Migalhas de Peso

Plano de saúde "falso coletivo" - A desnecessidade de prova atuarial

O presente artigo analisa a desnecessidade de produção de prova pericial atuarial nas ações judiciais que visam ao reconhecimento do denominado plano de saúde “falso coletivo”.

22/12/2025
Publicidade
Expandir publicidade

1. Introdução

A saúde suplementar no Brasil é disciplinada pela lei 9.656/1998 e regulada pela ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar, estruturando-se em distintas modalidades contratuais.

A correta classificação do plano de saúde possui implicações jurídicas relevantes, especialmente quanto aos critérios de reajuste das mensalidades e à incidência das normas protetivas do consumidor.

Nas últimas décadas, verificou-se a ampliação da comercialização dos denominados planos de saúde “falsos coletivos”, prática que consiste em enquadrar contratos de natureza individual ou familiar como coletivos, com o objetivo de afastar o controle regulatório da ANS.

Tal circunstância tem sido objeto de intensa judicialização, sobretudo em demandas que questionam reajustes abusivos.

Nesse contexto, surge o debate acerca da necessidade de produção de prova pericial atuarial para o reconhecimento judicial da natureza jurídica desses contratos, questão que se pretende enfrentar no presente estudo.

2. Modalidades de planos de saúde por forma de contratação

2.1 Plano de saúde individual: O plano de saúde individual é contratado diretamente por pessoa física, sem intermediação de pessoa jurídica ou entidade representativa. Trata-se de típica relação de consumo, submetida integralmente ao CDC. Seus reajustes anuais são previamente fixados pela ANS, como forma de proteção do beneficiário frente à assimetria contratual.

2.2 Plano de saúde familiar: O plano familiar, embora também contratado por pessoa física, destina-se à cobertura de um núcleo familiar, com inclusão de dependentes expressamente indicados. Do ponto de vista jurídico, equipara-se ao plano individual, inclusive quanto à regulação dos reajustes e à incidência das normas consumeristas.

2.3 Plano de saúde coletivo empresarial: O plano coletivo empresarial é contratado por pessoa jurídica em favor de seus empregados ou servidores, pressupondo vínculo empregatício ou estatutário. Parte-se da premissa de maior equilíbrio contratual e de diluição de riscos, razão pela qual os reajustes não são previamente definidos pela ANS.

2.4 Plano de saúde coletivo por adesão: O plano coletivo por adesão é contratado por intermédio de entidades de classe, sindicatos ou associações profissionais, exigindo vínculo associativo efetivo. Assim como o coletivo empresarial, fundamenta-se na lógica do mutualismo e da coletividade real.

3. Modalidades de planos de saúde por tipo de cobertura 

3.1 Plano ambulatorial: Cobre consultas médicas, exames médicos e terapias (fisioterapia, fonoaudiologia etc.), mas não há cobertura para internações. 

3.2 Plano hospitalar (com ou sem obstetrícia): Cobre internações, UTI e procedimentos cirúrgicos. Se contratada a obstetrícia, inclui-se pré-natal e parto. Não cobre consultas e exames ambulatoriais. 

3.3 Plano com atendimento completo (ambulatorial + hospitalar): O mais comum e abrangente, cobrindo consultas, exames, terapias e internações, conforme o rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar. 

3.4 Plano de referência: Trata-se de um tipo específico de plano completo, com cobertura mínima obrigatória pela ANS, incluindo acomodação em enfermaria ou apartamento. 

3.5 Odontológico: Há cobertura exclusiva para procedimentos odontológicos. 

4. Modalidades de planos de saúde por modelo de pagamento

  • Coparticipação: A mensalidade é mais baixa, porém o beneficiário paga uma parte (percentual ou valor fixo) do valor de cada procedimento (consulta, exame etc.) quando faz uso do plano.
  • Coparticipação: A mensalidade mais alta, mas sem custos adicionais por utilização (exceto franquias, se houver). 

5. O plano de saúde “falso coletivo”

O denominado plano de saúde “falso coletivo” caracteriza-se pela ausência dos elementos essenciais que definem um contrato coletivo legítimo. Embora formalmente estruturado como coletivo, carece de vínculo real entre os beneficiários e a pessoa jurídica ou entidade estipulante, além de apresentar reduzido número de usuários, frequentemente pertencentes ao mesmo núcleo familiar.

