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O afastamento do presidente da vida pública

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Atualizado às 08:12

Emerson Ademir Borges de Oliveira

Ao povo da República dos Estados Unidos da Bruzundanga

No sistema federalista inaugurado pelos Estados, o Poder Executivo é chefiado por um presidente com mandato de quatro anos, sendo permitida, atualmente, apenas uma reeleição. No passado, até a Emenda XXII, de 1951, o presidente poderia ser reeleito indefinidamente.

Na realidade, a partir da Emenda XXII, a limitação passou a ser ainda maior, impedindo-se que qualquer pessoa seja eleita presidente por mais de duas vezes, seguidas ou não.

O modelo norte-americano identifica-se com o modelo brasileiro, diferindo, contudo, nas eleições indiretas naquele caso e na eleição direta neste. Mas há uma diferença substancial: o exercício da presidência por dois mandatos impede que se concorra novamente ao cargo.

Note-se que, na realidade, não impede o exercício de outros cargos, mas ao de presidente da República em específico.

De qualquer forma, nos Estados Unidos é raro que ex-presidentes voltem a exercer cargos políticos, tendo em vista a percepção de uma aposentadoria vitalícia e transmissível, além de outros benefícios.

Na história do país, apenas John Quincy Adams (1825-1829) e Andrew Johnson (1865-1869) retornaram a outros cargos, sendo o primeiro eleito para a Câmara dos Representantes e o segundo para o Senado.

Somos por uma proposta mais ousada, mas antes cabem algumas considerações.

Há marcas inafastáveis que se internalizam no exercente do cargo político mais importante de uma República.

Devemos lembrar que o presidente da República é a autoridade suprema das Forças Armadas, além de ser chefe do serviço público Federal. Em sua atividade, tem funções de contrabalanceamento do Poder Legislativo, poder decisório sobre o orçamento público Federal e competência para nomeação, inclusive, dos ministros do Supremo Tribunal Federal, dentre várias outras funções descritas no art. 84 da Constituição.

No tocante ao orçamento, decide sobre sua aplicação, destinação e prioridades, o que, evidentemente, traz em si gostos e desgostos aos beneficiados e prejudicados. A política monetária e as escolhas executivas podem agregar alta lucratividade a alguns e bancarrota a outros.

E isso tudo sem considerar as possibilidades de desvios éticos que não podemos olvidar. Um presidente que, em conluio, tenha favorecido esquema fraudatório e positivo para um grupo de empresas ou setor terá nestes todo o apoio para o retorno ao mesmo cargo ou outro politicamente relevante.

Da mesma forma, o presidente que tenha agido de forma irresponsável em termos fiscais, concedendo aumentos exorbitantes ao funcionalismo público, rompendo com os limites legais, será certamente agraciado por parte dele caso se candidate novamente.

O exercício da presidência pode trazer em si relações muito próximas da promiscuidade política e da corrupção de caráter, com possíveis transtornos financeiros ao erário.

Claro que algumas questões práticas não devem ser ignoradas. Ao contrário do que se aventa nos dias atuais, penso que a possibilidade de reeleição - apenas uma - é necessária para a garantia de eficiência de projetos de longo prazo.

Sábias, nesse sentido, as palavras de Hamilton: "Julgo o problema da reeleição ligado ao de uma duração razoável do mandato. Esta deve ser de molde a permitir ao ocupante do cargo oportunidade e ânimo para cumprir bem sua tarefa, ao mesmo tempo em que a comunidade observa o acerto ou erro de sua atuação, formando um juízo de seus méritos. A reeleição tem a vantagem de habilitar o povo, quando há motivos para aprovar a atuação do magistrado, a mantê-lo em suas funções, a fim de beneficiar-se por mais tempo de sua competência e suas virtudes, além de assegurar ao governo as vantagens da continuidade de um sistema eficiente de administração"1.

Mas a reeleição só faz sentido em termos de continuidade. Vale dizer, um novo mandato descontínuo perde a sua razão de ser.

Nossa proposta é a de que aquele que venha a assumir a presidência da República possa buscar sua continuidade uma única vez, como funciona atualmente. Contudo, não tendo sido reeleito, ou, tendo sido, após o exercício de dois mandatos, deve se aposentar em definitivo da vida pública, não lhe sendo mais possível o exercício de qualquer cargo eletivo ou público concursado ou comissionado. Trata-se de um afastamento definitivo de quaisquer relações que possam ter sido estabelecidas outrora em razão de seu cargo.

A medida deve ser acompanhada, por óbvio, de benefícios que garantam sua aposentadoria em definitivo, se assim o pretender. Ou, ao contrário, sem benefícios caso deseje rumar à iniciativa privada, percebendo nova remuneração em razão de seu expertise, mas sem quaisquer vínculos que lhe possibilitem vantagens indevidas de que não gozam os particulares comuns.

Vejo, pessoalmente, a medida como rejuvenescedora e oxigenante da classe política, ao mesmo tempo em que impede que relações espúrias motivem novas eleições do mesmo ex-exercente. Há aqui duas vantagens: a renovação e a licitude.

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1 HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. O federalista. Brasília: UnB, 1984. p.542.