Migalhas de Peso

A ausência de posicionamento de mercado já é um posicionamento

Em um mercado saturado e cada vez mais competitivo, muitos escritórios ainda operam no modo “fazemos de tudo um pouco”. Entenda o risco.

12/12/2025
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Há uma frase que costumo ouvir com frequência, quando converso com sócios de escritórios de advocacia empresarial: “Atendemos de tudo um pouco.”

À primeira vista, um escritório que resolve “tudo” para “todos” transmite a ideia de amplitude, disponibilidade, capacidade de resposta. Mas, no contexto em que a advocacia vive hoje, com milhares de novos profissionais por ano, clientes empresariais pressionados por resultado e concorrência acirrada, essa amplitude tem um outro nome: falta de posicionamento. E não se posicionar também é um posicionamento. É escolher ser mais um.

A ilusão do “atender todo mundo”

Os escritórios que mais sofrem com isso são, em geral, os que já têm estrada, boa carteira de empresas, faturamento razoável, forte reputação técnica. Na prática, fazem de tudo um pouco e, justamente por isso, não são lembrados por nada em particular.

Quando pergunto “por que uma empresa deveria contratar o seu escritório e não o da esquina?”, a resposta vem, muitas vezes, em termos genéricos: “excelência técnica”, “atendimento próximo”, “compromisso com o cliente”. Frases verdadeiras, mas que poderiam estar no site de qualquer banca.

A ausência de posicionamento não significa que o escritório não tenha valor. Significa que ele não consegue comunicar esse valor de maneira clara, específica e, principalmente, comparável.

Se o cliente não enxerga diferença, ele compara por preço e prazo. E, quando isso acontece, o resultado é previsível: margens espremidas, negociações desgastantes e um sentimento permanente de que “o mercado não valoriza o advogado”.

Mercado saturado, memória seletiva

O contexto só torna esse quadro mais crítico. O Brasil forma centenas de milhares de novos advogados a cada ano. Escritórios pequenos e médios disputam espaço com grandes bancas, departamentos jurídicos internos e até soluções alternativas, como consultorias e tecnologia.

Nesse cenário, a atenção do cliente é um recurso escasso. Ele não tem tempo para entender o escritório em profundidade. Ele captura uma ideia rápida: “esse é o escritório que faz X para empresas como a minha”. Se essa frase não existe, a lembrança some.

O cliente até gosta do advogado, confia no trabalho, mas, na hora de uma nova demanda estratégica, acaba ouvindo “indicações” que chegam com posicionamentos mais claros: o escritório especialista em contratos de infraestrutura, a banca focada em empresas familiares, o time que cuida de franchising, o especialista em startups e venture capital.

Aqui está o ponto sensível: o escritório sem posicionamento raramente é o primeiro nome lembrado, mesmo quando tem capacidade técnica para atender. Ele vira o “resolvedor de problemas gerais”, útil, mas facilmente substituível.

Posicionamento não é slogan, é escolha

Muitos advogados confundem posicionamento com frase de efeito. Não é disso que se trata. Posicionar-se é fazer escolhas claras:

  • de quem é o seu cliente ideal (porte, setor, momento de maturidade);
  • em qual tipo de problema você é excepcionalmente melhor;
  • em que modelo de relação você quer construir (pontual, recorrente, projetos, contrato de partido);
  • que tipo de resultado concreto você entrega para esse cliente.

Quando, por exemplo, um escritório decide se dedicar a empresas de médio porte, intensivas em contratos, com foco em direito empresarial, ele está dizendo ao mercado: “é aqui que eu jogo melhor”. Essa decisão dá direção para tudo: do conteúdo que produz à forma como aborda potenciais clientes, passando pela precificação e por serviços como gestão contratual, auditorias, contratos de partido. Ao contrário do que parece, isso não “limita” o escritório. Isso o torna relevante.

A dor da falta de posicionamento: previsibilidade zero

A principal dor dos escritórios empresariais hoje não é falta de cliente, mas falta de previsibilidade. Faturar, faturam. Mas começam todo mês do zero, dependentes de demandas pontuais. Não há base recorrente, não há contrato de partido bem estruturado, não há serviço contínuo que garanta mínimo de estabilidade.

