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Fernanda Torres ajuíza ação contra marca de lingerie por uso indevido de imagem

Processo movido por Fernanda Torres contra marca de lingerie reacende o debate sobre uso de imagem de famosos e a proteção de direitos personalíssimos em redes sociais.

19/12/2025
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A atriz Fernanda Torres ingressou com uma ação indenizatória1 contra marca de lingerie, alegando uso indevido de seu nome e imagem em publicações nas redes sociais da empresa e de suas franquias. Segundo a artista, a marca teria aproveitado a repercussão de sua vitória no Globo de Ouro e indicação ao Oscar para associá-la, sem autorização, a peças de vestuário comercializadas pela rede. A atriz pede R$ 1,2 milhão de indenização por danos materiais, além de R$ 100 mil por danos morais. O caso ganhou grande repercussão após a 31ª Vara Cível da Capital analisar o pedido de tutela de urgência apresentado pela atriz para retirada imediata das postagens.

Na ação, Fernanda Torres sustenta que a marca de lingerie realizou verdadeira campanha publicitária, com vídeos e fotos, sem qualquer negociação prévia. A atriz afirma que costuma receber valores expressivos por campanhas de licenciamento e que a exploração econômica de sua imagem, em momento de visibilidade internacional, violou seus direitos de personalidade previstos no art. 5º, V e X, da Constituição Federal, bem como nos arts. 18 e 20 do CC.

Decisão liminar e os embargos de declaração

O juízo da 31ª Vara Cível indeferiu o pedido liminar ao entender que não estavam presentes os requisitos do art. 300 do CPC, especialmente quanto à urgência. Destacou ainda que a conduta da marca de lingerie poderia se aproximar de estratégia de newsjacking, prática de aproveitar eventos virais para ampliar alcance de publicações, e que eventual dano poderia ser reparado ao final do processo.

Após a decisão, a autora opôs embargos de declaração alegando que o magistrado teria deixado de considerar documentos mais recentes que demonstram a permanência das publicações feitas por franquias da marca. Argumenta que a continuidade das veiculações configuraria ilicitude atual, suficiente para justificar a concessão da medida inibitória.

Mas qual seria a questão jurídica central do caso?

A disputa entre Fernanda Torres e a empresa titular da marca de lingerie coloca em evidência um tema recorrente na doutrina contemporânea: os limites entre a proteção da imagem e a circulação de conteúdo em ambiente digital, especialmente quando a exposição ocorre em contexto marcado por grande escala de veiculação e presença nos holofotes.

Do ponto de vista da responsabilidade civil, a doutrina tem posição consolidada no sentido de que o uso indevido da imagem configura dano moral in re ipsa2, dispensando prova de prejuízo, ainda que a exposição seja elogiosa3. Nesse sentido, a autora Chiara Spadaccini de Teffé observa que, ausente justa causa, “fica configurado o dever de compensar a vítima, sendo desnecessárias as provas do prejuízo do lesado e do lucro do ofensor”4. Entendimento este alinhado ao enunciado 587 da VII Jornada de Direito Civil5.

Quando a finalidade econômica é evidente, a ilicitude é praticamente incontornável, à luz do próprio art. 20 do CC, que exige autorização prévia para uso comercial da imagem, reforçado pela súmula 403 do STJ6, que prevê a desnecessidade de prova do dano para que seja devida a indenização.

Por outro lado, são reconhecidas as hipóteses que nem toda utilização de imagem alheia configura violação, especialmente quando não há finalidade econômica. Nesses casos, a doutrina vem sistematizando parâmetros que devem orientar a análise do julgador, como: (i) a veracidade das informações divulgadas; (ii) a licitude dos meios utilizados para obtê-las; (iii) a condição da pessoa envolvida, seja ela de notoriedade pública ou de vida essencialmente privada; (iv) o local em que o fato ocorreu; (v) a natureza do acontecimento, distinguindo situações que são noticiáveis por si mesmas daquelas que se tornam notícia apenas em razão da pessoa retratada; e (vi) a existência de interesse público na divulgação7, 8, 9.

A análise torna-se ainda mais complexa no ambiente digital, marcado por velocidade, alcance massivo e replicação contínua de conteúdo. Nesse cenário, a ponderação entre o direito à imagem e a liberdade de expressão exige avaliação da finalidade da postagem, informativa ou comercial, da condição pública da pessoa retratada e da existência de proveito econômico, conforme delineado por Teffé10.

E agora?

Com a oposição dos embargos de declaração, caberá ao juízo avaliar se houve omissão ou contradição na decisão que negou a tutela de urgência. O desfecho poderá influenciar debates sobre uso de imagem de figuras públicas, alcance da tutela inibitória no ambiente digital e responsabilidade das marcas pelas publicações de seus franqueados.

Casos que envolvem exploração não autorizada de nome e imagem em redes sociais evidenciam a necessidade de respostas judiciais céleres. A rapidez com que conteúdos são replicados amplia o potencial lesivo e torna indispensáveis medidas imediatas para interromper a divulgação e preservar provas que demonstrem sua extensão.

_______

1 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. 31ª Vara Cível da Comarca da Capital. Processo n.º 3019757-47.2025.8.19.0001. Ação indenizatória proposta por Fernanda Pinheiro Monteiro Torres em face de marca de lingerie do Nordeste Ltda.

2 Veja: No Recurso Especial 1.432.324, julgado em 2015, o Ministro relator, Paulo de Tarso Sanseverino, ressaltou que haveria jurisprudência firme do STJ no sentido de que os danos extrapatrimoniais por violação ao direito de imagem decorreriam diretamente do seu próprio uso indevido, sendo prescindível a comprovação da existência de outros prejuízos por se tratar de modalidade de dano in re ipsa.

3 Nesse sentido, Schreiber (2011, p. 14-15) defende que “[a] taxação de atrizes, atletas, políticos, como “pessoas públicas”, a autorizar uma espécie de presunção de autorização à divulgação de suas imagens, ou a suscitar, ainda, o perverso argumento de que a veiculação na mídia mais beneficia do que prejudica aqueles que dependem da exposição ao público, representa a ingerência alheia em seara atinente apenas ao próprio retratado”.

4 TEFFÉ, C. S. de. Considerações sobre a proteção do direito à imagem na internet. Revista de informação legislativa, v. 54, n. 213, p. 173-198, 2017, p. 177.

5 “O dano à imagem restará configurado quando presente a utilização indevida desse bem jurídico, independentemente da concomitante lesão a outro direito da personalidade, sendo dispensável a prova do prejuízo do lesado ou do lucro do ofensor para a caracterização do referido dano, por se tratar de modalidade de dano in re ipsa.”

6 A súmula 403 do Superior Tribunal de Justiça dispõe: “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais”.

7 BARROSO, L. R. Colisão entre Liberdade de Expressão e Direitos da Personalidade. Critérios de Ponderação. Interpretação Constitucionalmente Adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa. In. RTDC – Revista Trimestral de Direito Civil, v. 16, p. 89-91, 2004.

8 MORAES, M. C. B. de. Danos à Pessoa Humana – Uma Leitura Civil-Constitucional dos Danos Morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

9 SCHREIBER, A. Os Direitos da Personalidade e o Código Civil de 2002.  2011, p. 109-110.

10 TEFFÉ, 2017.

Autor

Carlos Frederico Oliveira de Macedo Advogado no escritório Lampert Advogados. Bacharel em Direito pela UFRJ e pós-graduando em Direito do Entretenimento e Influência FASIPA. Atuação em consultoria e assessoria jurídica empresarial.

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