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O modo de quitação de dívidas previsto na lei 14.193/21 - Paliativo de efeitos limitados se utilizados pelos clubes-associações sem a necessária adequação ao modelo da SAF

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Atualizado às 08:04

A partir do Relatório apresentado pelo Senador Carlos Portinho, a lei 14.193, de 6 de agosto de 2021, de autoria e iniciativa fundamental do Senador Rodrigo Pacheco, trouxe ao ordenamento jurídico os chamados "Modos de Quitação de Dívida", previstos na Seção V do texto legal.

Trata-se, sem dúvida, de medida com a importante finalidade, conforme bem apontado pelo Senador Portinho, de criar instrumentos para que os clubes de futebol encontrem meios para pagarem suas dívidas constituídas ao longo dos anos anteriores à edição da lei, preservando os direitos dos credores dos clubes de receber o que lhes é devido.

Com efeito, a redação do artigo 13 da Lei da SAF confere ao "clube ou pessoa jurídica original"1 a possibilidade de se utilizar das ferramentas contidas no modo de quitação de dívidas contempladas pela norma.

O artigo 1º, §1º da Lei da SAF conceitua o termo "clube" para fins de interpretação do dispositivo legal como sendo "associação civil, regida pela lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) dedicada ao fomento e à prática do futebol".

Portanto, o "clube" que, conforme o dispositivo do artigo 13 da Lei da SAF, pode se utilizar do regime centralizado de execução (inciso I), ou da recuperação judicial (inciso II) para quitação de suas dívidas é o clube-associação, não propriamente a SAF, que, de sua parte, nasce "limpa", indene das dívidas anteriormente contraídas pelo clube que a tenha constituído.

Pretendeu expressamente o legislador, pois, que o clube-associação possa utilizar do regime centralizado de execução, ou mesmo da recuperação judicial, independentemente da constituição da SAF. E desse modo está, indubitavelmente, redigido o texto legal.

Tanto assim, que dias após a entrada em vigor da Lei da SAF, o Corregedor do TRT da 2ª Região, Desembargador Sérgio Pinto Martins, reconheceu a possibilidade de a Associação Portuguesa de Desportos aderir aos prazos previstos no artigo 15 da Lei da SAF.

A decisão2 sequer adentrou à discussão sobre a possibilidade de utilização do regime centralizado de execução por clubes-associações que não tenham constituído SAF. Tampouco seria necessário. O texto legal é absolutamente claro nesse sentido, conforme acima demonstrado. Maiores digressões sobre esse aspecto somente serviriam para alimentar falsas polêmicas sobre uma interpretação que não comporta dúvidas.

O fato de a Portuguesa - a Lusa dos seus torcedores e de todos que temos por ela especial memória afetiva - encontrar caminhos para saldar suas dívidas sem inviabilizar seu funcionamento é, por esse lado, boa notícia. Ainda mais, quando percebido que o seu atual Presidente, o Sr. Antônio Castanheira, está tomando uma série de medidas para resgatar e modernizar o Clube, como de fato tem ocorrido.

Porém, é preciso chamar a atenção para a constatação, clara, de que, por mais que os modos de quitação das dívidas dos clubes e pessoas jurídicas originais previstos na Seção V da Lei da SAF sejam, conforme delineado acima, aplicáveis aos clubes-associações, independente da constituição ou transformação em SAF, parece-nos fundamental ressalvar o caráter sistémico da norma enquanto preceito fundamental de sua efetividade.

Utilizar somente os mecanismos de quitação das dívidas, sem a adoção do modelo societário das SAFs é, por assim dizer, um enorme desperdício de uma oportunidade única de realizar a imprescindível evolução da qual a grande maioria dos clubes de futebol do Brasil realmente necessitam.

Constituir a SAF significa ter acesso a novas possibilidades de geração de receita e financiamento, às atuais estruturas eficientes de governança e, ao fim e ao cabo, trocar o modelo obsoleto dos clubes-associação, pela moderna estrutura das sociedades anônimas.

Sem a constituição da SAF, o clube-associação poderá, como é legitimo porque previsto na Lei, obter até um alívio imediato, pela adoção de mecanismos de quitação de dívida que poderão diminuir a pressão no caixa decorrente da iminência do vencimento de obrigações de curto prazo. Porém, é o alívio do remédio paliativo, que ataca os sintomas como consequência, mas não enfrenta a doença enquanto causa.

A mudança estrutural, a transmutação do ultrapassado modelo associativo para o regime das SAFs é a alternativa viável para evitar a enorme frustração que poderá ser percebida pelos clubes que, mesmo tendo aderido ao regime centralizado de execução agora, poderão, no futuro não tão distante, terem constituído novas "dívidas impagáveis", que lhes obriguem a se socorrer de novas formas de auxílio em meio ao cenário de iminente insolvência. O injustificado apego de alguns poucos pelo modelo antigo pode, sim, levar a esse cenário desolador em alguns anos. Isso é tudo de que o futebol brasileiro não precisa.

Para tanto, é de se reconhecer, como é fundamental destacar novamente nesse momento, que, para incentivar os clubes de futebol à constituição da SAF, é imprescindível a derrubada dos vetos trazidos ao PL 5.516/2019 pela Presidência da República pelo Congresso Nacional.

Todavia, superado esse óbice, com o reinclusão no texto legal do indispensável Regime Especial de Tributação e das normas de transparência dos fundos quotistas, caberá aos dirigentes dos clubes a iniciativa, a ousadia e vontade de se notabilizar historicamente como aqueles que conduziram os clubes que dirigem na direção do passo fundamental rumo à modernização, a estabilidade, a confiabilidade e a viabilidade econômica, enfim.

A Lusa, querida por tanta gente, está voltando aos trilhos, mas precisa fazer a mudança profunda, separar o futebol do clube social - como o Presidente Castanheira já está realizando - e, concluir a jogada decisiva, fazendo o gol que será a constituição da Portuguesa de Desportos S.A, para gerir o seu futebol profissional. Assim, o tradicional Clube paulista irá retornar ao lugar de destaque no cenário nacional, celeiro de craques e de campanhas memoráveis, do qual nunca deveria ter saído.

E os outros clubes deverão seguir seus passos, resolvendo suas dívidas e apostando na mudança de organização interna para, enfim, poderem trilhar um caminho novo que poderá chegar a uma nova era de pujança, segurança e modernidade no futebol brasileiro.

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1 "Seção V

Do Modo de Quitação das Obrigações

Art. 13. O Clube ou a Pessoa Jurídica Original poderá efetuar o pagamento das obrigações diretamente aos seus credores, ou a seu exclusivo critério:

I - pelo concurso de credores, por intermédio do regime centralizado de execução previsto nesta Lei; ou

II - por meio de recuperação judicial ou extrajudicial, nos termos da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005."

2 TRT 2ª região - PP 1000064-79.2021.5.02.0000 REQUERENTE: ASSOCIACÃO PORTUGUESA DE DESPORTOS - REQUERIDO: Juízo Auxiliar em Execução)