A doutrina reconhece que a simples nomenclatura contratual não é suficiente para definir sua natureza jurídica. Conforme leciona Tartuce (2023), deve prevalecer a realidade fática sobre a forma adotada, sob pena de esvaziamento da proteção consumerista.

Na prática, o plano de saúde falso coletivo é oferecido como empresarial, mas é contratado por um grupo familiar, que é geralmente composto por pai, mãe e filhos, por exemplo. O objetivo é criar uma espécie de grupo com CNPJ para fugir das normas regulatórias da ANS e cobrar reajustes abusivos sem qualquer limitação. Essa prática é ilegal e prejudica os consumidores, que ficam sujeitos a reajustes altíssimos e sem qualquer possibilidade de contestação.

Os prejuízos para os consumidores que contratam o plano de saúde falso coletivo são enormes. Além de não terem acesso aos serviços que foram contratados de forma efetiva, esses consumidores ainda são lesados com reajustes abusivos e sem qualquer limitação.

Os planos de saúde falsos coletivos permitem que as operadoras aumentem os valores das mensalidades sem qualquer justificativa, prejudicando as famílias e colocando em risco a saúde financeira de muitos.

Nossos tribunais entendem que essa prática é abusiva e fere os princípios do CDC; haja vista que a oferta de plano de saúde coletivo é regulada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar e pressupõe a existência de um vínculo entre os beneficiários, seja ele profissional, sindical, associativo ou empresarial.

Assim, quando uma operadora de plano de saúde oferece um plano falso coletivo, ela está burlando a regulação da ANS e prejudicando os consumidores, que acabam pagando mais caro por um serviço que não lhes oferece as vantagens e as garantias previstas em um plano coletivo verdadeiro.

Caracterizam o plano de saúde falso coletivo:

  • Ausência de vínculo coletivo real: No plano de saúde coletivo legítimo, os beneficiários estão vinculados por meio de uma empresa, associação, sindicato ou outra entidade de classe. No falso coletivo, porém, a suposta "coletividade" é formada de maneira artificial, sem um vínculo genuíno entre os participantes. Muitas vezes os integrantes do plano, na realidade, são membros de uma mesma família.
  • Número reduzido de participantes: Falsos planos coletivos muitas vezes envolvem apenas um pequeno número de pessoas, o que contrasta com os planos coletivos legítimos, que geralmente cobrem grupos maiores. Isso facilita a manipulação e aplicação de reajustes que seriam proibidos em planos individuais.
  • Aparência de plano individual: Apesar de serem vendidos como coletivos, esses planos funcionam de maneira muito similar a planos individuais, com a diferença de que não estão sujeitos ao controle de reajustes pela ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar.
  • Utilização para evitar regras da ANS: Como os planos coletivos não têm seus reajustes anuais diretamente regulados pela ANS, as operadoras podem aplicar aumentos de forma mais livre, o que pode resultar em valores significativamente mais altos para os beneficiários. Essa é uma das principais motivações para a criação dos falsos planos coletivos.

São riscos e consequências do plano falso coletivo:

  • Reajustes abusivos: Os beneficiários de falsos planos coletivos correm o risco de enfrentar reajustes elevados e imprevisíveis, uma vez que esses planos não estão sujeitos ao limite de aumento imposto pela ANS para planos individuais.
  • Menor proteção jurídica: Os consumidores têm menos proteção jurídica em planos coletivos, uma vez que muitos dos direitos previstos para planos individuais não se aplicam. Em casos de falsos coletivos, os beneficiários podem enfrentar dificuldades adicionais para contestar reajustes ou rescisões contratuais.
  • Cancelamento abrupto: Como os contratos de planos coletivos podem ser rescindidos unilateralmente pela operadora, os beneficiários de falsos coletivos correm o risco de ter seus planos cancelados de maneira repentina, muitas vezes sem justa causa.

6. A natureza jurídica familiar do “falso coletivo”

Sob a perspectiva material, o plano “falso coletivo” reproduz integralmente as características do plano familiar: contratação por pessoa física, ausência de negociação coletiva e inexistência de mutualismo efetivo.

