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BGH diz que nem toda postagem de produtos por influenciadores digitais é publicidade

terça-feira, 14 de setembro de 2021

Atualizado às 11:16

O Instagram é a rede do momento. Muita gente usa a ferramenta para postar fotos pessoais, mas há muita publicidade, inclusive oculta, feita principalmente por pessoas famosas, os chamados influenciadores digitais.

Muitas fotos pessoais têm alto valor patrimonial, como provam as fotos de it girls que conseguem alavancar a venda de qualquer vestido usado despretensiosamente. Fica, então, a dúvida: o que pode ser considerado publicidade no Instagram?

O Bundesgerichtshof, a Corte infraconstitucional alemã, equivalente ao nosso Superior Tribunal de Justiça teve a oportunidade de se manifestar há poucos dias sobre a questão em imbróglio envolvendo três influenciadoras digitais da Alemanha: Cathy Hummels, esposa do jogador Mats Hummels; Leonie Hanne, de Hamburg e Luisa-Maxime Huss, de Göttinger.

Elas foram processadas por uma associação chamada Verband Sozialer Wettbewerb, que tem entre suas funções estatutárias a proteção dos interesses comerciais dos seus membros. Em síntese, a associação alega que as it-girls infringiram o direito concorrencial (Lauterkeisrecht)1 em diversas postagens.

Segundo a associação, as famosas publicavam fotos em seus perfis no Instagram acompanhadas de curtos textos e em algumas delas constavam os chamados tap tags, marcações que só se tornam visíveis quando o seguidor clica na foto e que, com outro clique, remetem o usuário ao perfil da marca ou do fornecedor do produto retratado na foto.

A associação, que já notificou outros influenciadores digitais, acusou as digital influencers de publicidade clandestina (oculta), vedada pelos § 8 I e III n. 2, § 3 I e § 5a inc. 6 da lei alemã da concorrência desleal (Gesetz gegen den unlauteren Wettbewerb - UWG) e requereu a abstenção da prática, porque elas influenciam milhares de seguidores através de suas postagens intransparentes. Sem indicar que se trata de postagem paga, fica difícil para o seguidor distinguir o que é opinião pessoal do que é publicidade.

O BGH decidiu, em suma, que influenciadores digitais podem fazer postagens de produtos sem indicar que se trata de publicidade, desde que a publicação não seja "excessivamente promocional" (übertrieben werblich). O simples fato de colocar tap tags nas postagens é insuficiente para configurar publicidade. Porém, quando o influenciador digital recebe uma contraprestação pela postagem, há dever de informar que se trata de postagem patrocinada.

Primeiro caso: a influenciadora fitness

Esse foi o único caso em que a it-girl, Luisa-Maxime Huss, foi condenada por publicidade clandestina e concorrência desleal. Segundo consta no processo BGH I ZR 90/20, julgado no último dia 9/9/2021, a influenciadora digital publicava fotos de exercícios físicos, com dicas de fitness e alimentação.

Ela mantinha ainda uma página comercial na internet na qual oferecia aulas de ginástica e serviço de personal training sob remuneração, além de gerir um shop online. No perfil da moça no Instagram aparece o endereço de seu site na internet.

Em uma das postagens questionadas no processo, a digital influencer publicou a foto de uma geleia de framboesa, cujo nome do fabricante aparecia quando o usuário clicava na imagem do produto, quando, então, o seguidor é redirecionado para o perfil do produtor no Instagram. O problema é que a moça recebeu uma contraprestação para fazer a postagem, mas isso não fora mencionado, nem resultava do contexto geral do post.

Por isso, a ré foi condenada em primeiro grau pelo Landgericht Göttingen, cidade onde Rudolf von Jhering lecionou até sua morte em 1892. A sentença foi, em seguida, confirmada pelo Tribunal de Justiça (Oberlandesgericht) de Braunschweig e, com a interposição da Revision, o caso subiu ao Bundesgerichtshof, em Karlsruhe, que negou provimento ao recurso da moça.

