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Entrevista: Reinhard Singer

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Atualizado às 12:08

O ano de 2020 ficará marcado como um momento de ruptura, no qual, pela primeira vez na história recente após a 2ª Guerra Mundial, o mundo parou, ainda que por alguns meses, quando as pessoas precisaram se isolar em suas casas para conter o avanço do novo Sars-CoV-2. E quando achávamos que tudo já teria passado e a pandemia seria apenas mais uma estória para contar, o mundo enfrenta a segunda onda de covid-19.

Entramos o novo ano com inúmeros países em lockdown, com severas restrições às atividades econômicas e distanciamento social, que ainda parece ser o remédio mais eficaz para frear a propagação do vírus, agora transmudado em cepas de transmissão supreendentemente rápidas.

No Brasil, São Paulo tem adotado as medidas mais rígidas de isolamento social e restrição das atividades econômicas, mas o "lockdown à brasileira" tem sido implantando, em maior ou menor medida, em diversas cidades do país, a exemplo de Curitiba, Manaus e Belo Horizonte.

As medidas de combate à pandemia, porém, afetam fortemente os direitos fundamentais das pessoas e das empresas, desde a liberdade de locomoção e de exercício das atividades econômicas até as liberdades científica, religiosa e de reunião, provocando protestos no seio social e na comunidade científica, temerosos com a perda - quiçá, definitiva - de liberdades duramente conquistadas em prol de uma suposta da tutela da saúde.

Essa preocupação se faz presente em todos os cantos, principalmente em países com governos antidemocratas, suscitando o receio que o coronavírus contagie as liberdades fundamentais, a democracia, o Estado de Direito e a separação dos poderes.

 (Imagem: Divulgação)

(Imagem: Divulgação)
Para falar sobre os impactos da pandemia nos direitos fundamentais, a coluna German Report foi ouvir Reinhard Singer, Professor da Universidade Humboldt de Berlim, que desde o início da crise pandêmica tem se dedicado a refletir sobre o tema.

Singer é um dos mais brilhantes discípulos do lendário Claus-Wilhelm Canaris, que demonstrou como ninguém como se processa a eficácia dos direitos fundamentais sobre o Direito Privado. Ele estudou Matemática, Física e Direito em Stuttgart e München no fim da década de 70, tornando-se assistente de Canaris na Faculdade de Direito da Universidade Ludwig-Maximilian de Munique entre 1982 a 1993.

Em 1992, defendeu uma tese de doutorado sobre proibição de comportamento contraditório (Das Verbot widersprüchlichen Verhaltens) sob orientação de Canaris, sistematizando, com brilhantismo, um tema riquíssimo na jurisprudência alemã, desenvolvido a partir da teoria da proteção da confiança, amparada no princípio da Treu und Glauben (boa-fé objetiva). Trata-se de obra de referência, publicada desde 1993 pela famosa editora Beck Verlag.

Em 1993, ele apresentou a tese de livre-docência, também sob a supervisão de Canaris, sobre autodeterminação e proteção da confiança na teoria do negócio jurídico. A obra, intitulada Selbstbestimmung und Verkehrschutz im Recht der Willenserklärung, é leitura obrigatória para todos os que pretendem estudar a fundo a moderna teoria alemã do negócio jurídico e da proteção da confiança no Direito Privado.

Entre 1994 e 2004, Singer foi Professor da Universidade de Rostock, cidade hanseática localizada no estado de Mecklenburg-Vorpommern, no nordeste da Alemanha, onde lecionou Direito Civil e Comercial, Direito do Trabalho e Metodologia Jurídica, suas áreas centrais de pesquisa.

Em 2004, foi convidado para assumir uma cátedra na renomada Humboldt Universität, onde teve oportunidade de se dedicar, paralelamente àquelas áreas, à Sociologia Jurídica, ao Direito de Família e ao Direito dos Advogados (Anwaltsrecht), considerado na Alemanha um novo ramo do direito que se ocupa cientificamente com os problemas relacionados à formação e organização da profissão.