À luz do princípio da primazia da realidade, impõe-se o reconhecimento de sua verdadeira natureza jurídica.

Tal entendimento conduz, necessariamente, à submissão do contrato aos limites regulatórios impostos pela ANS, inclusive quanto aos reajustes anuais.

7. Prova atuarial: Conceito, finalidade e desnecessidade

Cálculo atuarial em planos de saúde é a ciência que usa matemática e estatística para prever e gerenciar riscos (como doenças, internações, uso de serviços), determinando as reservas financeiras, a precificação (mensalidades/prêmios) e a sustentabilidade do plano a longo prazo, garantindo que os recursos sejam suficientes para cobrir os custos futuros dos beneficiários. O objetivo é equilibrar receitas e despesas, assegurando que o plano possa honrar seus compromissos, através de estudos que analisam dados demográficos (idade, sexo) e de sinistralidade (frequência e custo de eventos de saúde). 

O cálculo atuarial envolve a análise de:

  • Avaliação de riscos: Estima a probabilidade e o custo de eventos como internações, consultas, exames, partos etc., usando dados históricos e projeções.
  • Precificação (custo do seguro): Define o valor das mensalidades para cobrir os custos esperados, incluindo a margem para administrar o plano e gerar lucro (para operadoras) ou manter o equilíbrio (para autogestão).
  • Cálculo de reservas técnicas: Determina o montante de dinheiro que a operadora precisa ter guardado (provisões matemáticas) para pagar sinistros futuros, especialmente os de longo prazo.
  • Análise de sustentabilidade: Verifica se o plano tem recursos para se manter (superávit/déficit) e sugere ajustes (aumento de mensalidades, mudanças no regulamento) para garantir sua solvência.
  • Reajustes: É a base para calcular os reajustes anuais das mensalidades, balanceando a inflação médica (custo dos serviços) e a variação de uso pelos beneficiários (sinistralidade). 

A prova atuarial consiste em estudo técnico destinado à análise do equilíbrio econômico-financeiro de contratos que envolvem riscos coletivos, considerando variáveis estatísticas e demográficas. Sua finalidade é justificar reajustes em contratos coletivos legítimos, nos quais há dispersão de riscos e mutualismo.

Segundo Lopes (2021), a lógica atuarial somente se sustenta quando presente uma coletividade real, o que não se verifica nos planos “falsos coletivos”.

Neste momento importante diferenciar entre sinistralidade e VCMH e sinistralidade, pois são aspectos também utilizados para o reajuste de planos empresariais coletivos ou por adesão.

A VCMH - Variação de Custos Médico-Hospitalares e a sinistralidade são institutos distintos, embora frequentemente invocados pelas operadoras como fundamentos para reajustes de planos de saúde, sobretudo nos planos coletivos. A confusão conceitual entre ambos é recorrente e relevante do ponto de vista técnico-jurídico, inclusive para a impugnação judicial dos reajustes.

A VCMH corresponde ao índice que mede a variação dos custos de insumos e serviços de saúde suportados pelas operadoras em determinado período e reflete em tese, o aumento médio dos custos assistenciais, tais como: honorários médicos; diárias hospitalares; materiais e medicamentos; exames e procedimentos; incorporação de novas tecnologias; inflação setorial da saúde.

Trata-se de um índice econômico-setorial, não vinculado diretamente ao comportamento de um grupo específico de beneficiários.

A sinistralidade corresponde à relação entre as despesas assistenciais efetivamente ocorridas e as receitas obtidas com as mensalidades de um determinado contrato ou grupo de beneficiários, sendo sua fórmula:

Sinistralidade = Despesas assistenciais / Receitas de mensalidades

Nada obstante, a exigência de prova atuarial nas ações que discutem planos “falsos coletivos” mostra-se inadequada por três fundamentos principais:

  1. Inexistência de mutualismo real, inviabilizando a aplicação da lógica atuarial;
  2. Natureza jurídica da controvérsia, que se resolve por interpretação contratual e aplicação do direito do consumidor;
  3. Desnecessidade probatória, nos termos da doutrina processual, quando os fatos relevantes são incontroversos.

