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O pagamento do adicional de transferência em casos de permanência do empregado em alojamento

sexta-feira, 19 de maio de 2023

Atualizado às 08:38

Não são raras as decisões conflitantes proferidas pelo Tribunais Trabalhistas quanto ao tema do dever (ou não) de a empresa pagar o adicional de transferência para o empregado que é contratado em uma localidade e passa a ser alojado em outra, por força do contrato de trabalho.

No título IV da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que versa especificamente sobre o contrato individual do trabalho, foi inserido o capítulo III que trata sobre as alterações contratuais.

Via de regra, nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições, por mútuo consentimento, e, ainda, assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade. Esta é a redação do art. 468 da norma celetista, servindo como regra regente dos contratos de trabalho.

Sabe-se que rotineiramente as regras preestabelecidas e pactuadas no momento da contratação podem sofrer modificações, seja quanto à função desempenhada pelo empregado, seja quanto ao valor salarial e, ainda, seja quanto ao local da prestação de serviços. Assim, os contratos de trabalho são mutáveis, desde que as regras acima citadas sejam obedecidas.

Quando a mudança contratual se restringe à localidade, devemos nos pautar nas regras do art. 469 da CLT. Segundo a sua dicção, temos que: (i) há necessidade de anuência do empregado para transferência de local; e (ii) transferência, para efeitos legais, significa mudança de domicílio e de localidade (pode-se entender como cidade, desde que implique mudança de domicílio).

O requisito da anuência somente é relevado quando tratamos de empregados que exercerem cargos de confiança e aqueles cujos contratos tenham como condição, implícita ou explícita, a transferência, com real necessidade de serviço (§1º do art. 469 da CLT). Outra hipótese de licitude da transferência unilateral proposta pelo empregador é quando ocorrer extinção do estabelecimento em que trabalhar o empregado, independente do motivo (§2º do art. 469 da CLT).

Deve-se acrescentar ainda a lição da Orientação Jurisprudencial (OJ) nº 113 da SDI-1 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a qual confere legitimidade para que o exercente de cargo de confiança e o empregado contratado mediante cláusula que preveja a transferência também sejam contemplados com o adicional de transferência, caso a mudança venha a ocorrer.

Mas é o trecho final desta OJ que traz o requisito divisor de águas para a matéria em questão, sendo a provisoriedade da transferência fator crucial para que o adicional de transferência seja pago ou não ao empregado.

Basicamente, a transferência definitiva de um empregado, de uma cidade para outra, não enseja o pagamento do adicional de transferência, eis que este adicional é finito, embora não haja um prazo pré-determinado, mas irá compor a folha salarial do emprego no percentual de 25% (do seu salário base e demais parcelas salariais), enquanto durar a situação de transferência.

Portanto, para que seja devido o adicional de transferência, segundo as lições legais e da jurisprudência, devemos observar quatro requisitos, quais sejam: (i) consentimento do empregado (salvo exceções do §1º do art. 469 da CLT); (ii) efetiva mudança de domicílio; (iii) localidade diversa; e (iv) provisoriedade da transferência.

Feitos tais esclarecimentos, podemos indagar se o empregado que, atendendo todos os requisitos listados acima, permanecer em alojamento fornecido ou custeado pelo empregador em outra cidade, terá ou não direito ao adicional de transferência (?).

O conflito de entendimentos não é raro, pelo contrário, torna-se explícito em julgamentos noticiados pelo TST, ad exemplum:

"ADICIONAL DE TRANSFERÊNCIA. DEVIDO. ALOJAMENTO CEDIDO E MANTIDO PELA EMPREGADORA. MUDANÇA DE DOMICÍLIO. Conforme o teor do artigo 469, caput e § 3º, da CLT, o adicional de transferência é devido nas situações em que ocorra a mudança provisória de localidade e domicílio do empregado. O entendimento desta Corte superior, consubstanciado na Orientação Jurisprudencial nº 113 da SbDI-1, firma-se no sentido de que a provisoriedade da transferência é o pressuposto legal apto a legitimar a percepção da referida verba. O fato de o empregado ter ficado em alojamento fornecido e custeado pela empresa não descaracteriza a mudança de domicílio para efeito de pagamento de adicional de transferência correspondente (precedentes). Recurso de revista conhecido e provido." (ARR - 10345-05.2016.5.03.0180. Data de Julgamento: 07/02/2018, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 16/02/2018).

(...)

"RECURSO DE REVISTA. ADICIONAL DE TRANSFERÊNCIA. ALOJAMENTO CEDIDO E MANTIDO PELA EMPREGADORA. MUDANÇA DE DOMICÍLIO. No julgamento do Recurso Ordinário, o Tribunal Regional do Trabalho esclareceu que, 'o reclamante permaneceu em alojamento fornecido e custeado pela empresa, ou seja, não teve residência fixa em quaisquer cidades em que prestou serviços para a reclamada'. Esta Turma, acolhendo voto-vista divergente daquele proferido pelo relator, assentou que: 'a permanência do empregado em alojamento leva à presunção de que não houve alteração da residência, com ânimo de mudar. Acresça-se que não há nenhum registro no acórdão regional que evidencie a efetiva mudança de domicílio, elemento necessário ao acolhimento da pretensão relativa ao adicional de transferência provisória'. Recurso de Revista de que se conhece por divergência jurisprudencial, e, no mérito, se nega provimento. Ressalvado o entendimento pessoal do relator." (RR - 11011-20.2018.5.03.0185. Data de Julgamento: 04/12/2020, Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 07/12/2020).

