A aprovação, pelo Senado Federal, do PL 1.469/20, aguardando apenas a sanção presidencial até 6/1/261, tem potencial para resolver não apenas a controvérsia central relacionada ao limite etário para ingresso nas Polícias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares, mas também uma celeuma paralela e recorrente nos concursos para o curso de formação de oficiais, especialmente quando envolvem candidatos oriundos de outras corporações militares estaduais ou distrital. Trata-se de um debate que, embora sustentado por uma minoria de intérpretes, tem gerado insegurança jurídica, instabilidade administrativa e disputas judiciais relevantes.
A controvérsia decorre da interpretação do § 2º do artigo 15 da lei 14.751/23, a lei orgânica nacional das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares. O dispositivo estabelece que os integrantes da instituição militar não terão limite de idade para o concurso público de ingresso no quadro de oficiais de Estado-Maior. Alguns candidatos sustentam que a expressão “integrantes da instituição militar” permitiria a extensão desse benefício a policiais militares e bombeiros militares pertencentes a outras corporações, e não apenas àquela responsável pela realização do concurso. Essa leitura ampliativa, contudo, sempre encontrou resistência na lógica federativa, na autonomia administrativa das corporações e na própria sistemática da lei orgânica nacional.
Paralelamente, o cenário jurisprudencial passou a consolidar, com maior densidade, a vedação de discriminações etárias entre candidatos submetidos ao mesmo certame quando a diferenciação não estiver diretamente vinculada à natureza das atribuições do cargo. O STF reafirmou, no ARE 1.335.806 AgR/DF2, que viola o princípio da isonomia a diferenciação de critério de idade para ingresso na carreira da Polícia Militar entre candidatos civis e candidatos integrantes da própria corporação. No mesmo eixo, o RE 1.491.479/DF3 manteve entendimento que rejeita a distinção normativa quando o discrímen utilizado não é a função a ser exercida, mas o simples pertencimento institucional do candidato, deslocando a exigência etária de um parâmetro funcional para um privilégio de condição.
Essa orientação do STF repercutiu de forma direta e expressiva no âmbito do TJDFT. O conselho especial do TJDFT, ao julgar o incidente de arguição de inconstitucionalidade cível 0701625-02.2023.8.07.00184, sob relatoria do desembargador Jair Soares, proferiu o acórdão 1932431, em 17/10/24, declarando a inconstitucionalidade incidenter tantum da parte final do art. 11, § 1º, da lei federal 7.289/84, precisamente no ponto em que afastava o limite máximo de idade para policiais militares da ativa da PMDF. O órgão assentou que estipular limites diferentes de idade para candidatos civis e militares vulnera os princípios da igualdade, moralidade, interesse público, finalidade e razoabilidade, por inexistir justificativa ou fundamento na natureza das funções a serem exercidas, alinhando-se expressamente ao precedente do STF no ARE 1.335.806 AgR/DF. Essa decisão é particularmente relevante porque superou entendimento anterior do próprio conselho especial (de 2019), reconhecendo que a superveniência do precedente da Suprema Corte impunha a revisão do posicionamento local, em nome da coerência do sistema e da segurança jurídica.
Com a sanção do PL 1.469/20, esse conjunto de controvérsias tende a ser fortemente esvaziado na prática. O texto aprovado acrescenta o inciso XI ao art. 13 da lei 14.751/23, fixando como regra geral que o candidato deverá ter, na data da publicação do edital do concurso público, no máximo trinta e cinco anos, ou quarenta anos para oficiais médicos, de saúde ou de outras especializações. Ao estabelecer um limite etário nacional mais elevado e ao definir de forma objetiva o marco temporal de aferição, o legislador federal cria uma via clara e segura para os militares que desejam concorrer ao CFO de outra corporação, sem necessidade de invocar o § 2º do art. 15, cuja interpretação ampliativa é justamente o núcleo da celeuma.
Esse avanço normativo é relevante porque a idade de trinta e cinco anos abrange um contingente expressivo de policiais militares e bombeiros militares que, já com experiência profissional consolidada, ainda se encontram em plena capacidade física e intelectual para o exercício das funções de oficialato. Na prática, muitos dos casos que hoje recorrem à tentativa de extensão do artigo 15, § 2º, passam a ser plenamente resolvidos pela incidência direta do novo inciso XI do art. 13, reduzindo o espaço para disputas administrativas e para judicializações eventuais.
Além disso, a nova redação reforça a coerência interna da lei orgânica nacional. O art. 15 disciplina a estrutura dos quadros e carreiras, enquanto o art. 13 concentra os requisitos gerais para ingresso. Ao ampliar o limite etário neste último dispositivo, o legislador preserva a excepcionalidade do § 2º do art. 15 para situações intrainstitucionais, isto é, para integrantes da própria corporação que buscam o ingresso no QOEM, sem necessidade de estender artificialmente seu alcance a militares de outras unidades federadas.
Do ponto de vista constitucional, a solução também se mostra adequada. A lei 14.751/23 foi editada com fundamento no art. 22, inciso XXI, da Constituição Federal, que confere à União competência para estabelecer normas gerais sobre a organização das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares. O limite etário, enquanto requisito objetivo de ingresso, insere-se claramente nesse âmbito normativo e possui eficácia imediata, prescindindo de regulamentação estadual ou distrital. Trata-se de norma geral completa e autoexecutável, cuja aplicação independe de alteração prévia dos estatutos locais.
Em síntese, a sanção do PL 1.469/20 não apenas eleva o limite etário para ingresso nas corporações militares, como também contribui decisivamente para a pacificação de debates sensíveis envolvendo concursos de CFO entre diferentes instituições. Ao oferecer uma via objetiva, uniforme e nacionalmente aplicável, o novo inciso XI do art. 13 esvazia a controvérsia em torno do § 2º do art. 15, e, em convergência com a jurisprudência do STF e com a recente reorientação do conselho especial do TJDFT (acórdão 1932431, de 17/10/24), reforça a segurança jurídica, a isonomia entre os candidatos e a racionalidade do sistema de ingresso no oficialato.
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1 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 1.469/2020. Encaminhamento à sanção presidencial. Recebido pela Casa Civil da Presidência da República em 15 dez. 2025, por meio do Ofício SF nº 1.291/2025 e da Mensagem SF nº 312/2025, com envio do autógrafo do projeto. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/166507. Acesso em: 21 dez. 2025.
2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE nº 1.335.806 AgR/DF. Relator: Min. Edson Fachin. Segunda Turma, julgado em 4 abr. 2022. Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo sobre limites etários distintos em concurso da PMDF e ofensa ao princípio da isonomia. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6214409. Acesso em: 21 dez. 2025.
3 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 1.491.479/DF. Relator: Min. Flávio Dino. Decisão sobre limite etário em concurso da Polícia Militar do Distrito Federal e ofensa ao princípio da isonomia. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6910900. Acesso em: 21 dez. 2025.
4 BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Acórdão nº 1932431. Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade nº 0701625-02.2023.8.07.0018. Relator: Des. Jair Soares. Conselho Especial, julgado em 8 out. 2024, publicado no DJe em 23 out. 2024. Disponível em: https://jurisdf.tjdft.jus.br/acordaos/83ba6b94-6946-4464-89ed-21424b6e9716. Acesso em: 21 dez. 2025.