Didier Jr. (2022) ensina que a prova pericial é dispensável quando a controvérsia se restringe à qualificação jurídica dos fatos.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça Bandeirante é uníssona:

PLANO DE SAÚDE. REVISIONAL DE CLÁUSULA DE REAJUSTE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DA DEMANDADA. PRELIMINAR DE DIALETICIDADE ARGUIDA EM CONTRARRAZÕES. ARGUIÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. REJEIÇÃO. INFERE-SE DAS RAZÕES DE APELAÇÃO DA DEMANDADA ARGUMENTOS SUFICIENTES PARA VIABILIZAR A APRECIAÇÃO DO MÉRITO RECURSAL. PRELIMINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. PRETENSÃO À NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA. REJEIÇÃO. CONTEXTO PROBATÓRIO SUFICIENTE PARA O JULGAMENTO DA CAUSA. A PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL ATUARIAL PARA VERIFICAÇÃO DA ABUSIVIDADE DOS REAJUSTES NÃO É NECESSÁRIA EM SE TRATANDO DE PLANO INDIVIDUAL/FAMILIAR OU "FALSO COLETIVO", COMO NO CASO EM COMENTO, BASTANDO QUE SEJA ANALISADA A OBSERVÂNCIA AOS ÍNDICES ESTABELECIDOS PELA ANS. PRECEDENTES. MÉRITO. CLÁUSULA DE REAJUSTE. PRETENSÃO À REFORMA DO JULGADO PARA QUE SEJA RECONHECIDA A LEGALIDADE DO REAJUSTE ANUAL APLICADO AO CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE COLETIVO EMPRESARIAL. DESACOLHIMENTO. TRATA-SE, NA VERDADE, DE CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE "FALSO COLETIVO", POSTO QUE CONSISTE A BENEFICIÁRIA EM EMPRESA DE PORTE REDUZIDO, COM NÚMERO DE VIDAS RESTRITO, ENVOLVENDO 04 (QUATRO) FAMILIARES, DEVENDO SER APLICADAS AS REGRAS DA ANS PERTINENTES À MODALIDADE DE PLANO DE SAÚDE INDIVIDUAL OU FAMILIAR. CONFIGURADA, POIS, A ABUSIVIDADE DO REAJUSTE, DE RIGOR A RESTITUIÇÃO DOS VALORES COBRADOS A MAIOR, OBSERVADO, CONTUDO, O PRAZO TRIENAL PARA A REPETIÇÃO DO INDÉBITO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. SENTENÇA MANTIDA. APLICAÇÃO DO ART. 252 DO RITJSP. APELAÇÃO DESPROVIDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MAJORADOS. (TJ-SP - APELAÇÃO CÍVEL: 10399684020258260100 SÃO PAULO, RELATOR.: JOSÉ PAULO CAMARGO MAGANO, DATA DE JULGAMENTO: 07/10/2025, NÚCLEO DE JUSTIÇA 4 .0 EM SEGUNDO GRAU – TURMA II (DIREITO PRIVADO 1), DATA DE PUBLICAÇÃO: 07/10/2025)

CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. SEGURO SAÚDE. "FALSO COLETIVO”. SUBSTITUIÇÃO DOS REAJUSTES PELOS ÍNDICES DA ANS. POSSIBILIDADE. DESNECESSIDADE DE PERÍCIA ATUARIAL. I. CASO EM EXAME: RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO CONTRA A SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS EM AÇÃO DECLARATÓRIA C.C. OBRIGAÇÃO DE FAZER, INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, DECLARANDO NULAS AS CLÁUSULAS CONTRATUAIS QUE ESTABELECEM REAJUSTES POR SINISTRALIDADE E VARIAÇÃO DOS CUSTOS MÉDICO-HOSPITALARES EM PERCENTUAIS SUPERIORES AOS ÍNDICES DA ANS PARA OS PLANOS INDIVIDUAIS E FAMILIARES, BEM COMO CONDENANDO A SEGURADORA A PROMOVER A RESTITUIÇÃO DAS QUANTIAS PAGAS A MAIOR, DE FORMA SIMPLES, COM JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA, DESDE QUE NÃO ATINGIDAS PELA PRESCRIÇÃO TRIENAL. A RECORRENTE ALEGA CERCEAMENTO DE DEFESA, AFIRMANDO QUE NÃO FOI PERMITIDA A PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL, ALÉM DE DEFENDER A LEGALIDADE DOS REAJUSTES APLICADOS. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO: A QUESTÃO EM DISCUSSÃO CONSISTE EM: (I) DEFINIR SE HOUVE CERCEAMENTO DE DEFESA EM RAZÃO DA NÃO REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL; (II) VERIFICAR A LEGALIDADE DOS REAJUSTES APLICADOS AO CONTRATO DE PLANO/SEGURO SAÚDE. III. RAZÕES DE DECIDIR: A PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL FOI CONSIDERADA DESNECESSÁRIA PARA A RESOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA, UMA VEZ QUE O JUIZ PODE JULGAR ANTECIPADAMENTE A DEMANDA QUANDO CONVENCIDO POR OUTROS ELEMENTOS JÁ CONSTANTES NOS AUTOS. O CONTRATO EM QUESTÃO, EMBORA DENOMINADO COLETIVO, FOI CONSIDERADO DE NATUREZA INDIVIDUAL/FAMILIAR, APLICANDO-SE, PORTANTO, OS LIMITES DE REAJUSTE PREVISTOS PELA ANS, SEM NECESSIDADE DE PERÍCIA ATUARIAL. IV. DISPOSITIVO E TESE: NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, MAJORANDO-SE OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE ACORDO COM O DISPOSTO NO ART. 85, §§ 2º E 11, DO CPC/15, BEM COMO NA TESE DEFINIDA NO TEMA REPETITIVO 1 .059/STJ. TESE DE JULGAMENTO: "1. A PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL ATUARIAL PARA VERIFICAÇÃO DA ABUSIVIDADE DOS REAJUSTES NÃO É NECESSÁRIA EM SE TRATANDO DE PLANO INDIVIDUAL/FAMILIAR OU" FALSO COLETIVO", BASTANDO QUE SEJA ANALISADA A OBSERVÂNCIA AOS ÍNDICES ESTABELECIDOS PELA ANS. 2. CONTRATOS COLETIVOS COM POUCOS BENEFICIÁRIOS DEVEM SER TRATADOS COMO INDIVIDUAIS PARA FINS DE REAJUSTE." (TJ-SP - APELAÇÃO CÍVEL: 10326954420248260100 SÃO PAULO, RELATOR.: MÁRIO CHIUVITE JÚNIOR, DATA DE JULGAMENTO: 11/03/2025, 3ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, DATA DE PUBLICAÇÃO: 11/03/2025)

APELAÇÃO – PLANO DE SAÚDE – REAJUSTE CONTRATUAL DE PLANO DE SAÚDE - FALSO COLETIVO (5 VIDAS). CERCEAMENTO DE DEFESA - NÃO CONFIGURADO - PROVA DOCUMENTAL SUFICIENTE PARA O JULGAMENTO DA CAUSA - INEXISTE NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE OUTRAS PROVAS - DESNECESSIDADE DE PROVA PERICIAL – INSTRUMENTO CONTRATUAL SE MOSTRA SUFICIENTE PARA O DESLINDE DA CAUSA. REAJUSTE ABUSIVO – EM SE TRATANDO DE PLANO DE SAÚDE DENOMINADO FALSO COLETIVO, COM APENAS CINCO VIDAS, IMPÕE-SE O TRATAMENTO RESERVADO AOS PLANOS INDIVIDUAIS E FAMILIARES, COM APLICAÇÃO DOS ÍNDICES DA ANS – PERCENTUAL DE REAJUSTE SUPERIOR A 72% ENTRE 2021 E 2023 – AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA PARA TAL PERCENTUAL DE MAJORAÇÃO PELA RÉ – ABUSIVIDADE CONSTATADA – RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE QUE DEVE SER MANTIDA, COIBINDO-SE O ENRIQUECIMENTO INDEVIDO DA OPERADORA. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS – MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO DA RÉ EM HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA – MAJORAÇÃO EM SEDE RECURSAL NOS TERMOS DO ART. 85, § 11, DO CPC, FIXADOS EM 12% SOBRE O VALOR DA CAUSA. RECURSO DA RÉ DESPROVIDO. (TJ-SP - APELAÇÃO CÍVEL: 11584346120238260100 SÃO PAULO, RELATOR.: JOÃO BATTAUS NETO, DATA DE JULGAMENTO: 20/09/2024, NÚCLEO DE JUSTIÇA 4.0 EM SEGUNDO GRAU – TURMA II (DIREITO PRIVADO 1), DATA DE PUBLICAÇÃO: 20/09/2024)