Em razão de sua atuação, Singer exerce, desde 2004, o cargo de Diretor do Instituto dos Advogados de Berlim. Ele foi ainda Diretor da Faculdade de Direito no período de 2012 a 2014 e desde 2011 é professor convidado da Universidade Tongji, em Shanghai, na China, onde coordena inúmeros projetos de pesquisa comparada entre o direito alemão, europeu e chinês.

Embora oficialmente aposentado desde o ano passado, ele mantém seleto grupo de estudos e discussões com alunos, doutorandos e assistentes como Seniorprofessor, dedicando mais tempo às suas publicações.

Mundialmente reconhecido como um dos mais brilhantes juristas de sua geração, Singer é herdeiro direto da mais pura tradição teórico-dogmática de Canaris e Karl Larenz, que conheceu ainda estudante na Faculdade de Munique.

De sua vastíssima produção, merecem destaque as inúmeras publicações sobre proteção da confiança no Direito Privado, teoria do negócio jurídico, deveres de informação e esclarecimento, abuso do direito e a eficácia dos direitos fundamentais no Direito Privado.

Com muita honra, portanto, iniciamos o ano com essa entrevista exclusiva com um dos mais consagrados doutrinadores alemães da atualidade. Essa coluna tem sabor especial, pois dialoga com um dos autores que mais influenciaram minha formação e um dos examinadores da minha banca de doutorado sobre culpa in contrahendo (responsabilidade pré-contratual), instituto que ele próprio trabalhou em diversos artigos científicos. Dessa forma, 2021 não poderia começar melhor! Confira a entrevista: 

GR: Com a pandemia de covid-19, as pessoas estão sendo confrontadas com toques de recolher, isolamento social e fechamento de estabelecimentos comerciais, restringindo consideravelmente seus direitos fundamentais. Quais direitos fundamentais estão sendo mais afetados com as medidas de combate ao coronavírus?

Singer: As medidas de combate à pandemia afetam praticamente quase todos os direitos de liberdade protegidos jusfundamentalmente, principalmente a liberdade de profissão do art. 12, inc. 1 da Lei Fundamental alemã, a Grundgesetz (GG), a liberdade de reunião (art. 8, inc. 1 GG), a liberdade de circulação (art. 11, inc. 1 GG) e a liberdade geral de ação, do art. 2, inc. 1 GG. Caso as restrições de circulação impeçam as crianças de encontrar seus pais, avós ou irmãos, a área de proteção da família, tutelada no art. 6, inc. 1 GG, também fica comprometida e o cancelamento de eventos presenciais em universidades significa a restrição da liberdade científica (art. 5, inc. 3 GG). Quem não consegue mais usar sua casa de férias, sofre certa restrição em seu direito de propriedade, garantido no art. 14 da Grundgesetz. Embora o legislador elenque na Lei de Proteção contra Infecções - a Infektionsschutzgesetz (InfSG), que prevê medidas governamentais a serem adotadas em casos de epidemias e doenças infectocontagiosas - apenas alguns direitos fundamentais que poderão se restringidos, não há violação ao mandamento de citação (Zitiergebot) do art. 19, inc. 1, período 2 GG, segundo o qual o legislador tem o dever de citar, em dispositivo da lei, em qual direito fundamental a referida lei intervém. Esse mandamento só vale quanto "um direito fundamental puder ser restringindo por uma lei formal" ("durch Gesetz") ou por uma lei material ("auf Grund eines Gesetzes"), ou seja, por restrições nos arts. 2, inc. 2, período 2; 8, inc. 1 e 11, inc. 1 da Lei Fundamental.

GR: Em sua opinião, essas restrições são legítimas e, em caso afirmativo, quais os limites para as intervenções nos direitos fundamentais?

Singer: As intervenções nos direitos fundamentais precisam ser proporcionais, ou seja, segundo uma fórmula do Tribunal Constitucional Alemão (Bundesverfassungsgericht), elas precisam perseguir um fim legítimo e serem adequadas, necessárias e proporcionais em sentido estrito para o alcance de um objetivo concreto. Isso vale, em geral, às restrições de circulação e ao fechamento de restaurantes e hotéis, por exemplo, porque é legítima a proteção da vida e da saúde e o contágio, propiciado com o funcionamento desses estabelecimentos, não se deixa evitar por nenhum outro meio mais ameno.

