Em um dia quente do verão novaiorquino, precisamente no dia 7/7/1912, o ilusionista Harry Houdini realizou naquela cidade um audacioso truque que o tornaria uma lenda. Naquele que foi denominado, “truque do East River,” o mágico foi algemado e preso em um caixão, que acabou, posteriormente, lançado no East River. Imerso nas águas do rio, ele tinha de utilizar suas habilidades e técnica impecável para se soltar das algemas que prendiam seus pés e mãos, abrir o caixão e emergir à superfície antes que o oxigênio se esgotasse. Para a surpresa e êxtase do público, o número foi um sucesso, consolidando assim a reputação de Houdini como o mestre das fugas impossíveis.
Por sorte ou escolha de trajetória e de “amizades”, Daniel Vorcaro fez fama no mercado financeiro, sem precisar de correntes, grades e rios, claro que não, com a sua “esperteza”, construiu uma série de relações poderosas de amizades, que funcionaram muito bem até o último dia 18/11, quando o Banco Central por ato do seu presidente, decretou a liquidação extrajudicial do Banco Master.
Nessas horas Houdini e Vorcaro tem seus destinos aparentemente entrelaçados, por aquilo que o ilusionismos e alguns outros profissionais em seus segmentos tem em comum, alguns truques, a complacência de muitos, e o comprometimento de outros tantos no esforço para que o espetáculo não pare, pois tem gente ganhando, ainda que com o tempo, o “truque” sem a necessidade de um “Mister M” seja revelado, e o que se vê é muito pouco palatável, em relações que deveriam primar pela transparência e pelo exercício permanente das regras de compliance.
Porém como exigir compliance onde as regras de negócio turvam a visão e o olfato para perceber que algo não cheira bem? Nessas horas, agências de rating, auditorias e departamentos de compliance ficam sob o jugo dos técnicos do Banco Central, do Ministério Público, da imprensa independente e do observatório popular. Nessas horas pequenos e grandes poupadores se perguntam:
Como que, um ano antes, em 2024, a Fitch elevou o rating nacional de longo prazo do Banco Master para ‘A–(bra)’, citando fortalecimento de capital e perfil de risco?
Como que em 2025 o Master pode ter entrado para rankings internacionais de bancos relevantes por Tier 1, com bilhões em ativos? Conformes dados divulgados pela imprensa, o conglomerado Master chegou a ter R$ 86,4 bilhões em ativos e R$ 62,2 bilhões em depósitos potencialmente cobertos pelo FGC.
Como que os departamentos de compliance de alguns balcões de grandes bancos não identificaram o risco? Sim, pois o seu modelo de negócio acontecia por meio de um crescimento agressivo financiado por CDBs com juros de até 20% acima da média de mercado!
Como que grandes Bancos (XP, Nubank, Inter e outros) ofertavam os fundos do Master e, em seus balcões, alimentados por um comissionamento que pagava mais do que o triplo praticado pelo mercado, não deixava esses bancos com uma pulga atrás da orelha? Até que ponto a lógica da maximização do resultado no mercado financeiro turva o olhar sobre o risco?
O fato é que cenário para Vorcaro praticar o ‘ilusionismo financeiro” já estava completo, pois ele conseguiu ao mesmo tempo unir crescimento rápido + rating bom + selo de plataformas grandes + taxas “turbinadas” que iludia como um sonho de verão, afastando a sensação de risco. Em síntese, o Master e não Houdini, cresceu acelerado e apoiado em títulos de dívida com juros elevados, vendidos em massa nas plataformas de investimento, sem que ninguém perguntasse: isso é verdadeiro ou ilusão?
Afinal prêmios muito acima da média de mercado em CDBs de um mesmo emissor costumam sinalizar maior risco de crédito e/ou liquidez, o que exige cautela para não confundir o “produto” com o risco do emissor. A disciplina de diversificar emissores e respeitar limites por conglomerado é tão importante quanto escolher o prazo e a taxa, pois o FGC não é um substituto para gestão de risco de crédito.
Costumeiramente as regras de suitability e de distribuição determinam que o perfil do investidor e a adequação do produto sejam observados, com deveres de informação e registro do processo decisório. A agenda regulatória tem reforçado boas práticas de transparência e governança, inclusive quanto a potenciais conflitos e incentivos na distribuição, o que o investidor deve exigir explicitamente de seu intermediário! Logo, como não se espantar se os donos dos balcões de oferta silenciaram?
Presume-se que, dos R$ 41 bilhões em CDBs do Banco Master elegíveis para o pagamento da garantia dos depósitos que o FGC - Fundo Garantidor de Créditos, aproximadamente R$ 36 bilhões foram distribuídos pelas três maiores plataformas digitais de investimentos (XP, BTG e Nubank), ou seja apenas três bancos distribuíram 87,80% desses valores, que levam a sociedade a pagar, assim é ela que no final paga a conta.
A liquidação do Master é considerada a maior intervenção bancária da história do sistema financeiro brasileiro, superando casos clássicos como Nacional, Econômico e Bamerindus em valor de ativos envolvidos.
Os indícios de irregularidades graves são contundentes e a responsabilização da administração será certamente objeto de discussão na Justiça, porém, de imediato, por meio do ato 1.369 de 18/11/25, o Banco Central decretou a liquidação extrajudicial do Banco Master S.A. O ato se fundamenta nos arts. 15, caput, inciso I, alíneas “a” e “b”, e § 2º, e 16 da lei 6.024, de 13/3/1974, uma vez que foi detectada um considerável comprometimento da situação econômico-financeira da instituição, com deterioração da situação de liquidez, bem como por infringência às normas que disciplinam a atividade bancária e inobservância das determinações do Banco Central do Brasil, conforme restou evidenciado no PE 285696.
Com a decretação, ficou nomeada liquidante, com amplos poderes de administração e liquidação, a EFB Regimes Especiais de Empresas, cabendo a responsabilidade de ser o interventor o seu sócio Eduardo Felix Bianchini.
Em 18/11/25 foi decretado o regime de administração especial temporária no Banco Master Múltiplo S.A que estende a responsabilidade solidária dos controladores de instituições financeiras também aos regimes de intervenção e liquidação extrajudicial de que trata a lei n6.024 de março de 1974.
Desde 18 de novembro já estava decretada à indisponibilidade de bens da instituição e também dos bens das pessoas, naturais ou jurídicas, que detinham o controle, direto ou indireto das instituições. É durante essa fase (inquérito), que deverão ser apurados eventuais atos praticados ou omissões incorridas pelas pessoas naturais ou jurídicas prestadoras de serviços de auditoria independente àquelas instituições submetidas aos regimes de intervenção, liquidação extrajudicial ou administração especial temporária.
O propósito previsto na legislação para intervenção é sempre assegurar a normalidade da economia pública e resguardar os interesses dos depositantes, investidores e demais credores, sem prejuízo da posterior adoção dos regimes de intervenção, liquidação extrajudicial ou administração especial temporária, e que para tanto podem ser determinadas diversas medidas, dentre as quais destacam-se: i) a capitalização da sociedade, com o aporte de recursos necessários ao seu soerguimento, em montante por ele fixado; ii) a transferência do controle acionário; iii) reorganização societária, inclusive mediante incorporação, fusão ou cisão; iv) transferir para outra ou outras sociedades, isoladamente ou em conjunto, bens, direitos e obrigações da empresa ou de seus estabelecimentos; v) alienar ou ceder bens e direitos a terceiros e acordar a assunção de obrigações por outra sociedade; e também, vi) proceder à constituição ou reorganização de sociedade ou sociedades para as quais sejam transferidos, no todo ou em parte, bens, direitos e obrigações da instituição sob intervenção, liquidação extrajudicial ou administração especial temporária, objetivando a continuação geral ou parcial de seu negócio ou atividade.
É fundamental destacar o andamento do inquérito para apuração das responsabilidades, isto porque se houver prejuízo, o Ministério Público poderá requerer o sequestro dos bens dos ex-administradores, que não tinham sido atingidos pela indisponibilidade. Situação bastante delicada e merece toda atenção, mesmo porque o interventor poderá requerer a falência da entidade, quando o seu ativo não for suficiente para cobrir pelo menos a metade do valor dos créditos quirografários, ou quando houver fundados indícios de crimes falimentares. Ademais, apurados, no curso da liquidação, seguros elementos de prova, mesmo indiciaria, da prática de contravenções penais ou crimes por parte de qualquer dos antigos administradores e membros do Conselho Fiscal, o liquidante os encaminhará ao órgão do Ministério Público para que este promova a ação penal.
No primeiro momento a liquidação do banco Master atingiu cerca de 12,4 milhões de clientes que foram afetados direta ou indiretamente, e eles esperam a responsabilização dos envolvidos, mas nesse momento não existe condenação judicial que prove participação criminosa direta de autoridades do governo na estrutura de fraudes do banco.
Nitidamente, sem ser Houdini, a sofisticação do golpe é evidente e isso é só o começo do que esse processo pode revelar. O caso Master expõe o risco da promiscuidade entre bancos médios agressivos, fundos pouco transparentes e o uso de bancos estatais como ponte para legitimar operações gigantescas. É fundamental um maior rigor na produção das normas do compliance bancário, para o bem de toda sociedade.