APELAÇÃO CÍVEL – PLANO DE SAÚDE – REVISÃO CONTRATUAL COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO – PLANO COLETIVO EMPRESARIAL CONTRATADO EM BENEFÍCIO DE APENAS DUAS VIDAS – SENTENÇA QUE DECLAROU A NULIDADE PARCIAL DE CLÁUSULA DE REAJUSTE CONTRATUAL E DETERMINOU A SUBSTITUIÇÃO DOS REAJUSTES CONTRATUAIS PELOS PERCENTUAIS DA ANS PARA OS PLANOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS, ALÉM DA RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS A MAIOR – IRRESIGNAÇÃO DA OPERADORA REQUERIDA – CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO ACOLHIMENTO – DESNECESSIDADE DE PROVA PERICIAL ATUARIAL – DOCUMENTOS JUNTADOS NOS AUTOS, NOTADAMENTE O INSTRUMENTO CONTRATUAL E A PROPOSTA DE CONTRATAÇÃO, QUE SE MOSTRAM SUFICIENTES PARA O DESLINDE DA CAUSA – MÉRITO – CONSTATADO TRATAR-SE DE PLANO EMPRESARIAL ATÍPICO, COM NÚMERO DIMINUTO DE PESSOAS TORNA-SE ADMISSÍVEL A APLICAÇÃO DOS PERCENTUAIS DE REAJUSTES ANUAIS AUTORIZADOS PELA ANS PARA OS PLANOS INDIVIDUAIS E FAMILIARES – PRECEDENTES DESTE EGRÉGIO SODALÍCIO E DO COLENDO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. J-SP - APELAÇÃO CÍVEL: 10514912020238260100 SÃO PAULO, RELATOR.: FERNANDO REVERENDO VIDAL AKAOUI, DATA DE JULGAMENTO: 27/08/2024, 7ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, DATA DE PUBLICAÇÃO: 27/08/2024)

8. Conclusão

Conclui-se que o plano de saúde “falso coletivo” constitui desvirtuamento contratual destinado a afastar indevidamente a proteção conferida aos consumidores. Reconhecida sua natureza familiar, impõe-se a aplicação dos índices de reajuste fixados pela ANS, sendo desnecessária a produção de prova pericial atuarial.

Em palavras outras, a produção de prova pericial atuarial para verificação da abusividade dos reajustes não é necessária em se tratando de plano individual/familiar ou "falso coletivo", como no caso em apreço, bastando que seja analisada a observância aos índices estabelecidos pela ANS.

Por que promover a prova atuarial em se tratando de plano de saúde falso coletivo, o qual é considerado familiar por se tratar de falso coletivo? Não! A própria natureza do plano afasta a necessidade de tal prova.

O juiz, ao reconhecer se tratar de falso coletivo, detém plenas condições de julgar o processo sem a produção de prova atuarial pois, reconhecida a natureza de plano familiar, despicienda a prova atuarial.

O raciocínio chega a ser lógico:

  1. O estudo atuarial aplica-se para reajuste de planos coletivos empresariais ou por adesão;
  2. O plano de saúde empresarial falso coletivo não é coletivo empresarial ou por adesão;
  3. O plano de saúde empresarial falso coletivo tem natureza familiar;
  4. Logo não se aplica o estudo atuarial a plano de saúde empresarial falso coletivo!

A controvérsia é essencialmente jurídica e deve ser solucionada com base na legislação consumerista, nos princípios contratuais e na análise da realidade fática, preservando-se a função social do contrato e a dignidade do consumidor.

___________________________

BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Regulação dos planos de saúde. Brasília: ANS, 2024.

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 25. ed. Salvador: JusPodivm, 2022.

LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito dos seguros e planos de saúde. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.

NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito do consumidor. 9. ed. São Paulo: Método, 2023.

Autor

Fernando Borges Vieira Sócio Nominal de Fernando Borges Vieira Sociedade de Advogados, Mestre em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, expert em Direito Médico e da Saúde: https://linktr.ee/FBVSocAdv.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos