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Direito processual penal ou Direito processual-penal?

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Atualizado às 08:37

A leitora Fabíola de Sousa Cardoso envia à coluna Gramatigalhas a seguinte mensagem:

"Gostaria de saber se, no sintagma direito processual penal, é possível a grafia direito processual-penal, entendendo, assim, que processual-penal é um adjetivo composto".

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1) Uma leitora indaga se, na expressão direito processual penal, é também possível a grafia direito processual-penal, entendendo-se, assim, processual-penal como um adjetivo composto.

2) Ora, pelo que determina o Acordo Ortográfico de 2008, a questão trazida para análise parece querer aplicar o seguinte princípio: emprega-se o hífen "nas palavras compostas por justaposição cujos elementos (substantivos, adjetivos, numerais ou verbos) constituem uma nova unidade morfológica e de sentido", como sócio-gerente, arco-íris e afro-luso-brasileiro.1

3) A questão, assim, passa pela análise dos elementos trazidos pela regra acima exposta: (i) se, embora estejam juntos na expressão, os elementos envolvidos (processual e penal) constituem uma nova unidade morfológica; (ii) se tais elementos constituem uma nova unidade de sentido.

4) Os estudiosos mais radicais poderiam dizer, por um lado, que essa unidade morfológica ou essa unidade de sentido deveriam ser entendidas, de modo restritivo, apenas para aqueles casos já consagrados no idioma, do que não cuidaria a hipótese em pauta, e isso sob pena de se ter que permitir a união de elementos por via do hífen para a quase totalidade dos casos em que dois adjetivos se juntem na frase em estruturação similar.

5) Já outros mais liberais poderiam defender a posição de que a expressão trazida para análise (e com ela outras similares e semelhantes) não deixa de constituir um circunlóquio tradicional bem mais que centenário, tempo esse mais do que suficiente para caracterizá-lo como uma nova unidade morfológica e de sentido.

6) Com essas considerações como premissas, parece importante anotar os seguintes aspectos pertinentes à matéria: (i) em termos formais, não há em Gramática uma regra impositiva sobre o que pode e o que não pode ser escrito com hífen em casos como o da consulta; (ii) a observação do que ocorre no idioma, contudo, conduz à conclusão de que o emprego do hífen nesses casos é mais restritivo, vale dizer, ocorre com mais frequência em hipóteses tradicionais, sem tendência a repetir-se em expressões novas; (iii) isso quer dizer que não é comum criar casos novos como o pretendido pelo exemplo da consulta; (iv) além disso, o emprego do hífen parece que nada acrescenta quanto ao significado da nova expressão, mas aparenta constituir apenas uma novidade gráfica, sem inovação semântica; (v) haveria, ademais, uma contraindicação do emprego do hífen ditada pela eufonia, uma vez que, como regra, varia apenas o último elemento do adjetivo composto para o feminino e para o plural, teríamos, como plural de regra processual-penal o rude circunlóquio regras processual-penais, enquanto, sem o hífen, o plural se faz normalmente como regras processuais penais.

7) Em resumo, embora não haja na Gramática uma regra que proíba o emprego do hífen na expressão direito processual-penal, as ponderações postas no item anterior contraindicam totalmente seu uso.

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1 INSTITUTO ANTONIO HOUAISS. Escrevendo pela nova ortografia: como usar as regras do novo acordo ortográfico da língua portuguesa. (Coordenação e assistência de José Carlos Azeredo). São Paulo: Publifolha, 3. ed., 2009, p. 42.