Corrupção no esporte é crime no Brasil desde 2023
quarta-feira, 3 de dezembro de 2025
Atualizado em 2 de dezembro de 2025 15:35
Em vigor desde 14 de junho de 2023, a Lei Geral do Esporte (lei 14.597/23) trouxe um dispositivo importante ao tipificar como crime a corrupção privada no esporte.
O artigo 165 da Lei Geral do Esporte define corrupção privada no esporte como o ato de um representante de organização esportiva exigir, solicitar, aceitar ou receber vantagem indevida - ou mesmo aceitar a promessa de tal vantagem - para favorecer a si ou a terceiros, realizando ou omitindo ato relacionado às suas funções. Em outras palavras: se um dirigente, gestor ou representante de um clube, federação ou liga recebe propina para tomar (ou deixar de tomar) determinada decisão, ele comete esse crime. Da mesma forma, incorre no mesmo delito quem oferece ou paga a vantagem indevida, conforme o parágrafo único do artigo. A pena prevista é de 2 a 4 anos de reclusão, além de multa.
Antes dessa lei, a corrupção no esporte privado não era expressamente considerada crime - a legislação penal brasileira punia apenas a corrupção envolvendo agentes públicos. É interessante notar que o esporte avançou ao tratar como crime condutas que se convencionou chamar de "corrupção privada", prática que ocorre também em diversos outros setores da economia, mas ainda sem tipificação penal específica. Casos de propina entre particulares, nos mais diferentes segmentos, acabam enquadrados em outros delitos (como estelionato ou apropriação indébita) e muitas vezes permanecem impunes.
Com a nova tipificação, existe agora uma ferramenta legal clara para responsabilizar corruptos no âmbito esportivo, preenchendo uma lacuna histórica.
Todas essas condutas caracterizam vantagem indevida ligada às atribuições do agente esportivo e, portanto, configuram o crime previsto no art. 165 da Lei Geral do Esporte. Importante destacar que basta a oferta ou promessa da propina para o crime se configurar - a consumação não depende de a vantagem ser efetivamente entregue. Assim, tentativas de suborno também são punidas.
Por ser relativamente nova, a lei começa a aparecer em investigações e denúncias no esporte brasileiro, porém ainda de forma incipiente. Uma leitura excessivamente otimista poderia levar à crença de que a simples previsão legal já estaria desestimulando a prática da corrupção privada no esporte. Parece mais realista considerar que os órgãos responsáveis pela aplicação da norma ainda não estejam totalmente familiarizados com o texto e seus efeitos, razão pela qual a lei ainda não tem sido aplicada com a frequência necessária.
A falta de tipificação penal anterior levou, no passado, a diversos casos de recebimento de propina por dirigentes esportivos que não resultaram em condenação no Brasil, mesmo quando a corrupção privada foi comprovada e punida no exterior. Com o art. 165 em vigor, casos semelhantes hoje poderiam ser processados criminalmente no país. Contudo, como a lei penal não retroage para prejudicar o réu, sua aplicação se limita a fatos ocorridos após sua entrada em vigor.
A credibilidade da gestão esportiva no Brasil tem sido abalada por anos de escândalos e impunidade. A criminalização da corrupção privada no esporte representa um marco no combate a essas práticas e um passo fundamental para elevar os padrões de integridade e transparência das entidades.
O esporte não é apenas entretenimento: trata-se de um setor econômico relevante, que movimentou cerca de R$ 183 bilhões em 2023 (1,69% do PIB). A corrupção desvia recursos, prejudica a competitividade, afasta investidores e patrocinadores, compromete a credibilidade perante torcedores e afeta a imagem do setor, prejudicando inclusive dirigentes e profissionais honestos que trabalham no esporte.
Ao punir dirigentes e envolvidos em negociações e favorecimentos ilícitos, a lei busca inibir tais condutas, criando um ambiente mais propício a gestões profissionais e éticas.
Além disso, essa iniciativa alinha o Brasil a recomendações e práticas internacionais. Desde a Convenção da ONU contra a Corrupção (Convenção de Mérida, de 2003), incentiva-se que países tipifiquem o suborno entre particulares como crime. Diversos países europeus já adotam há anos legislações sobre corrupção privada, e o próprio esporte internacional intensificou suas exigências de integridade após escândalos envolvendo instituições como a FIFA e o Comitê Olímpico Internacional.
O esporte brasileiro tende a evoluir de forma significativa com a aplicação efetiva do art. 165 da Lei Geral do Esporte, pois se reforça a ideia de fair play também nos bastidores - em contratos, eleições de federações, acordos de marketing e patrocínios, compras institucionais, transferências de atletas e outras relações negociais. Com dirigentes e parceiros cientes de que oferecer ou aceitar propina pode levar à prisão, espera-se um efeito educativo e dissuasório, favorecendo decisões baseadas no mérito e no interesse coletivo, e não em ganhos pessoais ilícitos.
É importante notar que uma lei, por si só, não resolve o problema. Para que essa mudança produza melhorias reais na gestão esportiva, é fundamental que as autoridades competentes atuem de forma rigorosa: Ministério Público, polícia e Judiciário precisam fazer a lei pegar, investigando e punindo os casos de corrupção esportiva com eficiência.
Paralelamente, a própria comunidade esportiva deve assumir um compromisso ético, adotando medidas de compliance, transparência e governança responsável. Entidades esportivas podem reforçar códigos de conduta, e a sociedade - torcedores, patrocinadores e imprensa - deve cobrar posturas íntegras de seus dirigentes.
Em suma, o art. 165 da Lei Geral do Esporte já está em vigor e representa um avanço significativo para o esporte nacional. Ao traduzir o fair play para fora das quatro linhas, punindo a corrupção nas administrações esportivas, a norma abre caminho para um ciclo virtuoso: gestão mais profissional, investimentos confiáveis, resultados esportivos mais legítimos e maior confiança do público. Se aplicada com consistência, a lei pode ajudar a romper décadas de impunidade no esporte brasileiro e fomentar uma cultura de ética e integridade, na qual talento e esforço - e não esquemas de propina - definam o sucesso esportivo.

