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Vesting em startups: Retenção de talentos, desafios jurídicos e o papel essencial da cláusula cliff

Em meio à crescente complexidade das estruturas empresariais, a retenção de talentos emerge como vetor decisivo de governança e compliance, exigindo que as sociedades adotem mecanismos jurídicos robustos para equilibrar competividade, transparência e responsabilidade corporativa.

4/12/2025

O vesting consolidou-se como um dos instrumentos mais eficazes para atrair e reter talentos estratégicos em startups, especialmente em estágios iniciais, quando a empresa ainda não dispõe de caixa suficiente para oferecer remunerações ou bônus competitivos. Ao vincular a aquisição de participação societária a prazos e condições de permanência, o vesting promove alinhamento de interesses entre fundadores, colaboradores e investidores, além de conferir previsibilidade e solidez à estrutura societária, fortalecendo a cultura de “donos” no time.

Na prática, o vesting consiste no processo pelo qual uma pessoa adquire, gradualmente e sob determinadas condições, o direito de adquirir participação societária - ações ou quotas - ou de receber valor equivalente atrelado ao desempenho da empresa, como nos planos denominados “Phantom shares”. O mecanismo é amplamente utilizado por alinhar incentivos de longo prazo: quanto mais tempo o beneficiário permanece contribuindo para o crescimento da startup, maior será sua participação. Esse modelo desestimula saídas precoces, sinaliza governança e comprometimento ao mercado e reduz pressões sobre o fluxo de caixa, substituindo parte da remuneração por participação futura no valor da empresa.

Entre os formatos mais comuns de implementação estão as opções de compra de ações ou quotas (stock Options), as ações ou quotas restritas (RSAs/RSUs) e os planos de Phantom Shares ou SARs. As opções conferem ao beneficiário o direito - mas não a obrigação - de adquirir participação por preço previamente fixado. Já as ações ou quotas restritas implicam a concessão direta da participação, sujeita a restrições de vesting, e embora sejam mais simples operacionalmente, envolvem maior risco de tratamento remuneratório. Os planos Phantom, por sua vez, não conferem participação real, mas garantem o pagamento em dinheiro equivalente à valorização das quotas, preservando o cap table, embora impliquem encargos trabalhistas e impacto de caixa.

A estrutura típica de vesting costuma adotar cronograma de quatro anos, com cláusula de cliff de um ano e aquisição mensal ou trimestral após esse período inicial. O cliff representa o intervalo durante o qual o beneficiário ainda não adquire qualquer direito, servindo como filtro natural de afinidade e performance. Caso o colaborador ou fundador deixe a empresa antes do término do cliff, não leva qualquer participação. Essa cláusula é essencial para proteger o cap table, evitar a dispersão acionária com participantes de curta permanência e reforçar o compromisso recíproco entre empresa e beneficiário.

Sob o ponto de vista jurídico, a implementação do vesting no Brasil exige atenção a aspectos societários, trabalhistas e tributários. Em sociedades anônimas, o plano de opção de compra deve ser aprovado por assembleia ou órgão competente, observando as disposições da lei 6.404/1976 (lei das S.A.) e do estatuto social. Já nas sociedades limitadas, é necessário recorrer a contratos de opção de compra de quotas combinados, quando necessário, com aumentos de capital futuros e renúncia de direito de preferência pelos sócios, além de ajustes contratuais sujeitos a quóruns qualificados e registro na Junta Comercial.

A adequada regulamentação de situações de saída - por meio das cláusulas de good leaver e bad leaver - é fundamental. O bad leaver normalmente perde o direito à participação ou a transfere por valor simbólico - quando aplicável -, enquanto o good leaver pode receber valor de mercado proporcional. Outras cláusulas de governança, como lock-up, tag along, drag along, formas de sucessão empresarial e de tomada de decisões e exercício do direito de voto, bem como de direito de recompra, também contribuem para evitar disputas e desorganização societária.