Houve, evidentemente, alguns excessos, como a proibição pela polícia, nas primeiras semanas de lockdown, de se ler um livro nos bancos dos parques ou o lockdown de um distrito inteiro, no verão de 2020, embora só tenha havido na região um surto pontual e limitado de covid em uma fábrica de processamento de carnes e as cidades ao redor terem registrado baixos casos de novas infecções.

Atualmente, tem-se questionado a proporcionalidade das restrições de circulação que só permitem o deslocamento dentro de um raio de 15km de distância da residência. A proibição absoluta de visitas a abrigos e clínicas de idosos também não são mais proporcionais, apesar do alto risco para essas pessoas, porque se consegue reduzir a padrões defensáveis os riscos de contágio através dos visitantes - principalmente do círculo familiar mais restrito (art. 6 GG) - com a realização de testes rápidos e o uso de roupas de proteção.

No caso de direitos fundamentais especialmente relevantes, como a liberdade religiosa e de reunião, as proibições absolutas, i.e., sem exceções, foram suspendidas pelo Tribunal Constitucional vez que a exigência de que os participantes observassem determinadas medidas de segurança já seria suficiente para evitar a contaminação. Nesse ínterim, porém, as demonstrações anti-coronavírus dos chamados "Querdenkern" (inconformistas, que se opõem à opinião científica majoritária acerca da pandemia) foram acertadamente proibidas, porque os organizadores não apresentavam nenhuma garantia para um transcurso seguro dos protestos.

GR: Na Alemanha tem-se falado criticamente acerca da "absolutização" da saúde. O filósofo do direito, Uwe Volkmann, afirma que não se pode proteger a vida a qualquer custo. A seu ver, existe uma proteção absoluta da vida e da saúde?

Singer: Não, não há uma tutela absoluta de determinados direitos fundamentais. Apenas a dignidade humana, designada pela Lei Fundamental como "inviolável" (art. 1, inc. 1), é protegida de forma absoluta, como Wolfgang Schäuble demonstrou. O legislador, porém, tem uma margem de ponderação no necessário processo de ponderação dos direitos fundamentais em colisão. E, então, ele pode conceder peso maior especialmente às ameaças à vida e à saúde do que a interesses econômicos, até porque a perda da vida e, frequentemente, também da saúde são irreversíveis.

Além disso, não se pode desconsiderar que existem amplas medidas de auxílio para as fábricas e empresas, bem como para os empregados afetados pela pandemia. O dinheiro pago pelo Estado para compensar a redução das jornadas de trabalho tem ajudado empregados e empregadores a suportar financeiramente o fechamento temporário dos estabelecimentos. Não é de forma inconsequente que o Estado não recorre aos mesmos métodos para combater a gripe da influenza (H1N1) ou para proibir o trânsito de veículos, embora ambos provoquem a morte de muitas pessoas. O Estado pode levar em consideração que nesses riscos, usados aqui a título comparativo, há, em certa medida, a possibilidade da autoproteção: a pessoa pode se vacinar contra o vírus da influenza e reduzir o risco de acidentes de trânsito com uma direção cuidadosa ou por meio da utilização de transportes públicos. No trânsito, o número de mortes na Alemanha diminuiu continuamente de 11.300 óbitos registrados em 1991 para 3.059 em 2019 através do aperfeiçoamento da técnica e do planejamento e fiscalização do trânsito. Poder-se-ia aqui até fazer mais, imponto principalmente um limite de velocidade nas autoestradas (Autobahnen).  

GR: Alguma medida adotada na Alemanha ultrapassou os limites de intervenção dos direitos fundamentais?

Singer: Sim, veja resposta à segunda questão.

GR: A pandemia pode provocar a erosão do Estado de Direito ou da democracia?

Singer: Não, a democracia e o Estado de Direito efetivamente funcionam. Há um aceso debate, travado com a participação da oposição e com a garantia da liberdade de opinião e de protesto, acerca das medidas adotadas pelo Estado. A separação dos poderes também funciona. Os tribunais são independentes, controlam as medidas estatais e retiram a validade daquelas medidas excessivas, paralelamente ao afrouxamento do lockdown. Uma crítica justa tem surgido, porém, em razão do fato das medidas agudas estarem sendo tomadas à margem do Parlamento, através de videoconferências entre a Chanceler e os governadores dos estados federados, ou seja, pelo Executivo. Ainda quando seja razoável poder reagir de forma rápida e flexível à situação pandêmica, o acionamento posterior do Parlamento iria pelo menos reduzir o déficit democrático provocado pela dominância do Poder Executivo.

