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Terceirização de serviços - O caso ou ocaso da súmula 331 - Problemas processuais

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Atualizado às 08:13

O debate sobre a licitude da terceirização de serviços é exemplo perfeito da insegurança jurídica causada pelas vacilações da jurisprudência.

Tudo mudou, mas nada mudou. Quatro anos após as leis 13.429/17 e 13.467/17 ainda há forte resistência à aplicação de seus critérios e, surpreendentemente, também à decisão do STF nos ARE 791.932, RE 958.252 e na ADPF 324 (julgados em 30/8/2018).

Como todos sabem, até então a terceirização não era regulamentada de forma específica. Sua disciplina resultava da combinação de normas esparsas da CLT, Código Civil e outras leis.

O TST tentou preencher esse vazio com as súmulas 256 e 331. Este último verbete (surpreendentemente ainda não cancelado em razão das amarras do artigo 702 da CLT) permite a terceirização apenas em atividade-meio e, mesmo nessa hipótese, prevê a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços. 

A distinção entre atividade-fim e atividade-meio sempre foi disfuncional e até enigmática em certos segmentos.

A ADPF 324 levou ao STF exemplos dos paradoxos. Para alguns juízes o transporte de cana-de-açúcar é atividade-fim da indústria sucroalcooleira e, para outros, atividade-meio. Como a decisão só vale para a empresa condenada, não se estende às outras do mesmo setor, o que ofende o princípio da livre e justa concorrência. Também são comuns decisões frontalmente colidentes nas atividades de logística, call center, instalação e manutenção de equipamentos, venda direta etc.

As novas leis reconhecem a licitude da terceirização em qualquer atividade, mas exigem cautelas dos tomadores e asseguram direitos específicos aos empregados dos fornecedores.

Embora a inovação legislativa tenha superado a dicotomia atividade meio/fim criada pela Súmula n. 331 do TST, os tribunais do trabalho oscilaram em suas decisões.

Houve julgados do TST admitindo aplicação das novas leis apenas a fatos futuros, sendo exemplo bastante conhecido um acórdão relatado pelo Ministro JOÃO ORESTE DALAZEN1.

Outros aplicaram o entendimento até a situações jurídicas passadas considerando que a Súmula n. 331 não constituía critério seguro de interpretação dos limites da terceirização2.

Essa corrente ganha força quando atribui às novas leis, tecnicamente, o caráter de "normas interpretativas". Afinal, se a falta de critério adequado gerava controvérsia, essa lacuna foi preenchida porque o legislador assumiu seu papel e escolheu definitivamente uma das possibilidades de interpretação.

O tema é bem controverso. Para alguns, o caráter interpretativo da norma precisa ser expresso, enquanto que, para outros, basta ser implícito, como concretamente ocorreu. Também se discute se se trata de aplicação retroativa (SAVIGNY) ou se cabe acolher a nova norma como "contemporânea da própria lei interpretada" (CAIO MÁRIO)3.

Esse debate de direito intertemporal é rico no plano acadêmico e instigante para os advogados, mas em tese estaria superado pelas decisões do STF com efeitos ex tunc. Contudo, ainda persistem diferentes soluções na Justiça do Trabalho.

Certas Turmas do TST aplicaram prontamente os novos critérios, respeitando o efeito erga omnes da posição do STF4. Outras preferem suspender os processos no aguardo da decisão dos embargos de declaração pendentes na Alta Corte5.

Outro foco de conflito é a chamada teoria da subordinação estrutural, um perfeito paradoxo dogmático, que transforma o empregado do fornecedor, que o contrata, comanda e paga o salário, em empregado do tomador porque a ele estaria estruturalmente vinculado. É uma subversão do conceito de subordinação jurídica da CLT criar vínculo de emprego do tomador com trabalhadores alheios. 

Para a teoria da subordinação estrutural, a dicotomia da Súmula 331 do TST sempre foi irrelevante, assim como as novas leis e a posição do STF, o que, com todo o respeito, é indefensável. Felizmente há precedentes afirmando que a aplicação dessa teoria esvazia o comando do STF, sendo bom exemplo recente acórdão relatado pelo Ministro Augusto César Leite de Carvalho6.

Aspecto também preocupante é o discurso empresarial corrente de que, com as novas leis, agora tudo é possível. Basta examinar os textos para perceber o equívoco dessa presunção.

