interpretação extensiva do intérprete.

Ao questionar (“a”) se “é válida norma coletiva que exclui a obrigação”, não se está respeitando os parâmetros objetivos da legislação ordinária vigente, tendo em vista que há pretensa intenção de expandir a forma de cumprir a legislação para, contrariamente, afastá-la (“exclui”).

Da mesma forma, ao questionar (“b”) se a “possibilidade de controle indireto de jornada afasta a incidência da norma coletiva e do art. 62, I, da CLT”, também se está desvirtuando o contexto dado objetivamente pelo legislador ordinário para a excepcionalidade, haja vista que o termo “possibilidade” da questão conflita com o requisito “incompatível” do inciso I do art. 62 da CLT.

Senão vejamos.

Texto legal ordinário

Primeiramente, é importante recorrer à redação ipsis litteris da CLT para parametrizar a disciplina objetiva da lei e o contexto de eventual excepcionalidade regulada pelo empregador, já que, nos termos da afetação do Tema 300, o dispositivo da CLT indicado é o art. 62, inciso I, localizado no texto normativo dentro do seguinte contexto: 

CLT

TÍTULO II 

DAS NORMAS GERAIS DE TUTELA DE TRABALHO

CAPÍTULO II

DA DURAÇÃO DO TRABALHO

SEÇÃO II

DA JORNADA DE TRABALHO

Art. 58 - A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite.

Art. 59.  A duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente de duas, por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.

§ 1º A remuneração da hora extra será, pelo menos, 50% (cinquenta por cento) superior à da hora normal.

§ 2º Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias.

Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:

I - os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados;

Assim, a regra fixada pelo legislador ordinário determina que a jornada ordinária de trabalho, limitada pelos arts. 58, caput, e 59, caput, deve ser devidamente controlada como regra fundamental que repercute no tempo à disposição, no descanso e na renda do trabalhador.

Convém também se atentar que a expressão “não são abrangidos” do caput do art. 62 somente pode ser interpretada acerca do controle da jornada em si, ou seja, seu registro, e não de eventual exclusão de horas extras, direito fundamental social constitucional (art. 7º, inc. XIII c.c. inc. XVI, da CF/88) que será abordado em tópico próprio.

Nesse contexto, certo é que o legislador ordinário fixou um pressuposto objetivo para a excepcionalidade de controle de jornada: “atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho”.

Consequentemente, tem-se as seguintes premissas expressas e objetivas inerentes à redação do inciso I do art. 62 da CLT:

  1. Atividade externa;
  2. Incompatibilidade com a fixação de horário de trabalho.

Acerca da primeira premissa (atividade externa), deve se tratar de trabalho prestado fora do estabelecimento e sem possibilidade de supervisão direta. Ou seja, não basta ser meramente externo, exige-se a ausência de supervisão direta.

Atinente à segunda premissa (incompatibilidade com a fixação de horário de trabalho), o requisito objetivo é a impossibilidade de controle de jornada pelo empregador dentro de seu ônus pelo risco do negócio. Diante da impossibilidade, o legislador regulou alternativa 

Assim, a palavra “incompatibilidade” não pode ser interpretada diferentemente de seu teor gramatical, visto que representa inconciliabilidade, contraposição, incompossibilidade, em suma, uma impossibilidade de coexistir com um controle de jornada pelo empregador.

Consequentemente, devem ser afastadas todas e quaisquer atividades em que a tecnologia atual permita o controle de jornada pelo empregador, ressaltando-se, inclusive, a acessibilidade dessas novas tecnologias como a geolocalização pelo celular ou por equipamento equivalente, permitindo o georreferenciamento em tempo real, além de outros controles presentes nas atividades cotidianas como “logins”, “logouts”, registros em relatórios e qualquer outro meio que permita ao empregador aferir o tempo de trabalho em conformidade com a realidade praticada.

Em suma, o Tema 300 somente pode analisado, sob os parâmetros da legislação ordinária, especificamente do inciso I do art. 62 da CLT, no seguinte sentido:

  1. não há dúvida objetiva sobre se a legislação ordinária permite ou não excluir a obrigação do empregador de controlar a jornada dos trabalhadores que laboraram externamente para os fins do disposto no art. 62, I, da CLT;
  2. não há dúvida objetiva sobre se a legislação ordinária permite a exclusão dos limites (art. 58 da CLT) de jornada ordinária aos trabalhadores que laboraram externamente para os fins do disposto no art. 62, I, da CLT;
  3. não há dúvida objetiva sobre se a legislação permite a exclusão de horas extras (art. 59 da CLT) aos trabalhadores que laboraram externamente para os fins do disposto no art. 62, I, da CLT;
  4. não há dúvida objetiva sobre se é possível a afastabilidade, por norma coletiva, de controle direto ou indireto da jornada laborada aos trabalhadores que laboraram externamente para os fins do disposto no art. 62, I, da CLT;
  5. porém, há dúvida objetiva sobre os limites em que a norma coletiva pode regular a aplicabilidade do art. 62, inc. I, da CLT, ao adotar meios alternativos de registro de jornada com a finalidade de preservar os direitos laborais de um lado, e, de outro, equacionar a impossibilidade técnica e objetiva de controle de jornada pelo empregador.

A partir dessa primeira análise embasada na legislação ordinária, passa-se a abordar as premissas explicitadas no Tema 300 e sua extensão em modificar os parâmetros da legislação ordinária acima abordados. Recapitulando as três premissas publicadas de forma individualizada e com destaques:

1. “Diante da tese de repercussão geral (Tema 1046) fixada pelo STF de que “São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis””; 

2. Diante da “decisão proferida pelo Tribunal Pleno do STF, nos autos do RE-1476596 de que “o eventual descumprimento de cláusula de norma coletiva não é, de todo modo, fundamento para sua invalidade””; e 

3. Diante “do disposto no inciso XXVI do art. 7° da CF de que é direito dos trabalhadores o “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho””; 

Norma coletiva enquanto direito fundamental social

A CF/88, em seu art. 8º, inciso III, confere aos sindicatos a legitimidade para defender os direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas. Essa prerrogativa é reafirmada pelo art. 5º, inciso XXI, que reconhece às entidades associativas a representação de seus filiados.

A autonomia privada coletiva, enquanto expressão da capacidade normativa dos sindicatos, é um princípio fundamental do Direito do Trabalho, permitindo, inclusive, que os sindicatos estabeleçam normas e melhores condições de trabalho por meio da negociação coletiva, sendo uma manifestação da liberdade sindical e da democracia nas relações laborais como, inclusive, consta nas bases constitucionais da república (art. 1º, inc. III e inc. IV, e art. 6º da CF/88).

Cumpre se atentar a localização dessas disposições na CF/88 para que as interpretações não contrariem as diretrizes do poder constituinte originário:

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

TÍTULO II 

DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

CAPÍTULO II

DOS DIREITOS SOCIAIS

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;

Acesse aqui a íntegra do artigo.

Erazê Sutti
Advogado Trabalhista. Docente e Vice-Diretor da Escola Superior da Advocacia da ABRAT. Pesquisador integrante do GPTC-USP e do NTADT-USP. Conselheiro Secional Presidente da Comissão da Advocacia Assalariada da OAB/SP (2022/2024). Presidente da AATJ. Pela Faculdade de Direito da USP, é graduado (1996) e pós-graduado em Especialização em Direito e Processo do Trabalho (2019).

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