GR: Não é arriscado e difícil para os tribunais decidir sobre a proteção da vida e da saúde das pessoas durante a pandemia em discordância com as análises e avaliações feitas pelo Executivo e pelo Legislativo?

Singer: Essa é a tarefa e o direito de tribunais independentes. Na minha avaliação, os tribunais fazem uso responsável de seus direitos.

GR: Quais critérios devem ser utilizados para verificar a conformidade constitucional das medidas adotadas para combate à pandemia?

Singer: O instrumento mais importante é o teste da proporcionalidade. E, contrariamente a outros autores, acho injustificada a crítica feita à amplitude - equiparável à das cláusulas gerais - da autorização conferida ao Executivo pela Lei de Proteção contra Infecção. Muitos autores da área do direito público consideram violado o mandamento de determinação ou taxatividade (Bestimmtheitsgebot) contido no art. 80 GG, uma vez que a redação original da Lei de Proteção contra Infecção autorizava os estados federais a adotar medidas de proteção "necessárias para impedir o alastramento de doenças transmissíveis" (art. 28, inc. 1, 32 período 1 da InfSG). Porém, no interesse de um combate efetivo de pandemias, o Poder Executivo precisa poder agir de forma ágil e flexível, de modo que, a meu ver, não pairam dúvidas acerca da constitucionalidade de uma autorização geral que se limite a determinar o fim das medidas e a exigir sua necessidade.

As leis que regulam a polícia nos estados também contém cláusulas gerais para permitir o combate a ameaças à segurança e à ordem pública. Por exemplo, o art. 7, inc. 2, n. 3 da lei penal estadual da Bavária autoriza os agentes de segurança a "repelir riscos ou afastar perturbações que ponham em risco ou violem a vida, saúde, a liberdade das pessoas ou valores, cuja manutenção aparenta ser necessária ao interesse da coletividade". A renúncia ao uso desse tipo de cláusulas gerais poderia gerar lacunas de proteção, que não podem ser admitidas face da hierarquia dos bens jurídicos ameaçados. As cláusulas gerais do direito policial também se deixam justificar na medida em que elas devem permitir aos agentes de segurança reagir a perigos novos e imprevisíveis. Ademais, o Tribunal Constitucional não declarou inconstitucional até agora nenhum dos decretos sobre o coronavírus apenas pelo fato da norma de autorização (Ermächtigungsnorm) ser muito indeterminada.

O legislador aperfeiçoou a lei em novembro de 2020 e listou um catálogo detalhado de medidas, vinculando seu alcance a determinados valores-limite (taxa de incidência), que se mostraram na prática como critérios de orientação no controle da pandemia. No momento, o valor máximo de incidência de 50 novas infecções por 100 mil habitantes está ultrapassado em todos os estados federados da Alemanha, de modo que podem ser tomadas "amplas medidas de proteção, com as quais pode-se esperar um efetivo freio nos casos de contágio" (§ 28a, inc. 3, período 6 da InfSG, com redação atual). A fim de minimizar o déficit democrático provocado pela ampla competência do Poder Executivo, recomenda-se colocar posteriormente em funcionamento o Parlamento. Em Berlim, entrou em vigor, em janeiro desse ano,  a chamada Parlamentsbeteiligungsgesetz, uma lei que exige que o Parlamento local participe da tomada de decisão acerca das medidas de combate à pandemia a ser implementadas na região. 

GR: Durante a reabertura do comércio e do cotidiano não houve um tratamento igualitário absoluto entre os estabelecimentos comerciais, pois só puderam reabrir, no início, estabelecimentos de no máximo 800m2. O Estado pode responder quando discrimina e desfavorece de modo injustificável os estabelecimentos comerciais? 

