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O caráter principiológico do Código de Defesa do Consumidor - Parte II

quinta-feira, 16 de maio de 2024

Atualizado em 15 de maio de 2024 13:45

Continuo a análise dos direitos básicos dos consumidores. Hoje com a segunda parte da avaliação do caráter principiológico do CDC e, também, dos pressupostos para interpretação de seu texto.

Lembro que a Constituição Federal estabelece que o regime econômico brasileiro é capitalista, mas limitado (CF, art. 1º, IV, c/c arts. 170 e s.): São fundamentos da república os valores sociais do trabalho e os valores sociais da livre iniciativa (CF, art. 1º, IV), e a defesa do consumidor é princípio fundamental da ordem econômica (CF, art. 170, V).

Ora, o CDC nada mais fez do que concretizar numa norma infraconstitucional esses princípios e garantias constitucionais. Assim está previsto expressamente no seu art. 1º.

O respeito à dignidade, à saúde, à segurança, à proteção dos interesses econômicos, e à melhoria de qualidade de vida está, também, expressamente previsto no seu art. 4º, caput.

A característica de vulnerabilidade do consumidor prevista no inciso I do art. 4º decorre diretamente da aplicação do princípio da igualdade do texto magno.

O CDC é categórico no que respeita à prevenção e reparação dos danos patrimoniais e morais (art. 6º, VI), e o acesso à justiça e aos órgãos administrativos com vistas à prevenção e reparação de danos é outra regra manifesta (art. 6º, VII). A adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral é, da mesma forma, norma clara na lei (art. 6º, X) etc.

Logo, fica patente o caráter principiológico da lei 8.078/90.

Agora, avalio alguns outros pontos que são fundamentais para a compreensão das regras instituídas pela lei consumerista.

Lembre-se que as bases jurídicas existentes no século XIX estão ligadas ao liberalismo econômico e às grandes codificações, que se iniciam com o Código de Napoleão de 1804.

Os pressupostos do pensamento liberal aparecem no sistema jurídico codificado, como, por exemplo, foi estabelecido em nosso Código Civil de 1916 (e que entrou em vigor em 1917).i Destaque-se, dentre os vários pontos de influência do liberalismo, a chamada autonomia da vontade, a liberdade de contratar e fixar cláusulas, o pacta sunt servanda etc.

Nessa mesma época, ou seja, no começo do século XX, instaura-se definitivamente um modelo de produção, que terá seu auge nos dias atuais. Tal modelo é o da massificação: Fabricação de produtos e oferta de serviços em série, de forma padronizada e uniforme, no intuito de diminuição do custo da produção, atingimento de maiores parcelas de população com o aumento da oferta etc.

Esse sistema de produção pressupõe a homogeneização dos produtos e serviços e a estandartização das relações jurídicas que são necessárias para a transação desses bens.

A partir da Segunda Guerra Mundial o projeto de produção capitalista passou a crescer numa enorme velocidade, e, com o advento da tecnologia de ponta, dos sistemas de automação, da robótica, da telefonia por satélite, das transações eletrônicas, da computação, da microcomputação etc., a velocidade tomou um grau jamais imaginado até meados do século XX.

A partir de 1989, com a queda dos regimes não capitalistas, o modelo de globalização, que já se havia iniciado, praticamente completou seu ciclo, atingindo quase todo o globo terrestre. 

O Direito não podia ficar à margem desse processo e, em alguma medida, seguiu a tendência da produção em série, mormente de especialização (outra característica desta nossa sociedade). Mas, de início, a alteração observada foi a do lado do fornecedor, que passou a criar contratos-padrão e formulários (que depois vieram a ganhar o nome de contratos de adesão) de forma unilateral e a impingi-los aos consumidores.

A lei 8.078/90 tinha de vir, pois já estava atrasada. O Código Civil de 1916, bem como as demais normas do regime privatista, já não davam conta de lidar com as situações tipicamente de massa.

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Continua na próxima semana.

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i No novo Código Civil esses pressupostos do pensamento liberal, embora ainda presentes, sofreram mitigação pela inserção de outras de cunho social e ético. Assim, por exemplo, está assegurada a função social do contrato (art. 421), estabelecendo-se a boa-fé objetiva como o modelo de conduta (art. 422) etc.