O fortalecimento da governança pública e o reconhecimento do regime de precatórios às estatais do município do Rio de Janeiro
quarta-feira, 29 de outubro de 2025
Atualizado em 28 de outubro de 2025 10:15
A consolidação da governança pública municipal depende da observância dos princípios constitucionais da legalidade orçamentária, da separação dos Poderes e da segurança jurídica. Nesse contexto, o reconhecimento, pelo STF, da submissão das empresas estatais dependentes do município do Rio de Janeiro ao regime constitucional dos precatórios (art. 100 da CF) representa não apenas um avanço jurídico, mas também um marco institucional de fortalecimento da Administração Pública.
1) As estatais municipais e o enquadramento constitucional
O município do Rio de Janeiro possui diversas estatais prestadoras de serviços públicos essenciais, entre as quais a CET-Rio - Companhia de Engenharia de Tráfego do Rio de Janeiro, a Comlurb - Companhia Municipal de Limpeza Urbana, a Rioluz - Companhia Municipal de Energia e Iluminação e a RioSaúde - Empresa Pública de Saúde do Rio de Janeiro S.A.
Todas essas empresas são integralmente dependentes do erário, atuam em regime não concorrencial e sem finalidade lucrativa, preenchendo os critérios delineados pelo STF nas ADPFs 387, 437, 524, 789 e 1.088, que consolidaram a aplicabilidade do art. 100 da CF/88 às sociedades de economia mista e empresas públicas que desempenham serviços públicos próprios do Estado.
2) Vitórias institucionais e avanços na governança pública
O reconhecimento, pelo STF, da sujeição das estatais municipais ao regime constitucional dos precatórios traduz um avanço relevante na consolidação da governança pública e da segurança jurídica. O município do Rio de Janeiro, ao lado de suas empresas, tem obtido decisões que reforçam a importância da gestão responsável das finanças públicas e da observância das prerrogativas inerentes à Fazenda Pública.
Na reclamação 79.764/RJ, referente à CET-Rio, o ministro Edson Fachin reafirmou que as estatais dependentes devem observar o regime de precatórios e destacou que "não há preclusão para a discussão a respeito dos privilégios da Fazenda Pública na execução", reconhecendo que tais prerrogativas se aplicam conforme o regime processual vigente no momento da execução e, por conseguinte, afastando o argumento de coisa julgada, muitas vezes utilizado pelo Judiciário Trabalhista para obstar a aplicação do regime de precatórios a essas entidades.
Em seguida, na reclamação 83.157/RJ, o ministro Flávio Dino acolheu o pedido formulado pela Comlurb, a fim de lhe garantir a observância do regime constitucional dos precatórios e, ao julgar embargos de declaração opostos pela Comlurb e pelo município, determinou a expedição de ofício ao TRT da 1ª região, para que juízes e desembargadores passem a observar o entendimento do STF em todos os processos envolvendo a Companhia. Com isso, acabou por conferir efeitos mais amplos à decisão proferida, prevenindo a repetição de decisões conflitantes e garantindo a aplicação uniforme do entendimento da Corte Constitucional.
O mesmo entendimento foi aplicado à Rioluz na reclamação 86.387/RJ, relatada pelo ministro Alexandre de Moraes, reafirmando a sujeição da estatal ao regime de precatórios e demais prerrogativas da Fazenda Pública.
Por fim, a RioSaúde teve reconhecido o mesmo direito no RE com agravo 1.567.026/RJ, relatado pelo ministro Dias Toffoli - caso em que o município, embora não tenha figurado como parte, obteve resultado que reforça o mesmo arcabouço constitucional.
Em todos esses casos, verificou-se resistência de parte da Justiça do Trabalho, especialmente no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª região, em aplicar o entendimento do Supremo. As decisões do STF, contudo, reforçam a coerência do sistema constitucional e o aprimoramento da governança pública, ao assegurar tratamento jurídico uniforme às empresas estatais dependentes e previsibilidade à execução orçamentária do município.
