Neste 8 de dezembro celebra-se o Dia da Justiça.
A data, porém, vai muito além do simbolismo. Em um país onde o Judiciário assumiu papel central na mediação de conflitos políticos, econômicos e sociais, o momento convida a uma reflexão crítica: como está a Justiça brasileira e quais caminhos ela precisa trilhar para ser mais eficiente e acessível?
No século XXI, o ideal de Justiça célere, efetiva e universal contrasta com uma realidade desafiadora, marcada por falta de servidores, sobrecarga estrutural, avanço acelerado da tecnologia e novas demandas da sociedade.
Entender esse cenário é essencial para compreender o significado contemporâneo da data.
Tradição secular
O Dia da Justiça tem raízes simbólicas e históricas que remetem ao Judiciário como instituição essencial ao Estado.
Ele foi instituído pelo decreto-lei 8.292 de 5 de dezembro de 1945 e assinado por José Linhares, presidente do STF, que assumiu interinamente a Presidência da República.
Mais que celebrar magistrados e servidores, a data reconhece a função contramajoritária e garantidora de direitos desempenhada pelo Judiciário desde a Constituição de 1988, que ampliou significativamente sua atuação.
A democratização do acesso à Justiça, a expansão das ações coletivas e o fortalecimento dos direitos fundamentais transformaram os tribunais em palco de debates nacionais - da moralidade administrativa aos direitos civis, das políticas públicas à proteção de minorias.
A crise nos bastidores
Apesar do protagonismo institucional, o Judiciário enfrenta um dos maiores gargalos de sua história recente: a defasagem de pessoal.
Fóruns convivem com equipes reduzidas em acervos que ultrapassam a capacidade humana e adoecimento de profissionais.
A escassez impacta todos os níveis da Justiça - trabalhista, estadual e Federal - e reflete diretamente na morosidade processual, um dos problemas mais percebidos pela população.
As consequências são múltiplas: produtividade comprometida, prazos estendidos, dificuldade de implementação de políticas de conciliação e aumento da frustração social.
Digitalização acelerada
A pandemia impulsionou uma revolução no ritmo da Justiça brasileira. Em poucos meses, audiências virtuais, sessões por videoconferência e autos digitais se tornaram regra.
A digitalização trouxe ganhos inegáveis: celeridade em atos processuais, economia de recursos, acesso remoto por advogados e partes.
Mas também revelou novos desafios: sistemas pouco integrados entre tribunais, exclusão de pessoas sem acesso à tecnologia, instabilidade de plataformas, riscos de concentração de poder decisório em ferramentas automatizadas.
O futuro da Justiça digital exigirá mais do que bons softwares - pedirá transparência algorítmica, inclusão social e formação contínua de magistrados e servidores.
Novas demandas, novo Judiciário
A sociedade contemporânea exige de seus tribunais respostas rápidas e sofisticadas para temas complexos, como proteção de dados pessoais, inteligência artificial, violência digital, conflitos ambientais, grandes tragédias coletivas e disputas transnacionais.
Além disso, cresce a expectativa de que o Judiciário seja um agente de transformação institucional - promovendo diversidade interna, inclusão social, linguagem simples e fortalecimento de métodos alternativos de solução de conflitos.
A Justiça do futuro parece exigir um Judiciário mais poroso, menos formalista e mais atento às assimetrias sociais.
Entre o ideal e o possível
O Dia da Justiça, portanto, não é apenas uma celebração. É um convite ao balanço: o que conseguimos construir e o que ainda falta enfrentar?
O Judiciário brasileiro avança, reinventa-se, digitaliza-se, abre-se ao diálogo e enfrenta desafios gigantescos. Mas ainda precisa superar desigualdades internas, recuperar sua força de trabalho, humanizar a tecnologia e reconectar-se com a população que busca nele não apenas decisões, mas esperança e proteção.
Mais do que comemorar, o 8 de dezembro nos lembra que a Justiça segue em construção - entre tradição e reinvenção - e que sua legitimidade depende, cada vez mais, da capacidade de responder às demandas urgentes de um país em constante mudança.