No âmbito trabalhista, o desafio central consiste em assegurar que o plano reflita sua verdadeira natureza - um instrumento mercantil voltado à participação societária - e não seja confundido com relações de trabalho, que efetivamente não são. Segundo a jurisprudência, fatores como onerosidade, risco, voluntariedade e incerteza do ganho são determinantes para verificar se há vínculo trabalhista entre o beneficiário e o instituidor do plano.

Planos gratuitos, de aquisição por valores irrisórios ou simbólicos, automáticos e/ou diretamente atrelados à prestação de serviços tendem a orientar a interpretação em torno do pró-labore ou da distribuição de lucros e dividendos como parcela de salário ou remuneração de natureza salarial, que, além de sujeita a encargos e contribuições, eleva as condições de risco para contratos dessa espécie.

Para reduzir esse risco interpretativo, é recomendável estruturar o plano, bem como sua execução, com expressões e terminologias típicas de relações jurídicas do gênero, tais quais preço de exercício compatível com laudo de avaliação (valuation), reforço à característica do instrumento e a redação despida de ambiguidades, como causariam as que sugerem bônus ou gratificação. Contudo, é importante ter em mente que, nos planos cash-settled (Phantom), que envolvem pagamento em dinheiro, a regra é a incidência de verbas trabalhistas e previdenciárias, plenamente aplicáveis.

Do ponto de vista tributário, a estruturação adequada das opções “equity-settled” pode permitir o tratamento do ganho de capital, com incidência de imposto de renda sobre alienação futura das ações ou quotas. Contudo, a ausência de onerosidade ou risco pode levar a autoridade fiscal a reclassificar a operação. Para planos cash-settled, o tratamento usual é de rendimento do trabalho, com tributação integral na folha de pagamento. Ainda, sob as normas contábeis internacionais (IFRS 2), por vezes espelhadas por normas ou regulamentos nacionais, é obrigatória a contabilização da despesa ao longo do período de vesting, devendo o departamento contábil ser envolvido desde a criação do plano.

A boa implementação do vesting exige planejamento de capital social e definição prévia de um pool de ações ou quotas reservado a opções, geralmente - mas não somente - entre 10% e 20% do capital social, ajustado conforme o estágio de desenvolvimento da empresa. Também são indispensáveis a elaboração de laudo de valuation, a redação do plano de opções e dos termos individuais de outorga, além da compatibilização com o acordo de sócios e o estatuto ou contrato social. Políticas de confidencialidade, cessão de propriedade intelectual e não concorrência complementam o arcabouço de governança, e devem se estender e permanecer vigentes até períodos posteriores ao de retirada do sócio ou acionista.

No caso dos fundadores, é usual a adoção do reverse vesting, modelo em que o fundador consolida sua participação apenas se permanecer contribuindo por período mínimo, sob pena de recompra das quotas ou ações pela sociedade. O padrão de mercado adota quatro anos de vesting e um ano de cliff, com aquisição gradual e possibilidade de aceleração parcial em operações de fusão ou aquisição, mediante double trigger. Essa prática protege a empresa e os investidores contra fundadores que se desligam precocemente, preservando a coerência do time fundador.

Erros recorrentes na prática incluem prometer participação sem documentação formal, adotar preços simbólicos sem respaldo em laudo, omitir o cliff, não prever cláusulas de leaver ou recompra, ignorar aprovações societárias e desconsiderar impactos contábeis e trabalhistas. Esses equívocos podem gerar litígios, nulidade do plano ou passivos fiscais relevantes.

Em síntese, o vesting é uma ferramenta estratégica e jurídica essencial no ecossistema de inovação. Quando estruturado com rigor técnico - mediante cláusula de cliff, regras claras de saída e observância das normas societárias, trabalhistas e tributárias -, ele assegura alinhamento de interesses, reforça a governança corporativa e contribui para a sustentabilidade de longo prazo das startups. Ao equilibrar incentivos e segurança jurídica, o vesting deixa de ser apenas um instrumento contratual e se torna um verdadeiro pilar da profissionalização e da perenidade das empresas emergentes.

Suely Tamiko Maeoka
Advogada no Rücker Curi - Advocacia e Consultoria Jurídica.

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