Sem posicionamento, é difícil construir esse tipo de serviço. Como oferecer algo recorrente se o escritório é, por definição, “generalista”? Como propor gestão contratual se o foco não é claro em empresas com volume relevante de contratos? Como ser visto como parceiro estratégico se a conversa ainda é toda enquadrada no modelo “mande o caso que a gente resolve”?

A consequência é uma advocacia que vive de picos e vales: meses excelentes, seguidos de períodos de caixa apertado, decisões travadas, investimento adiado em pessoas e tecnologia. O escritório até cresce, mas cresce na base do improviso, não da estratégia.

Posicionamento é também sobre o cliente que você escolhe atender

Há um ponto que costuma ser pouco discutido: o posicionamento do escritório determina também o tipo de cliente que ele atrai. Quando a mensagem é “atendemos qualquer empresa”, o escritório tende a trazer clientes que veem o jurídico como custo, buscam o menor preço possível e trocam facilmente de fornecedor.

Quando o discurso é “ajudamos empresas que dependem de contratos para rodar seus negócios a organizar, gerir e reduzir o risco da sua base contratual”, o perfil muda. Esse tipo de empresa tende a:

  • valorizar segurança e previsibilidade;
  • enxergar o jurídico como investimento;
  • aceitar melhor modelos de contratação recorrente;
  • ver o escritório como parceiro estratégico, não como despesa pontual.

A escolha é sempre bilateral. O escritório escolhe o mercado; o mercado escolhe o escritório. Não se posicionar é, na prática, aceitar qualquer um que apareça. E, na advocacia de hoje, isso tem um preço alto.

“E se eu errar o posicionamento?”

Uma dúvida recorrente dos sócios é: “e se eu escolher um foco e ele se mostrar estreito demais?” A resposta é menos dramática do que parece. Posicionamento é estratégia. Ele pode (e deve) ser testado, ajustado, refinado conforme o escritório aprende mais sobre seu mercado, seus clientes e a própria equipe.

O risco maior não está em escolher um caminho e depois corrigi-lo. O risco maior está em não escolher nenhum e assistir outros escritórios ocuparem o espaço de referência em nichos em que você poderia estar.

Começar pela pergunta incômoda

Se eu pudesse sugerir um exercício a qualquer sócio de escritório empresarial hoje, seria este:

  1. Escreva, em uma frase, qual é o problema de negócio concreto que o seu escritório resolve para as empresas que atende.
  2. Escreva, em outra frase, qual tipo de empresa (porte, setor, momento) é o seu cliente ideal.
  3. Pergunte a três clientes atuais se é assim que eles enxergam o seu escritório.

Se as respostas divergirem muito, é um sinal de alerta: o mercado não está recebendo a mesma mensagem que você acredita estar emitindo.

A partir daí, não é preciso virar tudo de cabeça para baixo, nem abandonar casos atuais. Mas é possível começar a ajustar a rota: dizer mais “sim” para aquilo que se alinha ao foco desejado, e mais “não” (ou “não agora”) para o que afasta o escritório desse desenho.

Conclusão: ficar em cima do muro também é tomar partido

No ambiente em que a advocacia empresarial está inserida, competitivo, pressionado por eficiência, com clientes buscando segurança e previsibilidade, a neutralidade é uma ilusão.

O escritório que não se posiciona claramente:

  • já está dizendo ao mercado que é mais um entre tantos;
  • já está aceitando disputar por preço;
  • já está abrindo mão de construir uma narrativa própria;
  • já está escolhendo viver de demanda pontual e imprevisível.

A ausência de posicionamento é, em si, um posicionamento. Só raramente é o que o escritório escolheria se pudesse enxergar de fora. E, talvez, o primeiro passo para mudar isso seja justamente esse: olhar para o próprio escritório não apenas como advogado, mas como empresário. Perguntar, com honestidade: “se eu não fosse sócio aqui, eu contrataria este escritório? E por qual motivo específico?”

Se a resposta não vier com clareza, não é o mercado que está confuso. É o escritório que ainda não decidiu quem quer ser.

Autor

Henrique Flôres Cofundador da Contraktor. Formado em Direito e Sistemas para Internet, especialista em Administração e com MBA em Gestão Estratégica, IA e Marketing.

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