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Voo judicial suspenso, por ora: O Tema 1.417 do STF e a litigância abusiva no transporte aéreo

O Supremo suspendeu processos que exploram atrasos e cancelamentos, freando abusos e alinhando decisões às normas internacionais de transporte aéreo.

17/12/2025
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A recente afetação do Tema 1.417 pelo STF, que discute a prevalência das convenções internacionais sobre o CDC em casos de força maior, impôs um necessário "pouso forçado" em milhares de processos que tramitam no Judiciário brasileiro.

Mais do que uma simples medida de gestão processual, a determinação de suspensão nacional dos feitos representa um freio de arrumação em um nicho de mercado que, nos últimos anos, transformou o atraso de voo e o cancelamento operacional em ativos financeiros transacionáveis.

A banalização da "falha na prestação do serviço"

O modelo de negócio de inúmeras "lawtechs" e escritórios de massa baseia-se em uma premissa que o STF agora coloca em xeque: a responsabilidade objetiva irrestrita das companhias aéreas. Sob a ótica distorcida de um paternalismo judicial excessivo, consolidou-se no Brasil a ideia de que o transportador aéreo é o segurador universal da viagem, devendo responder por tudo, inclusive pelo imponderável.

Essa interpretação ignora o que preconizam as normas internacionais - notadamente as Convenções de Varsóvia e Montreal -, das quais o Brasil é signatário. A lógica global é clara: eventos de força maior, como erupções vulcânicas, tempestades severas que fecham aeroportos ou greves de terceiros, rompem o nexo causal. Não há racionalidade econômica ou jurídica em punir a empresa por eventos que ela não deu causa e não poderia evitar.

O Brasil na contramão do mundo: A anomalia dos 95%

A aplicação irrestrita do CDC nas ações contra companhias aéreas, muitas vezes em detrimento dos tratados internacionais, criou uma anomalia de proporções alarmantes. Segundo dados divulgados recentemente pelo colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo1, o Brasil concentra, sozinho, 95% de todas as ações judiciais contra companhias aéreas em todo o mundo.

Essa hiperlitigiosidade não reflete um serviço pior do que o prestado no restante do mundo, mas sim um incentivo processual perverso. Ao tratar o fortuito externo como risco do empreendimento, o Judiciário brasileiro opera uma transferência de renda arbitrária e única no cenário internacional, encarecendo a operação aérea e, por consequência, o preço final das passagens para a coletividade dos consumidores.

O efeito pedagógico da suspensão

O Tema 1.417 surge como a oportunidade de o STF alinhar o Brasil às práticas globais de Direito Aeronáutico. Ao discutir se a limitação de responsabilidade deve prevalecer em casos de força maior, a Corte tem a chance de desidratar a litigância abusiva que aposta na condenação automática e na "indústria do dano moral". Até o julgamento do mérito, a suspensão serve como um alerta severo ao mercado: o Judiciário não deve servir de balcão de negócios para quem explora a imprevisibilidade inerente à aviação como fonte de lucro.

Conclusão

É urgente restabelecer a ordem jurídica e o respeito à hierarquia das normas. O contrato de transporte deve ser entendido como uma obrigação de meio, sujeita a intempéries, e não como uma promessa inatingível de resultado absoluto. A pacificação do Tema 1.417 poderá, finalmente, devolver racionalidade ao sistema, separando o consumidor que teve seu direito violado daquele que busca enriquecimento sem causa.

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Referência

1 JARDIM, Lauro. Brasil concentra 95% dos processos contra companhias aéreas em todo o mundo. O Globo, 2025. Disponível em: https://oglobo.globo.com/blogs/lauro-jardim/post/2025/09/brasil-concentra-95percent-dos-processos-contra-companhias-aereas-em-todo-o-mundo.ghtml. Acesso em 9/12/2025.

Autor

Anibal Pereira da Silva Junior Analista Jurídico Sênior no Parada Advogados. Advogado, pós-graduando em Direito Processual Civil pela Escola Superior de Advocacia Nacional, com expertise em Direito Bancário.

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