Singer: O legislador precisa observar o princípio da igualdade durante o combate a pandemias. A opinião contrária, defendida, dentre outros, pelo Ministro da Chancelaria, Helge Braun, não se sustenta sob a ótica jus constitucional. Dessa forma, o emissor do decreto, no momento da flexibilização do lockdown, deve ter em conta não apenas os negócios de até 800m2, mas também permitir a reabertura de lojas maiores, pelo menos até o limite de 800m2 de sua área total. Contudo, o tratamento isonômico não significa igualdade esquemática, mas autoriza o tratamento desigual diante da presença de motivos materiais. Isso justifica, por exemplo, que lojas de alimentos e farmácias ou drogarias possam abrir ao contrário de lojas de móveis ou de lojas de materiais de construção, porque sem isso não se poderia garantir o abastecimento da população com bens vitais.

O legislador - ou o emissor do decreto - não corre o risco de incorrer em dever de indenizar por ocasião da promulgação de leis inconstitucionais, principalmente diante da violação do princípio da igualdade, porque eles atuam no interesse da coletividade e não no interesse de um sujeito individual. Por isso, não surgem deveres do cargo face a determinadas pessoas ou a determinados grupos de pessoas, como mostra a sedimentada jurisprudência dos tribunais civis competentes para analisar a responsabilidade pelo cargo, nos termos do art. 34 da Lei Fundamental cominado com o § 839 BGB. 

GR: O Tribunal Constitucional negou recentemente pedido liminar de pessoas portadoras de deficiência ou doenças preexistentes que visava obrigar o legislador a disciplinar a triagem de pacientes. Em sua opinião, o legislador deve regular esse problema a fim de proteger esse grupo de pessoas ou os médicos devem continuar decidindo no caso concreto quem vai viver ou morrer?

Singer: A situação da triagem - em que o médico, durante o tratamento, precisa fazer uma escolha entre dois ou mais pacientes e, dessa forma, aceitar a morte da pessoa preterida - coloca o médico diante de um dilema insolúvel. Como todas as pessoas têm o mesmo direito à vida, independente de sua maior ou menor expectativa de sobrevivência, os médicos que precisam fazer essa escolha acabam caindo em uma enrascada sem solução. É natural exigir uma regra legal a respeito a fim de evitar o arbítrio no momento da escolha do paciente a ser tratado. O pedido liminar do grupo de autores da ação, todos pertencentes ao grupo de risco em razão de doenças preexistentes, restou infrutífero, porque a Suprema Corte, em julho de 2020, viu como "improvável, naquele momento", a ocorrência do cenário temido.

Uma regra legal que fixe diretrizes aos médicos esbarra em uma série de dúvidas, vez que o legislador seria obrigado a sopesar diferentemente o direito à vida das pessoas. Toda vida humana tem, porém, o mesmo valor que a outra e não deve ser sacrificada para o salvamento de outrem. Nesse sentido, surge a questão se não seria um estado constitucionalmente distante quando, ao final, se decide arbitrariamente qual vida deverá ser sacrificada.

Essa colisão de deveres descrita conduz inevitavelmente à necessidade de ter que tomar uma decisão entre vidas concorrentes entre si. Agora, se essa ponderação foi inevitável, ela deve ser feita de forma racional - e não arbitrária - à luz do direito, especialmente do princípio da igualdade de tratamento. Como se trata de uma questão que toca direitos fundamentais essenciais e elementares, ela precisa ser decidida pelo legislador. Esse é o núcleo da chamada "teoria da essencialidade". Critérios importantes seriam, a título exemplificativo, a urgência do tratamento, a expectativa de êxito e, quando nenhum evitar a escolha, a idade do paciente. 

GR: O Legislador tem uma ampla margem para sopesar os interesses em conflito. Pode o Tribunal Constitucional eventualmente corrigir falhas graves na ponderação feita pelo Parlamento? 

Singer: De acordo com a Lei Fundamental alemã, o Tribunal Constitucional é o guardião da Constituição, podendo, dessa forma, revogar leis inconstitucionais. Em decorrência da margem de decisão, colocada à disposição do legislador no momento da ponderação dos direitos fundamentais, o Tribunal Constitucional está limitado, porém, a corrigir apenas graves erros de ponderação.