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Alienação fiduciária no agro: Guia completo sobre riscos e proteção para o produtor rural

O uso crescente de garantias que transferem rapidamente a posse da terra aos bancos pressiona quem depende do crédito, acelera execuções e exige preparo jurídico.

1/12/2025

O avanço da alienação fiduciária como garantia no crédito rural brasileiro acendeu um alerta para a sustentabilidade financeira dos produtores. Instituições financeiras, incluindo o Banco do Brasil, têm substituído gradualmente a tradicional hipoteca por este novo modelo, que, embora apresentado como uma modernização, embute riscos elevados que podem levar à perda do patrimônio em tempo recorde. Este artigo aprofunda as diferenças entre as garantias, detalha a nova postura dos bancos, explica o que é o stay period na recuperação judicial e oferece um guia sobre como o produtor rural pode se proteger.

A nova política do Banco do Brasil e o endurecimento do crédito

Recentemente, o cenário do crédito rural foi impactado por declarações e novas políticas adotadas pelo Banco do Brasil, o principal agente financeiro do agronegócio. Em uma mudança significativa de postura, o diretor de agronegócios da instituição afirmou publicamente que a alienação fiduciária passará a substituir a hipoteca como principal forma de garantia nas operações rurais. Essa alteração não é apenas uma formalidade contratual; ela representa uma transferência de poder e risco para o credor, com consequências diretas para o produtor.

Essa nova diretriz se soma a um endurecimento geral das condições de crédito. Declarações de altos executivos do banco indicam uma postura mais rigorosa, como a promessa de executar todos os contratos inadimplentes e a ameaça de banir permanentemente do acesso ao crédito os produtores que ingressarem com pedido de recuperação judicial. Na prática, o produtor rural se vê em uma encruzilhada: para obter o financiamento necessário para sua atividade, muitas vezes é obrigado a aceitar a alienação fiduciária, colocando seu principal ativo, a terra, em uma posição de extrema vulnerabilidade.

Hipoteca vs. slienação fiduciária:

A escolha entre hipoteca e alienação fiduciária não é um mero detalhe jurídico; ela define o nível de segurança do produtor em caso de dificuldades financeiras. As diferenças são profundas e impactam diretamente a propriedade do bem, a forma de execução da dívida e as chances de renegociação em uma recuperação judicial. 

Característica

Hipoteca

Alienação Fiduciária

Propriedade do Bem

O produtor continua sendo o dono do imóvel. O bem fica apenas "gravado" como garantia.

A propriedade é transferida para o credor (banco). O produtor tem apenas a posse direta até quitar a dívida.

Execução da Dívida

Processo judicial. O banco precisa acionar a Justiça, o que garante ao produtor amplo direito de defesa e mais tempo para negociar.

Procedimento extrajudicial, realizado diretamente no cartório. É extremamente rápido e com pouca margem para defesa.

Prazo para Pagamento

O processo judicial permite a negociação de prazos e condições.

Após notificação, o produtor tem apenas 15 dias para pagar a integralidade da dívida (não apenas as parcelas atrasadas).

Recuperação Judicial

O crédito hipotecário entra no plano de recuperação judicial e pode ser renegociado com os demais credores.

O crédito fiduciário não se submete à recuperação judicial (Art. 49, § 3º, lei 11.101/05), ficando de fora do plano de renegociação.

Múltiplas Garantias

Um mesmo imóvel pode ser usado como garantia em múltiplas operações (hipotecas de 1º, 2º grau, etc.), dando mais flexibilidade ao produtor.

Tradicionalmente, não permite múltiplos graus, "engessando" o patrimônio e dificultando o acesso a novos créditos.

O stay period e a proteção (temporária) na recuperação judicial

Quando um produtor rural entra com um pedido de recuperação judicial, a lei concede um período de proteção conhecido como stay period. Trata-se de uma suspensão de todas as ações e execuções contra o devedor pelo prazo de 180 dias, prorrogável por igual período, conforme a lei 11.101/05. O objetivo é dar ao produtor um fôlego para negociar um plano de pagamento com seus credores e reorganizar sua atividade.

No entanto, para dívidas com garantia de alienação fiduciária, o stay period oferece uma proteção limitada. Embora o crédito em si não entre no plano de recuperação, a lei proíbe que o credor retire do estabelecimento do devedor os bens de capital essenciais à sua atividade empresarial durante esse período de suspensão. Para um produtor rural, a terra é, inquestionavelmente, um bem essencial.

A controvérsia jurídica: E depois do stay period?

Uma grande discussão jurídica surge quando o stay period termina. O credor fiduciário pode, imediatamente, tomar o bem essencial, mesmo que isso inviabilize a recuperação da empresa? O STJ tem decisões divergentes:

Uma corrente entende que, mesmo após o fim do prazo, o juiz da recuperação pode impedir a retirada do bem se sua essencialidade for comprovada, priorizando a função social da empresa e o princípio da preservação do negócio.

Outra corrente, mais recente, defende que a proteção não pode ser eterna. Após o stay period, o credor fiduciário teria o direito de executar sua garantia, pois impedir a retomada do bem por tempo indeterminado geraria insegurança jurídica e desequilibraria a relação contratual.

Essa incerteza reforça a importância de uma estratégia jurídica bem definida, pois a manutenção da posse do imóvel após o stay period dependerá de uma decisão judicial fundamentada na essencialidade do bem para a continuidade da produção.

O risco iminente: como funciona a consolidação da propriedade

O maior perigo da alienação fiduciária reside na agilidade e na força do seu procedimento de execução extrajudicial. Ao contrário da hipoteca, que demanda um longo processo na Justiça, a consolidação da propriedade em nome do credor ocorre em poucos passos e de forma implacável:

  1. Inadimplência: Basta o atraso de uma parcela para que o procedimento possa ser iniciado.
  2. Notificação em cartório: O produtor é notificado, via cartório, para "purgar a mora", ou seja, pagar a dívida.
  3. Prazo de 15 dias: O devedor tem um prazo fatal de 15 dias para quitar toda a dívida vencida, incluindo parcelas futuras que podem ter o vencimento antecipado por contrato, acrescida de juros e encargos.
  4. Consolidação da propriedade: Se o pagamento não ocorrer, o oficial do cartório averba na matrícula do imóvel a consolidação da propriedade em nome do banco.
  5. Leilão extrajudicial: Com a propriedade consolidada, o banco tem 30 dias para realizar o primeiro leilão público do imóvel. Se não houver lance igual ou superior ao valor de avaliação, um segundo leilão é realizado em 15 dias.

Esse rito sumário coloca o produtor em uma corrida contra o tempo, onde uma crise de liquidez momentânea pode resultar na perda definitiva de um patrimônio construído ao longo de gerações.

Como o produtor rural pode se proteger?

Diante de um cenário tão adverso, a prevenção é a melhor estratégia. Adotar uma postura proativa e juridicamente informada é fundamental para a sobrevivência no agronegócio atual.

A crescente imposição da alienação fiduciária representa uma ameaça sistêmica ao produtor rural. A prudência e a busca por aconselhamento especializado não são mais apenas recomendáveis, são essenciais para garantir a segurança patrimonial e a continuidade do agronegócio familiar no Brasil.

Leandro Marmo
Advogado especialista em Direito do Agronegócio, professor da pós-graduação de Direito do Agronegócio da PUC-PR, autor de obras jurídicas e CEO do João Domingos Advogados.

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