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A genética comportamental traz objetividade?

Há uma forte tendência de crítica quanto às perícias psiquiátricas e psico-lógicas em geral.

29/12/2025
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Há uma forte tendência de crítica quanto às perícias psiquiátricas e psico­lógicas em geral. Essas críticas são ainda mais intensas quando se trata de avaliar questões relativas à inimputabilidade do sujeito criminoso. Elas incidem basica­mente no alto grau de subjetividade desses procedimentos. De fato, a subjetivi­dade presente, tanto na aplicação dos testes psicológicos, quanto na análise das funções mentais, tem sido um ponto nevrálgico nesse tema, e configura uma questão, na prática, ainda longe de ser superada.

É comum que o perito, além da análise clínica, conte com exames complementares, tais como exames laboratoriais e de neuroimagem, dentre outros, ou mesmo entrevista com familiares e colaterais, com o intuito de coletar outras informações. É nessa perspectiva que o estudo, através do DNA, pode contribuir para uma compreensão mais segura e mais objetiva da realidade men­tal dos indivíduos criminais.

Assim, é visível a lacuna a ser preenchida com investigações baseadas em modelos científicos, a exemplo das pesquisas de DNA no âmbito clínico e fo­rense. Com sua aplicabilidade cientificamente embasada, os testes genéticos e os estudos de DNA têm o potencial de validar ou refutar testagens tradicionais lastreadas em critérios e interpretações subjetivas.

Como se pode observar em painéis psicocomportamentais de perfis genéticos, muitos transtornos mentais já são apontados nos resultados de análise de DNA, como o Transtorno Obsessivo Compulsivo e o Transtorno Bipolar. Ainda que transtornos mentais sejam frequentemente avaliados em perícias criminais e não estejam claramente descritos nos seus resultados como, exemplificativamente, no Transtorno de Personalidade Antissocial, o exame genético pode fornecer indi­cativos sobre as características psicológicas e comportamentais do indivíduo com esse transtorno ou de outra situação psicocomportamental complexa.

A seguir alguns exemplos de como é possível complementar a perícia psicológica jurídica e psiquiátrica forense com dados de perfis genéticos:

Indicadores genéticos dos transtornos relacionados com cubstâncias

O uso de substâncias atinge um largo espectro da experiência de vida. Muitos estudos buscando as características predominantes em indivíduos depen­dentes de substâncias conseguem estabelecer relação com a impulsividade e com a abertura a novas experiências. Esses indicadores se devem ao fato de a impulsividade estar atrelada à angústia por sensações rápidas, uma menor pon­deração sobre as consequências de atos imediatistas, o que também culmina na abertura a novas experiências.

No âmbito psicológico, a dificuldade de lidar com situações estressantes resulta na busca por fugas rápidas e na maior probabilidade de dependência de substâncias. A falta de autodeterminação, de senso de identidade, de diferen­ciação dos outros, resulta em maior ou menor influência de grupos, e consequen­temente na tomada de decisão em relação às substâncias.

Assim, com esses colocados à disposição e com a ferramenta genética pos­sibilitando uma análise multifocal, pode-se formar um grupo de características visando um mapeamento para Transtornos Relacionados a Substâncias com re­sultados das seguintes características:

  • Tendência a vícios;
  • Abertura a novas experiências;
  • Impulsividade;
  • Estresse;
  • Alcoolismo;
  • Vulnerabilidade emocional;
  • Síntese de dopamina;
  • Dependência de nicotina;
  • Adição ao tabaco.

Indicadores genéticos do transtorno de personalidade antissocial

A partir dos critérios diagnósticos definidos para o TPA - Transtorno de Personalidade Antis­social, é possível relacionar essas características aos dados coletados nas testagens genéticas. Algumas características específicas, se agrupadas e analisadas correta­mente, podem ser utilizadas como um grupo diagnóstico.

Sendo o TPA uma condição pautada na relação com o outro, a inclinação à empatia se torna central nessa análise. Em um resultado genético de alguém com TPA diagnosticado, dificilmente haverá um alto grau de empatia. Da mesma forma, não será possível o registro de baixa impulsividade, pois é parte integrante do quadro antissocial. Por consequência, espera-se um baixo comportamento pró-social e dificuldade no estabelecimento de relações. Alguns estudos têm rela­cionado o TPA com sintomas narcísicos como egocentrismo e autorreferência.

Os estudos que mapeiam as características desse transtorno têm o potencial de servir como um guia de interpretação das informações coletadas geneticamente.

  • Dificuldade de relacionamento;
  • Sociabilidade;
  • Empatia;
  • Impulsividade;
  • Comportamento pró-social;
  • Egocentrismo;
  • Inclinação à mentira.

Indicativos genéticos dos transtornos psicóticos

Lambert & Kinsley (2006) trazem um interessante panorama das pos­síveis multicausas das psicoses. Cerca de 1% da população mundial é acometi­da pela esquizofrenia, e muitos fora desse diagnóstico sofrem com os sintomas dessa doença. Para os sintomas positivos, uma das relações apontadas foi desco­berta graças às observações feitas durante medicações para pacientes em estado de alucinação e delírio. Compreendeu-se que a dopamina não era recaptada da forma correta ou em velocidade adequada gerando acionamento de neurônios posteriores sem estímulo necessariamente. Assim, presumiu-se que os sintomas positivos, ou seja, alucinações visuais e auditivas e delírios em geral, pudessem ter causa direta com essa falha nas vias mesolímbicas e mesocorticais de distri­buição dopaminérgica.