3) Resistência e riscos à segurança jurídica
Apesar da clareza dos precedentes do STF, parte da Justiça do Trabalho, especialmente no âmbito do TRT-1, ainda resiste em aplicá-los de forma uniforme. Essa postura tem gerado insegurança jurídica e desequilíbrio institucional, pois decisões que afastam o regime de precatórios desorganizam o planejamento fiscal, comprometem a isonomia entre credores e impõem custos desnecessários à máquina pública.
A persistência desse cenário acarreta prejuízos não apenas ao erário, mas também aos próprios credores, que acabam por enfrentar longos trâmites processuais na tentativa de contornar um regime constitucional que, na prática, lhes garantiria maior previsibilidade e celeridade no pagamento.
Importa frisar que a alegação de "coisa julgada" não se sustenta, já que, conforme assentado pelo ministro Edson Fachin na reclamação 79.764/RJ, "não há preclusão para a discussão a respeito dos privilégios da Fazenda Pública na execução".
As prerrogativas processuais vinculadas ao regime de precatórios são instrumentos de racionalidade administrativa e de equilíbrio federativo, e não privilégios. A correta aplicação desses parâmetros assegura a primazia da juridicidade e da função pública da Administração, pilares que sustentam o modelo de Estado de Direito e a efetividade da governança pública.
4) A necessidade de uniformidade e a proposta de aprimoramento do sistema jurídico
A eficácia concreta das decisões do STF reclama uniformidade de aplicação, sob pena de torná-las inócuas. Permitir que decisões isoladas desconsiderem o que já foi assentado pela Corte Suprema equivaleria a esvaziar a própria razão de ser da reclamação constitucional, instrumento previsto no art. 102, I, "l", da CF/88 e no art. 988, II e III, do CPC, destinado a preservar a autoridade das decisões do Supremo e a integridade da jurisprudência constitucional.
A ratio decidendi dessas decisões não se prende ao conteúdo das execuções trabalhistas, mas à natureza jurídica objetiva das estatais dependentes, prestadoras de serviço público essencial, em regime não concorrencial e sem intuito lucrativo. A submissão ao regime de precatórios decorre dessa condição institucional, e não de particularidades processuais.
Restringir seus efeitos ao caso concreto revela incompreensão da função integradora da reclamação constitucional, esvaziando sua finalidade e multiplicando demandas idênticas. A prática impõe ao ente público a necessidade de ajuizar centenas de novas reclamações com o mesmo objeto, em afronta aos princípios da celeridade, da economia processual e da eficiência.
Essa fragmentação, além de comprometer a autoridade do Supremo, subverte a coerência do sistema jurídico. O Direito deve ser aplicado de forma sistêmica, e não mecanicamente, sob pena de se converter em um fim em si mesmo, dissociado de sua função social de organizar a vida pública.
Por isso, de lege ferenda, propõe-se que o STF atribua efeitos erga omnes às decisões proferidas em reclamações constitucionais que versem sobre a natureza jurídica das estatais dependentes, de modo a assegurar uniformidade de aplicação, isonomia entre credores e estabilidade do planejamento orçamentário - conforme defendido pela Procuradoria do município do Rio de Janeiro em manifestação apresentada na reclamação que envolve a CET-Rio
5) Considerações finais
O reconhecimento do regime de precatórios para as empresas públicas e sociedades de economia mista dependentes do município do Rio de Janeiro - entre as quais CET-Rio, Comlurb, Rioluz e RioSaúde - representa um avanço institucional expressivo em prol da governança pública, da previsibilidade fiscal e da segurança jurídica.
Essas decisões refletem a maturidade do sistema jurídico brasileiro em compatibilizar a efetividade das decisões judiciais com os princípios do planejamento e da responsabilidade fiscal, assegurando que a execução contraentes dependentes do erário se realize de forma isonômica, transparente e compatível com a ordem constitucional de finanças públicas.
Mais do que garantir prerrogativas processuais, o conjunto de precedentes firmados pelo STF reafirma o compromisso com a estabilidade institucional e com a integridade das práticas de governança, orientadas pelos valores da eficiência, da juridicidade e da boa Administração Pública.