A análise do tema anseia por um posicionamento firme da Subseção I da Seção de Dissídios Individuais (SBDI-1) do TST para que tais divergências não mais prejudiquem a segurança jurídica dos jurisdicionados.

Mesmo assim, a discussão não foge dos conceitos básicos do Direito Civil que definem a terminologia de domicílio e residência.

Com efeito, o domicílio é definido como a sede jurídica da pessoa, aonde ela se presume presente para efeitos de direito e onde exerce ou pratica, habitualmente, seus atos e negócios jurídicos. Já a residência é o local onde a pessoa mora. A residência exige o intuito de permanência (DINIZ, 2012, p. 246). Na legislação, o art. 70 do Código Civil (CC) define o domicílio como o lugar onde a pessoa estabelece a sua residência com ânimo definitivo. Ocasionalmente, se a pessoa possuir dois ou mais locais de residência onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio qualquer delas (art. 71, do CC).

Lembre-se que o caput do art. 469 da CLT utiliza o termo "domicílio" para dar azo ao adicional de transferência. E, nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF) já entendeu como domicílio, por equiparação, os quartos de hotéis ou habitação coletiva, como destaca-se no precedente abaixo: 

Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da Constituição da República, o conceito normativo de 'casa' revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer aposento de habitação coletiva, desde que ocupado (CP, art. 150, § 4º, II), compreende, observada essa específica limitação espacial, os quartos de hotel. (...) Sem que ocorra qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art. 5º, XI), nenhum agente público poderá, contra a vontade de quem de direito ('invito domino'), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em aposento ocupado de habitação coletiva, sob pena de a prova resultante dessa diligência de busca e apreensão reputar-se inadmissível, porque impregnada de ilicitude originária. (...). (BRASIL, STF, 2007). 

Este julgamento retratou a conceituação de domicílio para fins da garantia da inviolabilidade (art. 5º, XI, da CF), sendo que a Corte Maior fez uma interpretação ampliativa do termo "domicílio", podendo ser entendido como qualquer compartimento habitado pela pessoa.

O conceito em tela comporta as moradias de todo gênero, incluindo as alugadas ou mesmo as sublocadas, independentemente de quem custeia tais moradias. Portanto, abrange as moradias provisórias, tais como quartos de hotel ou moradias móveis como o trailer ou o barco, a barraca e outros do gênero que sirvam de moradia. Determinante é o reconhecível propósito do possuidor de residir no local, estabelecendo-o como abrigo ("asilo") espacial de sua esfera privada (MARTINS, CANOTILHO, [et al.], 2018, p. 305).

Sendo assim, é possível concluir que os quartos de hotéis ou meros alojamento, mesmo que cedidos ou custeados pelo empregador, se amoldam com o conceito amplo de domicílio para os efeitos legais, incidindo perfeitamente na hipótese do art. 469 da CLT.

Destarte, a posição jurisprudencial que admite o mero alojamento cedido/fornecido pelo empregador, como domicílio, nos parece a mais correta, tendo em vista que o empregado alterou, provisoriamente, seu domicílio e, com isso, sua rotina profissional, familiar e pessoal.

A própria rotina de habitar um alojamento se assemelha com o conceito de provisoriedade, pois sensato considerar que o empregado submetido a esta situação não terá intenção de morar permanentemente em um alojamento.

Certamente cada caso in concreto deverá ser avaliado, objetivando a colheita de todos os requisitos legais para a percepção ou não do adicional.  De qualquer maneira, não seria correto "presumir" que a mera permanência do empregado em alojamento fornecido pelo empregador descaracterizaria o adicional de transferência pelo fato de existir ou não o ânimo de mudar, mesmo que o empregado tenha habitado diversos alojamento distintos neste processo.

Em sentido categórico, desde que não haja animus manendi, efetivamente comprovado, é possível sim sustentar que será devido o adicional de transferência, mesmo que o empregado habite alojamentos em outra(s) localidade(s), especialmente por estes locais serem, juridicamente, sinônimos de domicílio, independente de quem venha a custear o recinto.

Bibliografia 

BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.  RHC 90.376/RJ. 2ª Turma. Relator Celso de Mello, julgamento em 03/04/2007. Publicação no DJ de 18/05/07. Disponível aqui. Acesso em 03 fev. 2023.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Teoria geral do direito civil. 29 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 

MARTINS, Leonardo. CANOTILHO, J. J. Gomes (coord.). [et al.]. Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.