O direito novo, além de exigir maiores cuidados na certificação da idoneidade dos fornecedores, contém um risco no novo parágrafo 3º do artigo 2º da CLT. Esse preceito pode ensejar a formação de grupo econômico entre tomador e fornecedor, a depender do grau de entrelaçamento e comunhão de interesses, o que, na prática, gera responsabilidade solidária.

Por fim, vale o alerta de que se pode estar fechando a janela para ações rescisórias de sentenças amparadas no antigo critério, considerando o prazo decadencial de dois anos. É recomendável uma auditoria em todos os processos que versem a matéria.

Nas ações com condenação prospectiva, como, por exemplo, ações civis públicas com sentenças impedindo a terceirização de determinadas atividades, é recomendável o estudo de ações revisionais, especialmente se ultrapassado o prazo decadencial da rescisória.

__________

1 "A entrada em vigor da lei 13.429/2017 (Lei da Terceirização), geradora de profundo impacto perante a jurisprudência consolidada do Tribunal Superior do Trabalho, no que alterou substancialmente a Lei nº 6.019/74, não se aplica às relações de emprego regidas e extintas sob a égide da lei velha, sob pena de afronta ao direito adquirido do empregado a condições de trabalho muito mais vantajosas." (TST, SBDI I, Proc. TST-ED-E-ED-RR-1144-53.2013.5.06.0004, publicado em 10.09.2017).

2 "Ressalte-se, por oportuno, que o entendimento ora adotado não confere, como poderia se pensar, aplicação retroativa à lei 13.429/2017. Na verdade, a referida disposição normativa apenas reforça o convencimento de que os entendimentos expostos na Súmula 331 do TST (e, por conseguinte, a Súmula 49 do TRT/MG) estavam absolutamente equivocados, no plano jurídico, no que se referem à diferenciação entre atividade-fim e atividade-meio, (...)" (1ª Vara do Trabalho de Uberlândia, Proc. 0011609-17.2015.5.03.0043, Juiz Marco Aurélio Marsiglia Treviso, j. 05.04.2017).

3 LIMONGI FRANÇA, R. Direito intertemporal brasileiro: doutrina da irretroatividade das leis e do direito adquirido. S. Paulo: RT, 1968. p. 406-408.

4 São exemplos: acórdão em RR 67-98.2011.5.04.0015 da 4ª Turma e acórdão em RR 21072-95.2014.5.04.0202 da 5ª Turma.

5 Os embargos de declaração na ADPF 324 foram recentemente rejeitados (Sessão Virtual de 13.8.2021 a 20.8.2021, Disponível aqui), mas persistem pendentes de julgamento aqueles opostos no RE 958252.

6 "TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS - LABOR EM ATIVIDADE-FIM - LICITUDE - INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO DE EMPREGO COM A TOMADORA - POSSIBILIDADE APENAS DE CONDENAÇÃO SUBSIDIÁRIA - DECISÃO DO STF NOS TEMAS 725 E 739 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL E ADPF 324, RE 958.252 E ARE 791.932 - REQUISITOS DO ART. 896, § 1º-A, DA CLT ATENDIDOS - O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 324 e o Recurso Extraordinário (RE) nº 958252, com repercussão geral reconhecida, decidiu pela licitude da terceirização em todas as etapas do processo produtivo. Naquele recurso, o STF firmou tese de repercussão geral, com efeito Vinculante, no sentido de que "é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante". Assim, não havendo alusão no acórdão regional acerca da efetiva existência de pessoalidade e subordinação jurídica direta com a tomadora de serviços, não há como se reconhecer o vínculo direto com a empresa tomadora de serviços. Quanto a esse último aspecto, não se leva em conta a mera subordinação estrutural ou indireta, que, aliás, é inerente à terceirização da atividade fim - Tal implicaria esvaziar de sentido os já mencionados precedentes do STF - , sendo necessário estar comprovada nos autos a subordinação hierárquica direta, presencial ou por via telemática, do trabalhador aos prepostos da tomadora. Outrossim, afastada a ilicitude da terceirização de serviços, é possível manter a condenação subsidiária pelos créditos deferidos na ação, se existir pedido exordial para a condenação solidária ou subsidiária. No caso concreto, o Tribunal Regional nada consignou acerca da existência de pessoalidade e subordinação direta com a tomadora, o que inviabiliza o reconhecimento de vínculo de emprego pretendido. Ademais, não há pedido sucessivo autônomo de isonomia salarial, com fundamento no art. 12 da Lei 6.019/1974. Agravo de instrumento não provido." (TST - AIRR 20169-31.2018.5.04.0231 - Rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho - DJe 26.02.2021).