Já para os sintomas negativos, há uma série de fatores genéticos e am­bientais fortemente influentes, entre eles, a própria maneira de se interpretar o mundo. Não por coincidência, terapias como a técnica cognitivo-comporta­mental atuam justamente no reenquadramento dessas interpretações visando diminuição do sofrimento psíquico e maior adequação à imprevisibilidade da vida. Outros sintomas negativos como avolia e expressão emocional diminuída também têm forte impacto comportamental e podem ser tratados com reen­quadramento interpretativo.

A serotonina, muito associada às alucinações visuais provocadas pelo LSD, também tem forte impacto nas alucinações esquizofrênicas, e seu desbalanço no sistema neuronal pode ser um fator importante para o desencadeamento de ou­tras sintomatologias.

Baseado nessas características, uma sugestão de bateria de testagem genéti­ca poderia ser realizada com as seguintes características:

  • Esquizofrenia;
  • Depressão;
  • Síntese de dopamina;
  • Síntese de serotonina;
  • Negatividade emocional;

Considerações finais

É possível compreender o resultado do perfil genético como um fator predisponente às características ali encontradas. Fatores predisponentes são características ou circunstâncias que aumentam a probabilidade de uma pessoa desenvolver um determinado distúrbio, doença ou condição, e pode ser um as­pecto genético apenas, ao lado de fatores sociais, familiares, psicológicos, entre outros. Eles podem não ter uma relação de causalidade direta da condição, mas são contribuintes que tornam a pessoa mais suscetível a desenvolvê-la.

Novamen­te, a presença de fatores predisponentes não determina se uma pessoa desenvol­verá a condição em questão, porém indica um risco maior em comparação com indivíduos que não possuem essa qualidade.

Por se tratar de uma sugestão de complementariedade ao sistema de análise criminal, o uso dos testes genéticos não deve, portanto, ser utilizado de maneira única nem para explicar maior ou menor tendência à criminalidade. Embora embasados por pesquisas de muitos anos, os testes genéticos cobrem apenas uma parte de um todo existencial que constitui a noção de Homem, aliás porque – todos sabemos – o homem transcende infinitamente o homem.

Por vezes a presença de um polimorfismo não representa sua expressão, podendo o gene permanecer latente sem nunca se manifestar. Por isso, qualquer decisão tomada com base unicamente nos resultados genéticos é limitante e forçosamente equivocada, já que há ainda os contextos psicossociais a serem abarcados na somatória que expressa o comportamento humano, individual ou coletivo.

Apesar de algumas variantes genéticas serem capazes de influenciar vários processos cognitivos (como julgamento moral e controle de impulsos), atualmente não há evidências de que portadores dessas mutações sejam, per se, incapazes de cometer crimes intencionalmente.

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1 MOELLER, F. G.; BARRATT, E. S.; DOUGHERTY, D. M.; SCHMITZ, J. M.; SWANN, A. C. Psychiatric aspects of impulsivity. American Journal of Psychiatry, 2001, v. 158, n. 11, p. 1783-1793.

2 ZUCKERMAN, M. Sensation seeking and risky behavior. American Psychological Association, 2007.

3 SINHA, R. Chronic stress, drug use, and vulnerability to addiction. Annals of the New York Academy of Sciences, 2008, v. 1141, p. 105-130.

4 MOELLER, F. G.; BARRATT, E. S.; DOUGHERTY, D. M.; SCHMITZ, J. M.; SWANN, A. C. Psychiatric aspects of impulsivity. American Journal of Psychiatry, 2001, v. 158, n. 11, p. 1783-1793.

5 RITTER, K.; DZIOBEK, I.; PREISSLER, S.; RÜTER, A.; VATER, A.; FYDRICH, T.; LAMMERS, C. H.; HEEKEREN, H. R.; ROEPKE, S. Lack of empathy in patients with narcissistic personality disorder. Psychiatry Research, 2011, v. 187, n. 1-2, p. 241-247

6 TIIHONEN, J.; RAUTIAINEN, M. R.; OLLILA, et al. Genetic background of extreme violent behavior. Molecular Psychia­try, v. 20, n. 6, p. 786–792, 2015.

7 LAMBERT, K. & KINSLEY, C. H. (2006). Neurociência clínica: as bases neurobiológicas da saúde mental. Artmed. Porto Alegre.

8 TRINDADE, J. & BREIER, R. (2013). Pedofilia: aspectos psicológicos e penais. 3ª ed. Livraria do advogado editora. Porto Alegre.

Autores

Hewdy Lobo Psiquiatra Forense (CREMESP 114681, RQE 300311), Membro da Comissão de Saúde Mental da Mulher da Associação Brasileira de Psiquiatria. Atuação como Assistente Técnico em avaliação da Sanidade Mental.

Elise Karam Trindade Elise Karam Trindade, psicóloga inscrita no CRP sob nº 06/205.826; especialista em Psicologia Jurídica e Neuropsicologia. Coordenadora da equipe de Psicologia Jurídica da Vida Mental.

Jorge Trindade Advogado e psicólogo. Professor Adjunto na Universidade Luterana do Brasil e Professor Associado na Universidade Fernando Pessoa, Porto, Portugal, onde leciona, no Mestrado em Criminologia.

Thomas P. Boettcher Psicólogo na clínica e na justiça. Pesquisador pelo Inst. de Psicologia Prof°. Jorge Trindade. Colaborador do Centro Veritas. Escritor e ministrante na área de psicologia forense.

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