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Salve o Tricolor Paulista - Parte II

quarta-feira, 27 de abril de 2022

Atualizado às 09:37

Em maio de 2021, logo após a conquista do título do Campeonato Paulista, publiquei, neste espaço, texto em que, sem desprezar o feito - o qual, considerando a história recente do São Paulo, não era mesmo desprezível -, indagava: "e agora?".

A indagação tinha uma destinatária: a diretoria (e, em especial, seu presidente); e se sustentava em alguns motivos, dentre os quais: (i) o título pouco (ou nada) mudaria a situação esportiva, financeira e estrutural do clube; (ii) a ilusória narrativa do associativismo se afirmaria como elemento suficiente para resgatar as glórias do passado; e (iii) o discurso oficial rejeitava - como aparentemente ainda rejeita - os caminhos da construção de uma empresa futebolística sustentável, independente e pujante.

Afirmou-se naquele texto, ademais, que o hiato que se formava em relação a outros times, como Flamengo e Palmeiras - sem falar da incomparabilidade com os principais times mundiais, posição que já fora ocupada pelo São Paulo -, tinha origens estruturais - e não conjunturais -, de modo que, com o passar do tempo, a irreversibilidade se tornava um fato da realidade, e não proveniente da retórica ou da elucubração de segmentos de oposição.

As proposições não ecoaram. Ao contrário: a partir daquele momento, (i) tentou-se forjar a construção de uma imagem presidencial com traços messiânicos, (ii) criou-se um inimigo público (ou bode expiatório) - Daniel Alves - para satisfazer as necessidades raivosas das massas, (iii) tentou-se plantar a ideia de que o êxito esportivo se fundava numa reformulação do sistema gerencial e da planificação redentora e, óbvio, (iv) lançou-se a ideia de que, para gratificar tanto trabalho - como se ninguém mais trabalhasse -, o escolhido haveria de ter mais tempo no poder.

Acreditou-se, no mesmo sentido, que a batalha política seria vencida pela propagação, por via de mídias sociais, de uma narrativa enunciadora de um mundo encantado, intercalado com notas e notícias de que as mazelas que surgiam (e não eram poucas) advinham de gestões passadas (mas estavam em processo de conserto).  

De lá para cá, a situação se deteriorou rápida e perigosamente. Em meio à luta pela permanência na primeira divisão, lançou-se e defendeu-se uma reforma estatutária alcunhada, por correntes importantes da imprensa, de golpista, que desviou a atenção do que realmente importava à coletividade são paulina, em benefício do que era caro aos poucos e (verdadeiros) donos do São Paulo: uma dezena de cartolas.

Após uma das piores campanhas em campeonato brasileiro da história, e depois da maior derrota de um grupo político de situação (também na história) - refiro-me à rejeição da proposta de reforma do estatuto -, reorganizou-se, como se nada tivesse ocorrido, a narrativa do trabalho árduo e cotidiano, do planejamento e modernização da gestão e do direcionamento do futuro glorioso, com base na competência de determinadas pessoas.

Apelou-se, para tanto, a uma campanha que ainda cobrará seu preço, envolvendo um dos maiores ídolos do clube, por via de uma insincera afirmação de que se estava ou está "fechado com Ceni".

Com Ceni que, diga-se, apesar de não ser a origem do problema, o time sofre algumas de suas maiores humilhações, as quais são tratadas, no plano das mídias sociais, como se fossem normais - ou motivadoras de simples tristeza.

Parece, assim, que, no ambiente de virtualização das relações, perdeu-se a vergonha do escancaramento das intenções dissimuladas. Talvez não seja adequado trazer como elemento de comparação a ultra exposição da elite abastada, enquanto milhões de pessoas perecem pela mais desumana das causas: a fome. Ou talvez seja, sim, adequado, pois, no plano esportivo, a humilhação a que a torcida vem sendo submetida, enquanto uma pequena casta se embriaga com o poder, não tem precedentes históricos.

Mas já se conhece bem o caminho de apaziguamento coletivo: a cada novo percalço, surgirão viagens ou notícias de bilionários de países absolutistas que estarão prontos a aportar petrodólares na formação de um elenco estrelado, sem exigir a propriedade acionária de uma SAF - porque, no São Paulo, tudo é diferente, as pessoas são diferentes e a sua grandeza, soberana.

Esse estado de coisas invoca a pergunta central do texto publicado em 2021, formulada, lembre-se, logo após a conquista de um título, representativo da quebra de longo jejum: e agora?

E agora, antes que as "profecias" se realizem, e times sem tradição histórica se tornem realmente relevantes e superiores àqueles que o foram - e não adianta maldizer a opinião do jornalista Flavio Prado, que aposta que o Bragantino será maior do que o São Paulo, pois o próprio Ceni afirmou, em entrevista, que o time do interior é grande (e joga Libertadores) -, não resta outro caminho ao da segregação da politicalha clubística da atividade futebolística.

Aí está, aliás, a origem da decadência, na trajetória são-paulina, e que se espalha, há anos, em metástase. Só não reconhece quem não quer. Ou quem tem interesse em não reconhecer.

Portanto: se a diretoria realmente quisesse (ou quiser) salvar o Tricolor Paulista, deveria fazer o que deve ser feito (e sabe que deve), mesmo que a façanha desagrade um punhado de cartolas. Especialmente porque trará esperança (e felicidade)  a 20 milhões de torcedores.