Nesta quinta-feira, 23, durante julgamento no STF que discute a vedação do nepotismo em cargos de natureza política, ministra Cármen Lúcia criticou a dificuldade histórica de concretizar o princípio da impessoalidade no Brasil.
Segundo a ministra, a construção da súmula 13, aprovada em 2008, que proíbe o nepotismo em certas situações, foi fruto de muito debate e de um "trabalho quase beneditino".
"O princípio da impessoalidade decorre do fato de que, se a coisa é pública, deve ser tratada de forma impessoal. Este tem sido, nos 37 anos de vigência da Constituição, o princípio mais difícil de se dar cumprimento", afirmou.
Cármen observou que a impessoalidade deságua no princípio da moralidade administrativa e criticou a tendência cultural de exceção pessoal:
"No Brasil, todo mundo é a favor do concurso público — para os outros. É a favor de licitação — para as outras empresas. Todo mundo se acha tão especial que pode ocupar um cargo porque é amigo do vereador, do deputado, do desembargador."
Veja:
A ministra recordou que, à época da formulação da súmula, uma das principais preocupações do tribunal era coibir o chamado nepotismo cruzado, especialmente frequente no Poder Judiciário, quando autoridades trocavam indicações de parentes em diferentes órgãos.
"Era o desembargador que indicava a filha para o cargo no Legislativo, e o deputado que indicava o filho para o gabinete do magistrado", relatou.
Cármen Lúcia ainda mencionou que, por essa razão, o texto final da súmula deixou de fora os cargos políticos, tema específico do recurso agora em julgamento. E encerrou com uma reflexão histórica:
"Sempre que se fala nisso, lembro da carta de Pero Vaz de Caminha, que, depois de noticiar a descoberta do Brasil, aproveita para pedir a Vossa Majestade que resolva o caso do meu genro. Isso é história. Freud explica, mas não dá jeito. O jeito jurídico somos nós que temos que dar."