Segundo o BGH, as postagens no Instagram, objeto da lide, eram de facto ações comerciais, nos termos do § 2, inc. 1 n. 1 da UWG, praticadas em favor da empresa da ré e da empresa que pagou pela publicação.

O § 2 inc. 1 n. 1 da Lei da Concorrência Desleal (UWG) diz que, nos termos dessa lei, "ação comercial" significa qualquer conduta de uma pessoa, em benefício de seu próprio negócio ou de outra empresa, praticada antes, durante ou após a conclusão de um negócio, que esteja objetivamente relacionada à promoção da venda ou compra de bens ou serviços ou à conclusão ou execução de contrato de bens e/ou serviços2.

O problema é que, nesse caso específico, não estava claro que se tratava de postagem comercial, embora a influenciadora digital tenha recebido uma contraprestação para divulgar o produto. Ou seja: ela omitiu de que se tratava de uma publicação paga.

O BGH afirmou que os influenciadores digitais, que utilizam mídias sociais como o Instagram para vender mercadorias, oferecer serviços ou comercializar sua própria imagem, gerem uma empresa e a publicação de postagens é um meio adequado para aumentar sua notoriedade, impulsionar a concorrência e, assim, promover seu próprio negócio.

Porém, nem toda postagem configura publicidade. Uma publicação só configura ação comercial em favor de outra empresa se a postagem for remunerada por meio de uma contraprestação ou se "excessivamente promocional".

Segundo a Corte, uma postagem é excessivamente promocional quando o digital influencer, sem qualquer distância crítica, apenas elogia as qualidades do produto, de forma que a apresentação perde os contornos de uma informação objetiva, i.e., factualmente motivada.

O simples fato das fotos dos produto estarem marcadas com tap tags é insuficiente para a supor que há excesso publicitário. O contrário ocorre, segundo o Tribunal, quando a foto do produto tem um link direto para a página do fabricante na internet. Nesse caso, o seguidor pode concluir que se trata, em regra, de postagem patrocinada.

Cabe ao juiz verificar, com base em uma avaliação abrangente das circunstâncias, se uma postagem tem cunho excessivamente promocional ou não. A postagem da geleia de framboesa, pela qual a ré recebeu uma contraprestação do fabricante, viola o § 5a inc. 6 da UWG, pois o escopo comercial da publicação - qual seja: promover a venda do produto do fabricante - não foi adequadamente mencionado, nem resultava das circunstâncias, disse o BGH.

Dessa forma, é irrelevante se os usuários perceberam que a moça estava agindo em benefício da própria empresa. Importante é que a finalidade da postagem (promover a empresa fabricante da geleia) precisava ser perceptível para os seguidores, pois a não divulgação do fim publicitário da postagem pode induzir o consumidor a tomar uma decisão negocial (clicar no link que leva ao perfil do fabricante no Instagram), que ele, de outra forma, não tomaria.

Além disso, o BGH entendeu que, como a postagem da geleia de framboesa não estava claramente indicada como uma comunicação publicitária, houve a violação do § 3a da UWG c/c § 6 inc. 1 n. 1 da Lei de Telecomunicações (Telemediengesetz - TMG), o § 58 inc. 1  do diploma de radiodifusão (Rundfunkstaatsvertrag - RStV) e o § 22 inc. 1 do diploma da mídia (Medienstaatsvertrag - MStV), os quais exigem que divulgações publicitárias sejam claramente indicadas como tal.

Segundo caso: a digital fashion influencer

No segundo caso, referente ao processo BGH I ZR 125/20, a digital influencer mantinha uma conta no Instagram que era utilizada de forma preponderantemente comercial e era seguida por 1,7 milhões de usuários. A conta era verificada e tinha aquela cobiçada marca azul na parte superior do perfil. A moça publicava regularmente fotos suas com pequenos textos sobre moda, beleza, estilo de vida e viagens.

Em primeira instância, o Landgericht Hamburg julgou a ação procedente, mas o Tribunal de Justiça (OLG Hamburg) deu provimento à apelação da influenciadora digital ao argumento de não ter restado demonstrada a publicidade clandestina, nem a prática desleal.

O Bundesgerichtshof negou provimento ao recurso interposto pela associação por entender, nesse caso, ao contrário do primeiro, que as postagens da jovem não configuravam publicidade de produtos de terceiros, pois a influenciadora digital não recebera nenhuma contraprestação pela divulgação.

A Corte entendeu que as postagens consistiam em atos de publicidade realizados pela it-girl em benefício de sua própria empresa e, dessa forma, o fim comercial dos posts resultavam diretamente das circunstâncias, não havendo ofensa ao § 5a inc. 6 da UWG.

A citada norma considera que age deslealmente quem não deixa claro o fim comercial de sua ação, se isso não resulta imediatamente das circunstâncias e a ação for adequada a induzir o consumidor a tomar uma decisão negocial que ele, de outro modo, não tomaria.

Dessa forma, como a influenciadora digital não recebeu qualquer contraprestação, suas postagens não caracterizavam publicidade para outra empresa, não configurando concorrência desleal. 

Terceiro caso: Cathy Hummels

O terceiro e último caso apreciado pela Corte de Karlsruhe foi o processo BGH I ZR 126/20, movido contra Cathy Hummels. A moça publica diariamente fotos pessoais acompanhadas de textos curtos sobre moda, sua vida como mãe de uma criança pequena, yoga e viagens.

Segundo ela, suas postagens pagas no Instagram são claramente indicadas. Ela coloca em cada foto a referência expressa de que se trata de "parceria financiada por...". Contudo, as postagens apontadas pela associação não continham qualquer referência nesse sentido.

O magistrado julgou a ação improcedente, decisão confirmada pelo Oberlangesgericht München em 25/4/2020 no processo 29 U 2333/19. O BGH negou provimento ao recurso interposto pela associação comercial, mas com fundamento distinto do Tribunal a quo.

Para o BGH, ao contrário do que entendeu a Corte de segunda instância, as postagens impugnadas constituiam ações comerciais em benefício do próprio negócio e, portanto, o caráter publicitário resultava diretamente das circunstâncias, não configurando prática desleal, nos termos § 5a inc. 6 da Lei da Concorrência Desleal.

Também não restou caracterizada ofensa ao § 5a inc. 6 da UWG, porque a ré não recebeu nenhuma remuneração pelas postagens. Logo, não houve publicidade - nem mesmo oculta - em benefício de outra empresa.

Em síntese: os influenciadores digitais buscam com suas postagens, em princípio, se autopromover e promover seu próprio negócio. Logo, eles podem postar fotos com produtos de marca sem que isso configure publicidade para o fabricante dos produtos. Porém, se o digital influencer recebeu uma contraprestação para realizar a postagem, isso deve restar claramente perceptível para os seguidores, sob pena de incorrer em publicidade clandestina e prática concorrencial desleal.

A íntegra da decisão da Corte de Karlsruhe ainda não foi divulgada, mas as críticas já começaram a surgir. Uma delas aponta a incoerência da distinção feita pelo Tribunal de que postagens marcadas com tap tags não seriam necessariamente publicitárias, mas somente as que contenham link para o site da empresa fabricante do produto. E a razão é evidente: as marcações com tap tags levam o seguidor à conta do fabricante no Instagram. De qualquer forma, por enquanto vale a regra: toda postagem paga deve ser indicada como publicidade.

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1 O direito concorrencial em sentido amplo é formado pelo direito antitruste e pelo chamado Lauterkeisrecht, que seria o direito concorrencial em sentido estrito. Ambos têm um objetivo comum: proteger a concorrência de distorções e assim manter o funcionamento da livre concorrência.

2 § 2 Abs. 1 Nr. 1 UWG: Im Sinne dieses Gesetzes bedeutet "geschäftliche Handlung" jedes Verhalten einer Person zugunsten des eigenen oder eines fremden Unternehmens vor, bei oder nach einem Geschäftsabschluss, das mit der Förderung des Absatzes oder des Bezugs von Waren oder Dienstleistungen oder mit dem Abschluss oder der Durchführung eines Vertrags über Waren oder Dienstleistungen objektiv zusammenhängt.